Thursday, March 31, 2005

O único final feliz possivel.

Rafael Prosdocimi

Na verdade quero falar sobre o final dos romances. O final de um grande amor seja no cinema, nos livros ou mesmo na vida real. Não há final feliz possível em um relacionamento, essa é a tese. Os filmes românticos, que terminam com casais apaixonados, no fundo são apenas histórias precipitadas, terminadas antes da hora. Ah sim, eu sou pessimista. Os relacionamentos acabam amargamente. Sempre, pelo menos os bons, vivos, ardentes. E sempre acabam. Tem um ditado, ou dito popular, não sei a diferença, que diz: “No final tudo acaba bem, senão está bem é porque ainda não acabou”. Ditadozinho medíocre. Não pela mensagem babada de pieguice, mas sim pela hipótese de que algo pode acabar na vida real. Claro, quando morremos acaba, mas bem... aí importa pouco se acabou bem ou não, pois, e é bom lembrar sempre aos mais desavisados, a vida é uma só, e se ela foi, se acabou de fato, acabou. A única coisa que acaba um dia é a nossa vida. E, pelo menos pra quem morre, ela nunca acaba bem.
Na verdade, no amor, um sempre gosta mais do que o outro, uma sempre é no fundo apenas carente e não muito inteligente e o outro é só muito narcisista, arrogante. Olha que relação perfeita, uma mulher não muito inteligente e um sujeito narcisista, digo isso sem hipocrisia. A fórmula fechada e perfeita do amor romântico. Ah, se as mães soubessem disso. Devíamos criar bajuladoras tolas em potencial e homens narcisistas, arrogantes e é claro, sempre menos inteligente do que pensam. Penso que assim os relacionamentos durariam mais. E todos seríamos mais felizes. A verdade é que o tempo arruína tudo, como vi num filme francês que é muito antipático. Os cafés da manhã, os dias, o discutir a relação. E aqueles hábitos, gostos que todas as pessoas têm, e que na suas respectivas subjetividades “acham bacana”, mas que nunca interagem satisfatoriamente com o hábito de um outro ser vivo, ainda mais compartilhando cama, mesa e banho. Um gosta de tomar banho quente, e gosta de fechar as janelas do banheiro, gosta do vapor e o outro acha isso meio nojento, o ar preso, fechado. No inicio pensam ser bobagem. Quem pensa ser o amor duradouro, vivendo juntos, dividindo aqueles momentos mais íntimos, nunca dividiu o quarto com um ser humano. Há momentos que precisamos nos concentrar em nosso ser e que a presença de outro, mesmo que outra, mesmo que linda e nua, acaba por prejudicar a união nossa “introspectiva”, do “eu” com o cosmos. Lembro de um filme com o Jack Nicholson no qual, logo ao inicio do filme, ele olha pra simpática e gordinha “sua patroa” e pergunta, como quem vasculha a alma: “Que velha é essa? Que mulher é essa que mora aqui em casa?”.
Os filmes mostram seus finais felizes e nós saímos mais uma vez iludidos, não que oferecemos normalmente resistência à ilusão, de que a vida é boa, e mais do que isso que é bom a vida ser boa. E que existe um amor no fim do túnel, ou mesmo no inicio, e que nós vamos encontra-lo. Lembro do final do livro “O amor nos tempos do cólera”. Ao fim da história o sujeito que esperava pela mulher há algo do tipo 60 anos a reencontra, ela, agora viúva, e ele apesar de ter feito sexo com outras mulheres, mantinha-se impassivelmente apaixonado pela moça, que obviamente se tornara uma octogenária. Durante décadas ele a esperava, esperando a morte do marido de sua amada. O marido morre e eles finalmente se juntam. Os dois embarcam em uma viagem de navio (tipo uma lua-de-mel) e quando chegam ao destino, voltam para onde tinham saído e assim repetidas vezes, sendo que assim acaba essa história de amor. Ou seja, o homem esperou uma vida pela mulher, a reencontra, obviamente velha e decrépita, vive seus momentos de amor, ou o que a imagem de dois octogenários transando pode representar, e nunca mais abandona a lua de mel. Acaba a história, mas sabemos que ela não acabou. Sabemos que um dos velhinhos morre antes, talvez tendo um orgasmo, o que seria um final feliz para o defunto, mas não para o outro. Prolongada nossa angústia. Pois um morreu feliz, mas o outro não, e isso não pode ser um final romântico feliz. Continuando essa história, com a permissão do senhor Garcia Márquez, o sobrevivente, agora solitário enterra seu amor. Sabendo-se velho, sabendo da morte eminente, quem sobreviveu fica feliz, pois reencontrará sua alma gêmea no além. Agora sim um final feliz, o outro velhinho morre e reencontra seu grande amor no céu ou no inferno. O final feliz é, dessa forma, em ultima instância, uma ilusão religiosa. Isso não é um final, pois deveríamos nos voltar para o além. Quem disse que o marido da mulher não a espera, contando os minutos pela chegada de seu (amarga ilusão) eterno amor. Sendo que o marido, em vida, pensava ser a alma gêmea da mulher, aí poderemos pensar numa disputa por amores no além, almas gêmeas sendo separadas, uma indo pro céu e a outra por inferno e tudo o que o mito e a imaginação permitir.
A questão é bem mais simples. Não há final feliz possível, pois não é o final que importa. Há uma velha máxima, talvez budista, xintoísta, judaica, ou só baranga mesmo de que não importa para onde se vai, mais como vai ser a viagem. Haverá risos, gozos, choros, lamentos, música, sorriso de graça? Acho que o final do livro quer dizer isso, quando eles não desembarcam, não há razão alguma para sair do barco, já que temos o que se precisa no barco. O problema é que sempre há algo nos chamando lá fora. Não fomos feitos para a felicidade. Freud diria sobre a transitoriedade, diria que depois do verão vem sempre o outono e depois o inverno, Nietzsche diria que os homens não foram dispostos para serem felizes, mas sim para “momentos felizes” e que pensar que há uma felicidade acima do arco-iris é romantismo piegas. Sartre diria sobre a contingência, sobre a liberdade. Vinicius diria que “tristeza não tem fim, felicidade sim”. É por isso que todo final feliz é tão enjoativo. Pois tenta encucar em nossa mente a idéia inverossímil de que se é feliz eternamente, com todas manhãs ensolaradas, gaivotas no céu, mar azul, café na cama e calcinha preta.
Mas há um final feliz possível...Que é a morte do casal por acidente de avião, ou algo do gênero, algo que mate o casal apaixonado sem que estes percebam. Que mate rapidamente, que mate num momento de leve alegria, com ausência de pensamento, com falta de culpa; que a morte seja rápida o bastante para que a mulher não lembre de qualquer olhar enviesado trocado com um moço de óculos antes de ontem; que a morte seja rápida o bastante para que não haja tempo para rever as equações, para que não se perceba a ilusão, para que não se queira ir por ali. Que a mentira continue parecendo verdade. Que a palavra seja contida a tempo, que a mente não tenha tempo de se arrepender, que se continue apaixonado antes da morte. Esse seria o único final feliz possível.

Wednesday, March 30, 2005

A Questão da Melancia

Eu gosto muito de melancia. Assim como a Magali. Comer melancia me lembra tomar água com sabor. “Ei moço me vê uma água daquele sabor melancia”, fica até estranho dizer “comer melancia”, já que não se come nada. Aqui em casa se compra melancia , e normalmente se deixa na geladeira, sendo que quem quiser um pedaço , vai lá e pega. É o que faço normalmente, nesse dias quentes de verão. Abro a geladeira e corto um pedaço da melancia.
Meus irmãos têm preguiça de cortar a melancia, sendo assim eles acabam comendo pouco, o que eu acho bom, pois sobra mais para a minha pessoa. Há pouco tempo, no entanto, configurou-se um problema marxista com relação à posse da melancia. Toda vez que chega a melancia, Rosane (empregada aqui em casa) parte ela toda em pequenos pedaços, e põe na geladeira. Em um pote. Sendo assim qualquer idiota que não consegue partir a melancia, pode se saborear da mesma, bastando o elemento, na posse de um garfo, pegar a melancia já cortada. A revolução da melancia.
Eu detentor da Faca que corta a melancia, do saber especifico do corte, fui despojado de meu poder , ou seja, de nada adianta saber como se corta uma melancia, pois ela já estará cortada e disposta a quem bem entender. Não importando se essa pessoa gosta de melancia ou não, mesmo que ela só coma por não ter o que fazer. Seria o mesmo que de um dia pro outro, todos tivessem acesso às maravilhas da medicina, sem precisarem pagar nada por isso, situação surreal. A democratização da melancia levou ao fato da mesma dificilmente durar mais que um dia aqui em casa, sendo devorada pelos glutões , sem classe, desmiolados do proletari...digo meus irmãos. O acesso ao sabor das melancias me era especifico, eu detinha o monopólio da melancia, sendo meus irmãos alienados do processo. A democratização da melancia coloca no mesmo patamar eu, que gosto muito de melancia, e por isso aprendi como se corta a melancia, e meu irmão que talvez nem saiba o que vem a ser uma, “há...aquela frutinha vermelha cheia de caroço...”. Os homens e mulheres são diferentes, há os que gostam de melancia, os de laranja e os de manga, e, portanto, há os que aprendem a cortar essas frutas , para deterem o poder de possui-las sempre que quiserem. Eu não gosto de mamão e, portanto, não sei cortar mamão.
O acesso livre à melancia fez com que meus irmãos não procurassem mais aprender a cortar a melancia, já que ela está sempre cortada. Digamos agora que a Rosane sofra um pequeno acidente, construído pela minha pessoa, ou que eu a suborne para não cortar mais melancia. Como meus irmãos ficam? Bem eles simplesmente vão parar de consumir a melancia, já que eles em momento nenhum aprenderam a corta-la. Eles não tiveram participação no processo, apenas receberam o bem, e eu volto a reinar no meu mundo de melancias.Mas enquanto eu não tenho dinheiro para suborna-la, todo o trabalho que eu tive para aprender a cortar a melancia vai por água abaixo, já que minha mãe resolveu fazer uma pequena revolução comunista na minha geladeira.

Thursday, March 24, 2005

Nossos momentos

Lembro com muito carinho desses nossos momentos. São para mim os momentos mais doces ao seu lado. Pelo menos os momentos mais lindos de que me lembro. Dele comigo, ele: meu pai. Com certeza houve outros momentos de mais mistério e encanto, momentos de mais amor e carinho, de pura surpresa, de meninice, momentos de aprender a andar e de sorrir. Mas não me lembro desses dias, dessa meninice minha. Você deve se lembrar, talvez não, quem sabe. De minha memória tenho esses dias, há poucos anos, que nós sentávamos em um bar, cada um com sua respectiva tristeza, que talvez fosse a mesma, a angústia de existir, a saudade, a solidão, nada mesmo nunca foge muito disso. Sentávamos em um bar que prezava em continuar vazio, ficávamos nós e os garçons a beber cerveja, nós bebíamos e eles nos serviam. Ora ou outra, eles pediam uma música, ou contavam uma piada. Mas no mais era eu, você, o Lú e o violão. Éramos tristes alegres. Você se recolhia humildemente no bar todo dia depois de tais horas, não havia muita diferença de domingo e quarta-feira. Nós íamos quando dava pra ir. Tomávamos cerveja e você cantava todas as músicas que o universo te permitia cantar. Samba, rock’roll, tangos e boleros, sem ordem alguma, ou mesmo pudor, e tudo com a mesma paixão. A cerveja, a música, o clima que só um bom bar tem. A brisa do bar.
Às vezes tínhamos companhia, o Flavio, o Chico, o Bruno e o Lulu. Esses todos irmãos, todos sempre alegres e apaixonados pelo som da viola. Eu sem vergonha nem nada te pedia um “Ultimo Desejo”, mas que era sempre o primeiro, e depois pedia “Across the Universe”, sem a menor coerência. Na primeira música sempre cantávamos com paixão: “...e às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que o meu lar é um botequiiimmm!!!”
Cantávamos com tamanha ênfase nesse “botequim” que os mais desavisado deviam achar que de fato morávamos no botequim. Noel, Buarque, Beatles, Vinicius e Toquinho, The Doors, Cartola, e tinha sempre aquela música do Djavan que você não lembrava nunca, e o que eu achava uma pena. Era uma cantoria alegre e feliz, apesar de saber que estávamos ali, mais tristes e meio abandonados do que de fato felizes; sei que agora você anda mais feliz do que “naquele tempo”, mas eu, eu sinto meu “peito vazio”, sinto saudade de suas “cordas de aço”, que bem a tempo, sempre foram de nylon. Um violão, cerveja (mesmo que meio contada, ou talvez por isso), um carinho no ar, uma reunião, uma união, uma comunhão tal que, infelizmente só ocorria no bar. E foi assim que depois de 19, 20 anos eu comecei a conhecer meu pai. Sua incapacidade de terminar uma música, as suas manias, o copo sempre cheio (reclamando muito quando abaixava um dedo que fosse), sempre meio apressado, meio intranqüilo, querendo agradar às mesas simpáticas ao redor, e claramente desagradar a quem ali não gostasse do que fazia, falando alto, cantando alto, sem cobrar nada, uma grande figura. Foram nossos melhores momentos. A distancia nossa sempre foi encurtada pelo caminho da cerveja e do violão.

Monday, March 21, 2005

Atenção...atenção

TODA JUVENTUDE É INQUIETA. Somente dela é que se pode esperar o impulso, no sentido do melhor; jamais dos bolorentos e dos senis. E só a juventude a sadia e iluminada , aquela que olha para frente e não pra trás: NUNCA OS MOÇOS DECRÉPITOS , PREMATURAMENTE DOMESTICADOS PELAS SUPERTIÇÕES DO PASSADO. O que nestes, parece primavera , é tibieza outonal , ilusão de aurora que já é um amortecimento do crepúsculo. Só há juventude nos que trabalham com entusiasmo para o porvir ; por isso, nos caracteres excelentes pode persistir e sobrepujar a acumulação dos anos.
NADA SE DEVE ESPERAR DOS HOMENS QUE ENTRAM NA VIDA SEM SE ENTUSIASMAREM POR ALGUM IDEAL ; aos que nunca foram jovens , parece desvairado todo sonho. E não se nasce jovem : É preciso adquirir a juventude. E sem ideal não é possível adquiri-la.

JOSÉ INGENIEIROS

Semana

Rafa Prós
Uma dúvida me confunde nesse domingo de dor no joelho depois de praticar uma atividade que consiste em juntar 10 homens e manda-los correr atrás de uma bola, atividade que antes eu chamava de futebol, mas que no dia de hoje não ousaria tanto. São apenas 10 homens correndo atrás de uma bola. A dúvida é se esses pássaros que cantam nesse momento, cantam sempre, cantam todos os dias ou eles cantam apenas no domingo? Será que eles cantam na segunda-feira e acabo que eu não ouço, sempre muito preocupado em parecer sempre muito preocupado? Não sei a resposta. Mas acho que eles cantam todo os dias. Foi no pensar nessa questão que me convenci a erguer meu corpo contra a gravidade e tentar escrever. O joelho sempre doeu um pouco, mas pelo menos antes eu jogava futebol e não me somava a 9 homens atrás de uma bola. Hoje correr atrás da bola era a única regra existente, tanto que ninguém sabia muito o que fazer quando de posse da pequena.
Semana estranha. Uma segunda tão radiosa, tão cheia de decote e sorriso e depois esse definhamento gradual. Começo minha segunda indo de ônibus para a aula, e meu dia começa no decote daquela moça que deve ser meio feia (pois usava óculos escuros que tampava metade do seu rosto), mas que compensava com um artifício criminoso, a combinação perfeita para viagens de ônibus em plena segunda-feira: blusa decotada e marquinha de biquíni. Fica difícil o dia ser ruim com um início tão triunfante. O dia em plena alegria. Redescobri meu súbito prazer em andar de ônibus. E acabei me propondo a realizar essa tarefa com mais freqüência. Andei aceitando muito fácil, isso de andar de carro.
E a semana foi avançando sem dó de mim. A cada dia um novo problema, desses que não são bons. Problemas que mais me angustiam do que podem ser resolvidos. Vontade louca de ser pedreiro e construir uma casa. Pronto, acabou. A casa está em pé. Lembrei-me de sempre de viver o presente e não abusar absolutamente do futuro. Digo isso, pois na mesma segunda, ao ir para casa, andando distraidamente, ocorreu de parar mais um ônibus ao meu lado, a porta mecânica (ou seria mágica) se abrir e de lá aparecer uma dessas meninas que eu sempre olhei nos olhos e que nunca tive coragem de fazer muito mais. Uma dessas meninas que eu espero muito que venha a freqüentar minha casa fora dos horários civis. Eu a recebi nesse instante em que caminhava, e que seu ônibus parou ao meu lado, abrindo a porta (obrigado) da forma como recebia antigamente presentes no natal. Cheio de alegria e surpresa. Pensava muito nessa menina, pensava muito que talvez nunca mais a visse na vida. Havia descoberto que ela agora fazia pedagogia, o que eu achava lindo (ah...professoras...elas ainda têm tanto a me ensinar) e que continuava linda e existindo. Ela ia pra uma escolinha perto de minha casa então fomos caminhando juntos. Conversamos por 6 minutos e 43 segundos. Tempo suficiente para sobreviver mais uma semana. Como as meninas ralam tanto. Essa estuda de manhã uma coisa, trabalha a tarde e estuda outra coisa à noite. E eu pensando que ela devia se apaixonar por mim. Eu é que tenho que trabalhar mais, comer minha ração quieto e assistir televisão. Mas mamãe é muito boa pra mim e eu me permito ainda vadiar. Inclusive em pensamento.
Apesar de não ter esquecido da vontade de ser pedreiro. Eu esqueceria essa coisa de contingência e mandaria pro inferno, Nietzsche, Raul, Gonzaguinha e a Agnes Heller. Ficaria com o samba, a cerveja e o café. Acho que essa sempre foi minha grande vocação: a simplicidade. Sem demagogia. Seria um ótimo camponês, amaria muito satisfatoriamente a mulher feia e batalhadora que me fosse permitido amar, tomaria minha cachaça com mais resignação do que gosto. Seria um excelente chefe de família, mandão e carinhoso. Teria esse tato que me permite passar por bacana quando quero. Seria talvez prefeito, vereador com certeza. Faria cantoria lá em casa. Viveria uma vida de sossego, lembrando sempre de uma menina que havia visto há 40 anos atrás e achado a coisa mais linda que vi na vida, e pensaria nela até morrer, mas sem arrependimento. Pensaria dessa forma, que as pessoas que vivem porque as coisas são assim porque são, conseguem fazer. Os senhores filósofos existencialistas niilistas não haveriam de saber meu endereço e continuariam a não incomodar o mundo lá da França. Eu seria um sujeito simples formidável. Agora desse jeito não dá mesmo. Fico a vagar por aí sem saber se sou doido mesmo, ou se sou mais um neurótico culpado da existência sem graça da vida. Fico aí sem saber se sou mané fantasiado de malandro ou só mane mesmo. Fico puto com esse merda, normatizador, que acaba com as diferenças culturais da humanidade que é o corretor do “Word” que não me deixa nem escrever mane decentemente e acaba apagando, com a maior arrogância, o acento no “é” de mane.
É a semana não foi boa. E olha que ainda teve um samba na quinta. E olha que tinha até uma mulher que tocava pandeiro e olhava pra parede. E olha que aquela “coroa” que eu solitariamente acho a maior graça, me perguntou se eu era amigo do Lúcio. E eu disse que não, achando lindo que ela precisasse de um pretexto pra trocar (num primeiro momento) letras comigo, já preparando pra falar e aí ela me foi embora meio mal-humorada, com uma clara indisposição pra me permitir cantá-la.
É, essa semana foi osso. E quem é esse Lucio porra!

Saturday, March 19, 2005

Uma ode às mulheres maduras...

"Ela estava bonita, talvez mais bonita que antes, mais dona de sua beleza. Há adolescentes e até moças que parecem não ser donas de suas próprias pernas, ou cujo olhos parecem um acaso, ou são inconscientes de seus ombros. Nelas a beleza parece um acidente, a que são no fundo, estranhas; aconteceram-lhe aqueles ombros. Sabem apenas que são bonitas, mas não tomaram posse de si mesmas, são um fato demasiado recente e ainda instável, como um pássaro que se balança em um galho florido. Nessa mulher madura, a beleza está morando, a beleza não é um acidente fortuito, é sua maneira de ser."
Rubem Braga

Pessoas

Um jovem negro está parado. No peito um colete escrito Ouro Compro, mas não é ele quem compra o ouro. Nunca foram eles que compraram ouro. Esse jovem em pé me lembrou um senhor que vi quarteirões atrás vendendo arame. Os dois são não-humanos. O jovem negro tem a mesma função que uma placa, não se vê um João ou Antonio, mas sim que se compra ouro. O velho que vendia arame também não está presente, está ali uma massa corpórea que impede a passagem de outros seres humanos que estão cheios de coisas para fazer no bizarro centro da cidade grande, cidade grande qualquer, pois invariavelmente os centros das cidades grandes são semelhantes. O velho está ali a atrapalhar pessoas. Vejo isso, pois enquanto aquele senhor oferece seu arame aos que passam, ninguém pousa os olhos naqueles já resignados olhos meio-cerrados e diz algo como: “Não muito obrigado meu senhor, hoje não quero arames...” Todos que passam baixam o rosto e passam, nenhum contato visual. Contato visual que talvez seja a derradeira e final esperança de que um dia seremos uma comunidade, de que um dia seremos “irmãos”, pois é no olhar que encara um outro olhar que me faço presente. Quando não olhamos o jovem negro e o velho que vende arames, não dizemos a eles que eles existem, que eles podem vender arame e comprar ouro. Negamos suas existências. É no olhar que sabemos o quanto somos amados e quanto fomos traídos. Enganam-se os que pensam nas palavras. Palavras são trabalhadas demais. O que se diz no olhar é mais cru, sincero, do que a palavra, mesmo aquela que dizemos ser sinceras palavras.
Penso nisso nesse ônibus enquanto vou para casa. Enquanto a vida lá fora enlouquece dois homens de forma gradativa, porém fatal; enquanto o jovem persiste como placa e o velho como barreira física no centro da cidade; enquanto o mundo lá fora é grande e variado, duas meninas feias falam coisas de psicologia, falam de obsessivos, de compulsivos, falam de novos compêndios de psiquiatria; a vida lá fora enlouquece mais um e estas mocinhas ganham um novo “cliente”, fecha-se o ciclo. Uma viagem de ônibus pode ser uma experiência fantástica, mas só quando se está de olhos abertos. “Viver é fácil com os olhos fechados”. Enquanto a vida produz malucos aos montes as faculdades de psicologia estarão sempre cheias, produzindo psicólogos, na mesma proporção. Lei da oferta e da procura.
As meninas estão falando. O trocador também conversa com o motorista. Eu não encontro ninguém para trocar palavras, para trocar sorrisos então fico vendo a vida lá fora. O centro da cidade. Talvez nada me provoca mais arrepios do que esse lugar. As pessoas correm, trombam, vendem ouro, arame, as pessoas vendem seu sexo, o sexo das esposas, vendem o que possuem de belo na vida. As pessoas pagam contas, fogem dos ladrões, e estes fogem da policia. A movimentação do humano, a concentração de pessoas que apesar de juntas estão sempre separadas, sempre distantes. Pessoas que não olham os velhinhos que vendem arame. Não percebem ser o velhinho uma pessoa. Esse centro no qual todos são contra todos, o lugar do desrespeito, do transito sempre caótico e ferindo nossa fama de racionalistas. Contrário a todas as lógicas. Nesse centro onde passa um senhor cambaleando, um senhor que cairá quadras a frente, sem que ninguém o segure, cairá com o rosto virado pro concreto, cairá e se tiver sorte não mais levantará. Eu não estarei lá para lhe ajudar. Esse senhor que quando morrer na rua será notado, mais pelo cheiro fétido, mais pelo caráter biológico da decomposição de sua massa física, do que pelo ser que se foi, do que pelo primeiro beijo que roubou daquela moça que ele nem mais lembra o nome. Um incômodo, é isso que viram as lembranças.
Ao viver nesse presente, no centro dessa cidade lembro-me sempre de buscar minha cidade pequena. Lembro sempre de que onde se reúnem 2 milhões de pessoas faltará sempre alegria, luz, sorrisos, carinho. É isso que são metrópoles, lugares tristes. Lembro do que quero para minha vida. Lembro desse centro, dessas pessoas que se esbarram como se fossem paredes. Lembro que em cidades grandes há sempre muitas pessoas. A pessoa é única, o coletivo ao invés de potencializar virtudes potencializa os defeitos. Quero uma cidade pequena, uma cidade pelo qual eu chame o padeiro pelo nome, uma cidade que eu saiba de quem cobrar pelo barulho na minha rua, uma cidade sem não-pessoas, na qual eu sempre veja atrás de dois olhos um alguém, e que sempre me vejam assim, com a lentidão, necessária e fundamental das pequenas cidades. Que me chamem de romântico, ingênuo o que for.

Sunday, March 13, 2005

Menina do Rio

Nesse ano-novo eu fui ao Rio de Janeiro. Já havia ido há uns 7 anos atrás, quando na verdade ainda não me considerava uma pessoa. Agora aos 21 anos eu me considero uma pessoa, sórdida é bem verdade, mas ainda uma pessoa e voltei à cidade maravilhosa. Ainda mais maravilhosa se você for bad boy e muito marrento, afinal o Rio é a capital oficial da marra. Se você não sabe o que vem a ser uma pessoa marrenta, tá na hora de desligar a vitrola ir pro seu jogo de bingo.
A cidade é realmente linda e blá, blá, blá...Mas outras coisas me chamaram atenção nessa cidade. O que mais me espantou é que os cariocas não puxam o freio de mão quando param o carro. Isso porque aí se o neguinho tiver que parar atrás de você (o carro), ele vai encostando e empurrando o seu (carro) até caber o dele (carro). Isso faz com que caibam mais carros nas ruas , que afinal são quase todas planas. É claro que não deve ser muito agradável alguém dando tótós na sua traseira (digo na do carro). Isso tudo me leva a crer que no Rio as traseiras são públicas. Ou seja, cuidado com sua traseira ao chegar para tomar sol em Copacabana. O carro fica soltinho, sem freio de mão e nem engrenado, sendo que se na rua da praia você engrenar o carro corre o risco de apedrejarem o mesmo.
No rio não se conhece o significado da palavra “arreda aì...”, do verbo arredar (eu arredo,tu arredas...). É estranho que o carioca não conheça essa palavra, já que até o mala do corretor ortográfico do Word, essa anta estrangeira, conhece essa palavra (visto que não apareceu o grifo vermelho que aparece embaycho de palavras escritas erroniamente).
Se você tem vontade de participar de uma corrida de carros de verdade, não precisa pagar o mico do Barrichelo, basta ir para o Rio e dar uma volta na cidade. Deve haver multas por andar a menos de 80 Km/h e furar sinal é uma mania de todo carioca, assim como falar engraçado e bater palma pro pôr-do-sol. Infelizmente eu não vi ninguém bater palma pro sol indo embora, acho que nem Sandy e Junior em um especial da Xuxa pode ser tão medíocre. Agora falarei do que realmente importa na cidade do Rio, a carioca...
A mulher carioca é gostosa por definição. Mais gostosa do que as mineirinhas porque lá tem maresia, logo a mulher carioca já é temperada antes de ir para a mesa (ou cama, chão). A carioca tem aquele salzinho no corpo, a carne é salgada com antecedência, logo ela é mais gostosa que as outras. Outro aspecto que chama a atenção na gostosura dessas moças, se refere ao fato delas exibirem uma marquinha de biquíni, contínua e eterna. Alguém que se coloque a imaginar o paraíso total, não poderia deixar de lembrar da marquinha de biquíni eterna. Essa marquinha misturada com o suor de maresia, torna a mulher carioca mais gostosa, fogosa, realmente caliente. No mais a carioca faz mais exercício que a mineira, logo apresenta carne mais durinha, pernas mais torneadas, sendo que para aqueles que vêem nas meninas, lindos pedaços de carne, justifica-se a preposição a “a carioca: a mulher mais gostosa”. Eu, no entanto veja nas mulheres mais do que pedaços de carne. Não que elas não sejam carne, da mais alta qualidade , mas elas são mais do que isso.
Falta à mulher carioca o olhar inteligente, a astúcia, a sensibilidade. A carioca tem um olha parado, próximo demais da realidade, patético, deve ser de ouvir muito funk, algo acaba se corroendo. A carioca tem um olhar de sexo, interessante, mas vil, muito alegre, superficial. Deviam ter aula de olhares com as mineiras, que talvez pela angustia de não irem à praia todo dia, de não terem marquinhas lindas de biquíni o ano inteiro, possuem um olhar triste, profundo, penetrante. Um olhar que me diz de sua percepção de mundo, uma percepção de quem não se vê como carne de açougue. Uma carne sim, mas uma que não vai pro abate tão facilmente, uma carne que se faz necessários um maior tempo de cozimento. Uma carne que é lentamente temperada, já que não é salgada naturalmente. O sal natural é bom, mas não pega tanto quanto o sal que possuem certas mulheres, certas mulheres que lêem mais do que tomam sol, ouvem mais musicas do que malham na academia. Essas moças que não moram na praia não possuem uma marca de biquíni contínua, mas algumas possuem o dom da fala contínua. Sendo que enquanto a preparamos para o abate, ela conversa conosco e sua carne se torna cada vez mais saborosa, a cada palavra, a cada sorriso.

Thursday, March 10, 2005

Míope

Eu sou míope. Apesar disso, tenho dois olhos, que ficam mais abertos que fechados. Queria que eles se fechassem mais, e que na escuridão eu agarrasse com paixão os braços que me fossem dados. No medo de ficar só e no escuro, permaneceria agarrado a quem quer que fosse, talvez a vida. Mas se meus olhos ficam abertos, de que adianta desejar olhos fechados. Se bastasse estarem abertos, mas eles ainda ficam a olhar pros lados. Ficam a prestar atenção em tudo. Ó olho carente de estímulo. Retina que não quer se acostumar com uma única forma. Fico assim olhando pro lado, e nesse olhar pro lado sinto que não vejo o que está à frente de mim. Procuro estímulos mais fortes, sempre mais estímulos. E nisso de ficar procurando, nada faço enquanto não encontrar. Mas e se o encontro com a cor, já trás a idéia de que é possível que atrás daquela parede exista outro estímulo ainda mais colorido, e isso acaba por me fazer perceber que eu devo parar de hierarquizar estímulos pela dilatação da pupila, e buscar aqueles próximos a meus braços. Uma hierarquia geográfica. E não mais por tempo de duração do olhar, pelo brilho ou o delta de batimentos cardíacos. Por isso é bom ser eu míope, pelo menos limita a distancia do que meus olhos podem ver.

Por que sou assim, míope, de olhos abertos e com olhar vazante pro lado eu não sei. Meu primo vai um dia provar que esse seu primo é assim, pois há uma deformação no gene 18, versículo 9-12. Uma mulher simples vai dizer que isso é coisa de virginiano e provavelmente vai querer que eu consulte o seu astrólogo preferido. Penso que às vezes foi mamãe que me mostrou muita vida ao redor. Dizia ela, em uma praça, que havia passarinhos, árvores, doces, papagaios, e que o mundo era bonito e colorido, continuaria ela a falar. E eu devo ter ficado maravilhado com tanto estimulo, sentado em um carrinho de bebê, quieto, olhando pro lado, gozando desses pequenos prazeres. Às vezes foi papai, pois definitivamente não se é filho do Bacelar impunemente.
Queria eu talvez ser diferente e proporcionar a você, linda menina, toda a minha atenção e amor, mas se agora mesmo que estou a escrever isso, o que acho de extrema importância para a minha vida, não consigo ficar quieto, e me fui logo a esquentar um café que possivelmente me deixará ainda mais inquieto e agitado. Inquietação e agitação sim, mas dentro da calmaria que é minha existência. A minha existência para mim é calma, tediosa e coerente, é só na hora de sair da minha mente que ela, se torna para vocês outras, uma incoerência. Fonte de angustia. Penso que com essa característica vim à vida fazer sofrer, mas que seja sofrer de vida, e não de tédio e não posso me privar de fazer pessoas sofrerem, não posso levar uma vida medíocre e higiênica. Vida a qual acostumava meu corpo. Não posso querer ver em um estimulo mais luminosidade do que a que marca minha retina, e que dilata ou não minha pupila. Não posso apressar a vida. Não posso querer ser outro, até porque fui eu minha vida toda e de alguma forma, se não amo nada, é muito porque muito me amo. Espero um estímulo maior que minha solidão. Espero encontrar uma mulher que ao meu lado me faça esquecer de mim. Cansei de gostar de mim. Quero alguém para olhar fixamente nos olhos, não por preguiça, nem acomodação visual, nem mesmo porque não há estímulos, mas sim porque no meio da claridade, em um dia lindo e florido de primavera, não só um sol brilha, mas dois, um lá e outro cá e esse daqui não me permite virar o rosto, que a beleza dessa mulher seja o meu torcicolo, deixando meu pescoço duro, paralisado, incapaz de deixar de vê-la. Não porque assim querem todos, não porque devemos nos apaixonar obrigatoriamente, não porque assim mandam os bons costumes, mas sim porque na visão de seus olhos eu contemplasse toda a dimensão da vida, todo sentimento e toda a dor.

Monday, March 07, 2005

Uma Mulher Chamada Guitarra

Vinicius de Moraes

UM DIA, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era "a música em forma de mulher". A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam um mot d'esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.

0 violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina — viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo — o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada, mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres-contrabaixo.

Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar, preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em benefício de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.

Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim), se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se a suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Oistrakh ou um violoncelo nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer "passado na cara" por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-Fome, da Favela do Esqueleto.

Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até na maneira de ser tocado — contra o peito — lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.

Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seus tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei; um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.

Sunday, March 06, 2005

O previsivel

Hoje dia 15 de maio, de um ano qualquer de minha vida. Acordei como sempre acordo, com frio e preguiça, mais frio. Fui praquela aula modorrenta de algo que eu sei não ser psicologia social.
Fui com uma amiga minha de carona, uma pessoa que eu gosto muito, não sei direito porque, acho que tem a ver com o fato de ser uma pessoa, que eu tenho prazer e certa vontade em ouvir que diga as palavras. Ela não é nem a mais inteligente, nem a mais engraçada, tem ,em certa medida, ambos , mas apresenta uma característica que a difere de 95% das pessoas do mundo, vez ou outra diz algo que vale a pena viver uma vida para ouvir.
E dela ouvi as palavras, que me foram ditas em outra ocasião, por uma outra pessoa para a qual uma vezes eu disse “eu te amo”, sem muita certeza. Ela me disse, sem aviso prévio, as palavras : “...a coisa que você deve odiar mais, é que te falem que você é igual a todo mundo...” e “por tentar ser diferente você é o mais previsível”. Veio-me um sentimento de “sufoco”, misto com o de passividade, e a grande pergunta , “por que?”.
Meu dia passou na lembrança do “você é previsível”, é claro que sou, eu , brasileiro, heterosexual, bebedor de cerveja consto em todas as estatísticas como o brasileiro mais típico de todos.
Outra moça me chamou de alternativo; prefiro o previsível. Porque a necessidade de transformarmos todos em grandes garrafas de guaraná com seus rótulos estampados em suas caras e roupas. Uns dias depois uma moça, de nome Mariela, me disse que se eu sou alternativo, é porque eu tenho alternativa, capacidade de escolha. Gostei dessa definição, assim como dessa menina. Bem, que me chamem de alternativo então.
Danço com amigas, e rodo no salão, algumas voltas, muitas lamentações, me passa uma loura sem nome e a chamo pra dança. Ela, com certa lentidão, vem e dança comigo, sinto o cheiro de um perfume que não reconheço, e um olhar estranho, antecipo na mente um carinho. Os olhares se cruzam, vejo-me a sentir por antecipação o gosto de seu beijo...mas ...ela vai e beija outro, sem me avisar, sem me ouvir, e eu ...eu volto pra casa com aquela velha frase “você é previsível” ecoando. Sou demais... Por isso volto pra casa. A felicidade... essa é ainda mais previsível, e mais uma vez não me contempla com sua presença.
Mas essa previsível e triste solidão é, na verdade minha companheira , são esses dias de lenta calmaria, que fazem acontecer as tempestades que vez ou outra tremem meu navio. Se chovesse todo dia não iria reparar na tempestade. A vida se faz por comparação, relação como diria um velho físico com olhar de louco. Essa tristeza que agora me acompanha me fará um dia próximo feliz , muito feliz, mais feliz que esses que tomam champanhe todo dia, pois eu... eu só tomo champanhe no ano novo.

Saturday, March 05, 2005

De Lavoisier a Noel Rosa, quebrando a esquerda em Braga e passando por Freud.

Rafael Prosdocimi

Há algum tempo discutia e comparava as qualidades de escrita de Luis Fernando Veríssimo e de Rubem Braga. Debatia com meu primo e eu defendia que ao caro Veríssimo faltava lastro, faltava dor, faltava melancolia, ingrediente indispensável para um bom cronista. Achava que Veríssimo dominava como poucos a técnica de escrever crônicas, mas que tinha algo de insosso em seus escritos. O Chico achava que falar mal do Veríssimo era sinal de burrice. Na verdade já não sei de nada. Andei lendo coisas lindas de Luis Fernando Veríssimo. O fato é que ele não consegue me colocar em ondas gama como o Braga. Experiências culminantes, nirvana. Coisas assim. Gostei de dizer que em alguns escritores falta lastro, falta peso, densidade. Como nesse que escreve aqui. Falta-me dor, falta algo diferente de tédio.
Noel Rosa morreu. Eu quase chorei. Não sei muito porque quase chorei. Isso ocorreu há 70 anos, mas sempre me fascinou esse sujeito substantivamente feio, que morreu aos 26 anos que pegava muitas senhoritas e que permanecerá eternamente como um nome forte, musical, eterno. Noel Rosa. Mais que um nome, uma entidade. Esses dois nomes juntos soam estranhamente naturais. As quatro letras de cada nome, o improvável sobrenome Rosa, não sei, algo nesse nome sempre me agradou, me mostrou um mistério, um caminho. Já admirava algumas de suas músicas à medida que às conhecia. Mais recentemente, apaixonei-me por Ultimo Desejo e Pra Que Mentir?. Duas músicas que paravam no ar. Pesavam, incomodavam. Hoje ao terminar de ler a biografia do cara, entendi o porquê. Muito chumbo, muito peso envolto nessas canções. Na natureza nada se cria, tudo se transforma. Acho que é isso que diz Lavoisier. O profundo sentimento que algumas músicas me causam, o arrebatamento, a produção de ondas gama em minha mente não podem ser criados do nada. Nada se cria. É impossível criar sentimento. Foi ao ler a biografia de Noel que compreendi o tanto de penar, sofrimento nessa vida.
Essas duas músicas foram compostas pouco antes do poeta morrer. Foram compostas ambas, para a mesma mulher. Um grande amor do compositor. O que eu, na força dessas duas músicas, tomaria a liberdade de dizer seu maior amor. Um amor que se separa dele, um amor que já tem outro. Um sujeito que vai morrer, que perde a mulher amada, ou deixa perder, tanto faz. Um sujeito que tem um pai que se mata recentemente. Quer teve na mãe desse seu pai outra suicida, e também no pai dessa avó. Um sujeito que pergunta a um médico amigo se suicidar seria algo hereditário. Que mais do que o medo de morrer tem o medo de existir sem viver, e que morre aos 26 anos de tuberculose, sem abandonar a boemia. Isso eu chamaria de lastro. O peso da vida. O peso da morte. O peso da lágrima, do gozo. Não tem como medir. E é a música desse sujeito fruto disso tudo. É ela que me deixa meio bobo. “Nosso amor que eu não esqueço/ e que teve seu começo/ numa festa de São João/ morre hoje sem foguete/ sem retrato, sem bilhete/ sem luar e sem violão”.
Bem será o tal lastro o peso da qualidade do poeta? Não sei, diria Vinicius que o poeta só é grande se sofrer. Não há como medir o lastro. Até porque o lastro é subjetivo. É no meu ser que essas duas músicas mexeram. Passaria rapidamente em Freud, com seu conceito de sublimação. A capacidade de dirigir a libido para a produção artística. A capacidade de viver na dor, e a partir dela extrair algo objetivo. Músicos, escritores, artistas. Sofredores natos. Não confiaria em um escritor feliz. É preciso lastro pra entrar em minha mente.
A objetivação de um estado subjetivo de dor. A produção de som e palavra, intrinsecamente ligada ao estado do corpo, ao estado da vida. A beleza na vida não pode ser criada do nada. Acho que é por isso que nunca serei mais do que agradável, técnico, medianamente bonito. No máximo. Falta peso.

Wednesday, March 02, 2005

Fábula de uma menina linda.

Um rapaz vivia a sonhar com sua menina linda. Ele passava seus dias a suspirar por aquela, passava sua existência a lembrar de seus sorrisos, sua boca, seu bom-humor, uma pinta que a menina linda tinha na lateral de um dos ombros, o ombro direito, por sinal. O rapaz lembrava com orgulho e tristeza do beijo que dera no ombro da menina linda, um beijo sutil, singelo, um preparo para algo grande que havia de vir em seguida e não veio. Mas o rapaz sempre pensaria que viria o dia em que retomaria o beijo naquele ombro, para a partir dali passar para, digamos, partes mais ricas em material protéico.
O rapaz um dia percebeu que sua existência perderia muito do sentido, se dissessem a ele que nunca haveria de ver a menina linda deitada em sua cama, que nunca mais terminaria aquilo que começou, que não veria mais daqueles sorrisos gratuitos. O rapaz pensou nisso com certa tristeza, mas sabia que eram inverdades, haveriam de se amar e nada poderia impedi-los. Foi aí que algo mágico aconteceu. Deus apareceu ao nosso estimado rapaz.
-Deus???
-Sim, meu filho, eu mesmo, não reconhece, a barba, a roupa branca e voz que soam como mil trombetas.
-Sim, reconheço, meu Senhor, disse sem acreditar no que via. Todos os dias eu rezo para o Senhor, e cá o Senhor está.
-Sim meu filho, mas o que venho fazer é muito importante. Aquela menina linda pela qual você anda apaixonado nunca será sua. Você deve parar de pensar nela, agora. Eu vi seu futuro e nele, ela não está. Pensar nela te causa muito sofrimento, você deve parar de pensar na menina linda.
O rapaz triste, cabisbaixo, pensou um pouco e disse àquele senhor.
-Pois é Deus, mas eu sempre fui Ateu...
E continuou a sonhar por sua menina linda.

MORAL: ACREDITAMOS NAQUILO QUE NOS FAZ SENTIR VIVOS.