Wednesday, April 27, 2005

O dia depois de sábado

Domingo. Acho que nenhuma outra palavra descreve tão bem algo, em toda sua plenitude como esta. Quando se pensa no domingo, se pensa em nada de interessante para fazer. Domingo é aquele dia que até o sol demora mais um pouco para surgir, e quando surge ate economiza sua energia , para dar aquela relaxada. A manhã começou exatamente assim. Acordo sem fome, e com sede. Demoro 10 segundo para lembrar para onde tinha saído na noite anterior.
Decido ir ao meu clube que fica a uns 30 minutos a pé de casa. Vou andando , tentando “curtir” o dia. Meu humor também não é dos melhores. Na verdade nesse dia eu tava no fundo do poço e com a pá na mão. Pego um livro em casa. Um guia que te ensina a ser assaltado com classe e sem ficar nervoso. Um desses livros engraçados, nos quais você não precisa pensar em nada, é só ler e rir, igual aos seriados de comedia americanos. Afinal, no domingo o único órgão do corpo que trabalha é o estomago.
Fui pro clube com esse livro. Vou andando. Olho pro céu e espero que chova, para que alguma coisa acontecesse naquele dia. Acho que se eu pegasse chuva no caminho de volta, seria emocionante e eu teria algo para contar aos meus netos... “então eu voltei do clube naquele domingo e tomei chuva...” algo do gênero.
Chegando lá sento em uma cadeira qualquer. Depois dou uma outra olhada e acho uma mesa perto da piscina. Reparo que do meu lado estão sentados um casal com sua filha de uns 17,18 anos. Não vejo nada demais nela. A verdade é que eu estava muito puto pra perceber qualquer coisa naquele momento, e só mais tarde percebo que a menina é um exemplar único e lindo da engenharia...genética.
Parece que é nesse momento que o meu despertador toca e é ai que eu acordo. Passam-se 40 minutos e o pessoal da mesa ao lado começa a arrumar as coisas para ir embora. Já vou me recolhendo à minha insignificância naquele modorrento domingo, quando reparo melhor e uma frase pula de minha cabeça : “a filha não vai embora...”
É o tipo de situação na qual não há escolha, não tem o que pensar. Domingo, nada pra fazer, a maior gata do meu lado, tenho que aproximar. Agora vejo que ela é do tipo de gata que vai ao clube ler. Há algumas Vejas com suas capas sobre a suposta guerra no Iraque ao seu lado. Percebo nesse instante soberbo como me cansei de minha alienação frente aos problemas que assolam o mundo, e volto a me interessar pelos preços dos mísseis “Tomahawk” americanos, e de como o mundo inteiro se volta pela paz. Nesse surto de sede de conhecimento peço, sem nenhum interesse em anexo, a outra Veja para a garota. Começo a ler a revista com o maior dos interesses... pela menina. Meus olhos fitam aquele espetáculo da natureza completo e total , tipo um pôr-do-sol, algo assim.
Passa um tempo e vou devolver a revista. Nesse momento me vejo em uma final de copa do mundo, na decisão por pênaltis, indo bater o ultimo, naquele momento que você só pensa assim... igual diria o Elvis “It’s now or never”. Peço permissão pra sentar ao seu lado, ela, com um sorriso cortês, fala que não tem problema. Sento e logo puxo conversa. Gostaria que Einstein estivesse presente nesse momento. Toda a comprovação de sua teoria relativística na conversa de um homem com uma mulher ao lado de uma piscina. Como assim se passaram duas horas...
Tirando aquela hesitação inicial parecia que conhecia aquela menina há muito tempo. Conversamos sobre vestibular, pais, irmãos, dança da salão, musica trance e Espiritismo. Parece que sempre a conheci. Passam-se duas horas, e para quem queria uma chuva pra alegrar o dia me vem logo uma tempestade de alegria,vida e descontração. Sem o compromisso idiota das noites, de ter que beija-la naquela hora (o que não seria ruim), e sem a responsabilidade de ter que tornar a conversa interessante( ela era por si só), tudo acontecia de forma natural. E foi assim, de forma natural que ela resolveu ir embora e ainda me disse de forma enigmática : “A gente se encontra por ai...”. Deixo-a ir, afinal descubro que ela amiga de uma vizinha minha, e de forma alguma essa me escapa, assim como de forma alguma poderia esperar sentado pelo próximo encontro. O acaso não me seria condescendente mais uma vez; não se encontra alguém assim todo domingo, pode ter certeza.

Wednesday, April 06, 2005

Matrix

Rafael Prosdocimi

Matrix não é um filme simplesmente, matriz representa uma possibilidade, a pílula... vermelha... ou azul? O filme nos diz sobre nossas vidas , uma pergunta sufocante, instigante nos rodeia dentro do cinema. Qual o sentido de minha vida? Não o sentido que os budistas ou os ascetas buscam, mas o sentido do que fazemos, em que levantar cedo, tomar café, pegar um ônibus fedorento e ir trabalhar todo dia me auxilia a ser uma pessoa mais feliz. Porque viver uma vidinha miserável, depois comprar um livro de auto-ajuda e se filiar a alguma igreja evangélica, não faz muito sentido, porque buscamos explicações estúpidas para explicar nossas vidas, quando a resposta está sempre do seu lado, quando o problema não é a falta de sorte, ou o presidente da vez, mas sim algo maior, algo que funda nossas vidas. Assim é matrix, um questionamento do que se chama “Realidade”. O filme é um retrato de uma vida sem sentido como muitas por aí.
Matrix mostra que a realidade não é tão real assim, que as coisas não são o que parecem. O filme é antes de tudo uma obra, já clássica , espetacular, sombria , brilhante, que se traveste de pop, que usa e abusa de maquiagem, igual umas moças por ai que podem brilhar sem usar um pingo de cosméticos , mas insistem em se arrumar toda. O que diferencia Matrix de um filme ficção cientifica é o mesmo que difere o olhar de uma linda, e charmosa, mulher do olhar de uma baranga em roupas novas. Mas Matrix resolveu se vestir bem,afinal tem gente que não percebe o charme, nem o olhar de certas mulheres, mas sim as formas, as jóias. Nesse sentido Matrix é uma puta, matrix quer dinheiro, Matrix quer antes de tudo aparecer, é uma Patrícia Poeta, uma senhorita que quer alguém que a banque. Não muito diferente de muitas moças por aí. Há muitos filmes que fazem isso, colocam uma roupa chique e saem a desfilar, a senhora Titanic é um exemplo , por baixo não há, no entanto, aquele olhar.
O rótulo de ficção cientifica tem apenas uma função , impedir toda e qualquer reflexão sobre uma relação entre um filme e nossa vida. Sendo assim Matrix está naquela prateleira junto com “Gremlins” e “Homens de Preto” (nada contra esses filmes), mas Matrix é muito mais que isso. Matrix é muito mais que ficção cientifica , assim como Pele é mais do que um jogador de futebol. Esse filme deveria ser visto nas escolas , nas aulas de sociologia, nas empresas, é um filme que tem como base de apoio, não os efeitos vertiginosos, mas sim a historia, a quebra de mundo, a possibilidade de uma nova historia, a inverossimilhança da vida, a surrealidade de certas coisas que passamos. Lembro quando saí do cinema, e meus amigos ficavam zombando do filme, tentando andar pelas paredes do shopping, e aí eu percebi que eles não tinham entendido nada. Não há possibilidade de dialogo entre quem sai desse filme assim, quem acha sem sentido realmente não entendeu nada. A metáfora é bastante clara ao meu ver. Meu amigo... há algo errado com o mundo.
Um filme é antes de tudo uma realização humana, às vezes um sonho, às vezes um simples girador de capital, em algumas vezes uma obra de arte, Matrix é isso tudo , uma arte e um artifício feito para deixar umas 300 pessoas muito ricas. Se você é desses que acha que cinema é algo feito para te ajudar a beijar mulheres, já que no escuro é muito mais fácil pegar na mão e dar um beijo na boca, se você vai ver um filme para tirar o pezinho da lama, desculpe por tê-lo feito perder tempo, pare agora de ler, pois para você, nada do que digo faz muito sentido. O filme é antes aquela sagrada oportunidade de resignificar sua vida, de se questionar, de pensar o que outrora não foi pensado, então você que não acha isso, tudo bem, mas se questione sobre quanto você paga ao seu analista, e para quê você o paga ?
Matrix mostra na cara o que é nossa vida , uma constante repetição de símbolos e lógicas que na verdade não fazem muito sentido, símbolos que são mantidos por tradição, matrix representa um mundo que não existe, que existe na nossa cabeça, ou seja, a vida que importa ta lá fora, não há sentido viver preso a algo que não faz a menor importância.

Tuesday, April 05, 2005

AmarEla?

Rafael Prosdocimi

Engraçado como a vida coloca detalhes no tempo certo e na hora certa, detalhes que de certa forma preenchem de sentido o vazio.
Saí de casa a deixar meus pés me levarem por caminhos que eles conheciam de 15 anos atrás. Caminhos aos quais eu não confiaria à minha memória, mas que os pés quando deixados livres, sempre se lembram. Foi assim que peguei aquela trilha praquele parque de um sol mais amarelo num dia qualquer em 1989 ou 1990. Os dias nesses anos atrás nunca fizeram muita questão de ter nomes. Tanto fazia ser 23, 2, 30, março, junho, fevereiro. No caminho para a praça havia uma outra pracinha, que de fato só servia para os ônibus fazerem a curva, e que possuía um 4 gigante cravado em seu centro. Uma praça vazia, uma praça solitária. Não me lembrava por quais caminhos chegar até ela, como dizia deixava aos meus pés essa tarefa, já que minha mente se torturava em pensamentos tristes sobre minha pobre pessoa. Lembrava Dela e de como havia sido egoísta no trato de sua dor. Dor que eu nunca quisera minha, e que não percebia a necessidade que ela tinha de dividir. Eu lembrava de como a tratava com arrogância, querendo-a do lado distante em algumas vezes para depois suplicar por sua presença sobre minha massa física.
Fui andando meio sem saber se chegaria à praça, não criativamente chamada, praça 4. E foi com um sentimento de sim, as coisas tem sentido, que a vi a um quarteirão de meus olhos. Tentei chorar um pouco, o que não fazia desde muito tempo, resultando essas tentativas em patéticos olhos marejados, que não encontravam força na dor sequer para jogar uma lágrima rosto abaixo. Mais uma vez os olhos encheram d’água, água que cismava na luta contra a gravidade. Olhei pra praça e fui andando agora livre dos tormentos de minha mente, e foi aí que o momento mágico aconteceu...Passou um carro antigo, luxuoso, conservado, um senhor dirigia calmamente, como se não fosse a lugar nenhum, e quando o carro passou vi a sua placa...ela era amarela! Para aqueles que não entenderam a exclamação da última frase, lembro que as placas nem sempre foram cinzas com 3 letras e 4 números. Num passado recente, mas não tão recente, pois provoca dor, as placa eram amarelas e tinham 2 letras apenas. Já faz uns 6 anos que as placas são cinzas. O que não deixa de ser bonito e melancólico: as placas mudarem de amarelas pra cinzas. Foi essa placa do passado que vi, no momento que caminhava praquela praça também removida do tempo. Juntas, a placa e a praça, e eu me vi perto de um Brasil perdendo pra Argentina num gol de Caniggia. A placa foi o detalhe que mudou o quadro. Agora, nesse momento, acho que aquele senhor que dirigia o carro, em sua casa, pensava: “Já são 12:55 tenho que ir andando pra colocar essa maldita placa amarela na visão daquele menino besta, metido a triste...” Obrigado pela gentileza. São esses detalhes que dão gosto às coisas, são esses carros antigos com placas antigas, que colorem um dia triste, são esses momentos colocados nos nossos olhos num tempo mínimo que fazem a crença de que algo vai bem pelo menos.
Em outro dia de surpresa procurava Ela em um show no qual a sabia acompanhada fisicamente de outro. Sabia dela nos braços de um sujeito, e a curiosidade, ou a doença de ser homem, que é uma doença obviamente, levaram-me a procura-la no meio da multidão. Havia talvez 10 mil pessoas no lugar. Havia 3 mil casais talvez. E foi quando passei na sua frente (ela em uma blusa linda e amarela) que vi o sujeito quase a beija-la. Foi na hora que passei, distraidamente, que vi essa cena tão profundamente amarga, que é a cena da nossa moça nos braços de um outro, um outro que claramente a segura mal, que a segura como quem agarra um vaso. Ela se preparava pro beijo, fechava os olhos lentamente, abaixava um pouco o corpo (sim, ele não só era mais baixo que eu, mas era mais do que ela) e curvava o rosto pra esquerda...Foi na curva do rosto pra esquerda que eu passei e vi essa cena nesse momento tão único e tão especial (pra eles), e senti uma dor nunca sentida. Na hora vi que aquilo era algo. Tentei esquecer dela, que estava uma semana atrás, na minha cama, chorando baixo numa última noite (isso só soube tempos depois) de carinho e de encostar a pele uma na outra. Uma noite que a olhei dormir. Olhei para que nem maus sonhos se aproximassem Dela. São desses detalhes que me lembro ao ter que dormir todos os dias. Um me afoga em melancolia por perceber que já tenho um tempo passado de dor (o que deve soar patético e demagógico), e outro me lembra muito de minha solidão incapaz de dar a mão. E tudo me lembra essa cor amarela.

Sunday, April 03, 2005

Onde estará o meu amor?

Rafael Prosdocimi


Essa semana vi o filme Antes do Pôr-do-sol que consiste, basicamente, na conversa entre um homem e uma mulher que conseguem manter a tensão sexual durante toda a história. Uma conversa estupidamente gostosa, uma mascação deliciosa dessas que a gente lê mais do que faz. Os dois tem 32 anos e se reencontram depois de apenas um dia de conversa e amor em Viena, 9 anos atrás (e eu tentando, em vão, me apaixonar em Belo Horizonte, deveria tentar o velho continente). Eles haviam combinado de se encontrar seis meses depois desse primeiro encontro (ele americano e ela francesa- como, aliás acho que toda mulher deveria ser), mas ela não vai ao encontro. Cada um leva a sua vida do jeito que dá, e 9 anos depois eles se reencontram. Ele estava em Paris autografando e lançando um livro que havia escrito sobre essa única noite na presença da francesinha quando ela aparece. Os dois saem por Paris para conversar. Essa conversa além de excitante, gostosa, linda me lembra muito algumas “conversas” que tive por aí.
Não gastaria mais meu tempo fazendo resenha desse filme, mas de fato há um momento no qual a francesa diz que todo o amor, que ela tinha na vida, ficou naquele encontro que os dois tiveram há 9 anos. O homem por sua vez diz que o amor que ele tinha ficou em Viena (lugar combinado para o reencontro 6 meses depois do primeiro encontro, mas no qual a moça não aparece). Perdemos nosso amor todos os dias e aprendemos, e bem, a viver sem ele. Os dois tiveram seus parceiros depois de tudo o que aconteceu entre eles, mas de alguma forma o “não-ocorrido” preenchia suas vidas, de uma forma dolorosa e constante. A idéia de que aquele encontro foi algo maior para os dois não saía da mente de ambos. Ele estava fazendo sucesso por escrever um livro que retratava aquele encontro.
A vida dos dois só não era mais vazia, pois permanecia o espaço do “talvez, se as coisas tivessem sido diferentes...”. Ele casado com um filho e sem amor, e ela livre, com um namorado ausente, desgarrada pra que essa tal felicidade não atrapalhasse muito sua vida. Acho que são os dois caminhos dos mais óbvios de tomar, quando perdemos o amor. Um: casar com uma pessoa que não seja de toda desagradável e que permita a sobrevivência, que tenha o mínimo necessário para gerar e desenvolver um outro ser; o outro caminho: se relacionar levianamente com qualquer pessoa e concentrar toda a energia no trabalho. Mantém-se ai um amor forte por si-mesmo (matéria essa na qual eu sou um primor). Os dois perderam em sua vida essa vontade louca de se perder no outro. O desencanto marca de vez uma possibilidade que nunca mais ocorrerá. Nunca mais se amará quando assim se decidir. E é sempre mais fácil.
Se esse filme fosse uma aula, ou uma fábula, concluiria eu que devo muito saber onde perdi o meu amor (o que eu sei) e tratar de fazer algo para acha-lo (o que é mais difícil). Se alguém fizesse, construísse uma religião dos Caçadores do Amor Perdido acho que se faria um bem à humanidade superior ao que toda e qualquer religião fez nos últimos 5000 anos. Mas pode ter certeza que eu não me inscreveria.