Tuesday, June 21, 2005

Uma coisa medíocre

Rafael Prosdocimi

Acho uma coisa medíocre o que farei agora. Uma meta-babaquice, qualquer coisa assim. Pois irei escrever sobre o porquê não ando escrevendo mais, o que é um contrasenso, como esses sujeitos estúpidos que colocam o nome em seus times de futebol, daqueles campeonatos de fim-de-semana, de Sem Nome, com letra maiúscula. Eu contribuirei com toda tolice que agora junto em minha essência e escrevo porque não ando mais a sentar e escrever coisa alguma, mas faço isso obviamente sentando e escrevendo.
Para dizer porque não escrevo mais, devo dizer porque em algum momento de minha vida, escrevi qualquer coisa que fosse. Lembro que foi por minha primeira namorada, e lembro que talvez tenha sido o primeiro e último instante de poesia em minha vida. Olhei pro céu, pra ela, pras coisas e senti palavras povoando minha mente... Cheguei em casa e escrevi à caneta. Fiquei feliz em me ver poeta. Gostei da sensação. Acho que tudo o que vi depois disso foi uma poesia baixa, a função das belas imagens e das sensações passou a ter sentido unicamente quando eu as escrevia. A poesia em minha mente não me bastava. Descobri-me medíocre, ver o belo e o sublime não me bastava, precisava de ossos, de prêmios, de parabéns, “continue assim”. Descobri então que sou um sujeito de Skinner, ávido por afagos, sexo e comida, modelando minhas ações pela proporção recebida dessas coisas. A poesia seguia agora na minha cabeça o formato do “Word”, com seus sublinhados verdes e vermelhos. Bill Gates agora controlava minha capacidade de poetar. É por isso que penso ter sido aquela a primeira e única poesia, quando eu, no portão de Flora, esperando que ela decidisse parar de brigar comigo, na tensão daquele momento de espera, e ela invadiu minha mente...pensava que poderia até acabar o mundo que eu nada faria, além de esperar uma resposta dessa menina. Esse pensamento foi a poesia. No primeiro momento ela veio, ao menos creio que ela veio primeiro, depois o costume e a vaidade de ver algo belo que passei a pensar. Escrevia como uma forma de me justificar, uma forma de dar sentido a minha medíocre existência. Infelizmente sou um bicho social, preciso falar, ouvir, mais falar é verdade, mas preciso de outros. Adoro a solidão, mas só quando esta é marcada por períodos de intenso convívio humano, calor. Escrevia para impressionar, e olha que muito funcionou, algumas senhoritas me chamaram de poeta.
Como já disse gosto de pensar que sou o sujeito comportamental baseado unicamente em reforço e punição, sendo assim, a resposta ao meu problema de parar de escrever é óbvio, nunca tive reforço suficiente. Embora aquela baixinha de olho azul tenha me falado, como em segredo, que havia lido alguns de meus textos, e eu posso jurar que fora por isso que ela se interessou por mim. Reforço suficiente, portanto, não deveria ter parado de escrever. Porque eu escrevia já não sei, algo de vaidade, esforço pra ser diferente, ousar o título de poeta, intelectual, deixar marcas na vida quando eu me for. A idéia de ser um cara genial, com idéias avançadas e futuramente escrever no Estado de Minas e aparecer no Jô Soares pode ter funcionado como catalisador...Mas como isso tudo é muito estúpido e sem sentido, penso que acabei por naturalmente perceber que não havia porque escrever, se ninguém ainda leu Mario Vargas Llosa ou Rubem Braga, porque haveriam de ler Rafael Prosdocimi? A idéia de um escritor puramente social, que escreve para obter afagos acaba por não me agradar de toda forma. Permanece a idéia de que algo brota dentro de mim, e me faz escrever...Algo descontrolado...Idéia deveras psicanalista, poética e feminina para o meu ser...Odeio poesia quanto mais feminina, dessas mulheres que só fazem poesia porque não trepam decentemente, e acham que o fato de escrever poesia e serem tristes as livram do fardo, e da obrigação moral de gozarem enquanto fazem sexo. A hipótese de algo intrínseco ao meu ser também não procede, pois nada há de intrínseco ao meu ser, senão nunca teria começado a escrever aos 18 anos de idade. Acho que nunca descobrirei porque comecei a escrever, mas tenho certeza que tem a ver com o que a mais charmosa das professoras que tive definiu, de forma brilhante, como a materialidade da dimensão subjetiva. Quero que outros vejam o que penso, quero materializar meus anseios e pensamentos. Para que daqui a anos eu me leia e sinta que eu pensava muitas bobagens anos atrás. Para que exista a ponte, mundo objetivo e subjetivo. A idéia de novo social, a necessidade de comunicação que temos com o mundo, a necessidade de compreender e ser compreendido. Escrevo para me mostrar, é a porta que alcancei, a ponte que construí, porque fui alfabetizado, primeiramente, porque meu pai é louco e boêmio, meu padrasto boêmio e louco, porque me caíram livros na mão quando menino, porque descobri Vinicius de Moraes aos 17 e Rubem Braga os 20, porque tenho um computador em casa, porque minha mãe trabalha e eu posso me dar ao luxo de escrever em uma segunda-feira às 15:35 da tarde, porque meus bisavós eram italianos, e não africanos, porque acreditei no poder de sentenças e na força da palavra escrita. Isso tudo, para que você, Paula, entenda o que senti com seu “Não sorrindo”.

Saturday, June 11, 2005

Apenas um Rato

Rafael Prosdocimi
Há algum tempo eu tecia a seguinte hipótese: “se eu não seria apenas um ratinho nesse mundo louco, que, por sua vez não seria apenas uma grande caixa de Skinner e, perguntava-me se tudo na vida realmente não se basearia em reforço e punição, se tudo não seria as contingências da vida e não haveria nada como consciência ou livre-arbítrio. E depois de tantas premissas angustiantes, eu refletia no porquê da minha insistência (incondicionada ou, não-adaptativa) em retirar o meu corpo de minha residência, no sábado à noite, e o levar a lugares que terminavam por apenas me levar de volta pra casa, culminando todo esse movimento em enorme dispêndio de moeda corrente e um grande acúmulo de tédio”.
Eu pensava que não poderia estar saindo de casa pra não obter um único grau de reforço e ficava bastante angustiado com isso. Pensava eu: “fique em casa, pois não há nada lá fora”. Hoje descobri de forma clara, tudo o que se passa comigo. Eu sou apenas um ratinho sim, mas um ratinho especial: eu sou um ratinho burro. Um ratinho que demora a aprender as normas de reforço e punição na vida. Um ratinho que demorou um pouco mais que o necessário a distinguir reforço de punição e vice-versa.
É bom saber da burrice deste ratinho, pois isso me poupa de ir buscar na psicanálise, e em todos os seus termos que só se explicam a si mesmos, o que me causa sofrimento. Pois o que me causa sofrimento é isso de não compreender e, portanto, de não conseguir me orientar nos prazeres da vida, pois não os conheço. Se agora mesmo que fiquei em casa, sozinho, compondo uma bela cena romântica de um rapaz solitário em pleno e completo 2005, cena, dessas que, sempre lindas, componho sobre meu ser, e sempre as faço também para mim, o que me soa estupidez (isso de fazer “videoclipe” dramático para si mesmo). Fico eu em casa tocando um violão sozinho, e penso no quê disso e nas causas desses movimentos tão insalubres quanto entediantes. Se ainda houvesse um Deus que de lá aplaudisse e jogasse moedinhas. Eu que insisto em olhar pra sua janela sabendo que a ultima vez que tu apareceu lá nós ainda tirávamos a roupa na mesma hora e no mesmo local. Tudo compõe um belo quadro de um rapaz angustiado e sozinho que espera uma princesa que o liberte do seu mundo cruel. E se já achava patético pessoas que compõe cenas estúpidas para outras pessoas, esses atores de teatro, penso que o que faço é ainda pior, pois sendo ateu e pragmático, não faz o menor sentido fazer coisas que outras não vejam... Mas eu sou todo esse jogo de lindas cenas de um rapaz interessante que espera uma triste dama.
O ratinho burro fica em casa, mas ao menos tira uma lição, a lição de que não vale a pena sair de casa no sábado. Um dia de aprendizado na vida desse rato. Só sei que tenho 22 e logo terei 34 e nada haverá de ter mudado, talvez a cor da parede. O rato burro permanece atado a suas teorias e a vida nada ensina a ele. O rato inteligente tudo aprende e haja certo, ganhando ao fim da sessão uma gota de água. Mas isso que digo, com esse tom de incompreensão também só serve pra compor mais esse número, que é o do artista que ninguém entende, o solitário que vaga moribundo na vida, e que reclama de tudo e todos, pois o mundo é triste e feio e ele é lindo e maravilhoso. E se a ele for dado ler Nietzsche haverá então formado um grande babaca prolixo e sedutor que com palavras galanteadoras arrasta toda a vida pra dentro do buraco, pois se recusa a ligar praquela menina. Esse aí vai depois de escrever isso aqui, ficar um pouco triste, não irá chorar e dormirá abraçado ao travesseiro, única coisa que ama.
O rato burro se aperceberá - depois de muito mais tempo que o necessário para se aperceber dessas coisas da vida - que sair às sextas-feiras também não lhe proporciona ganhos de afeto, ternura nem liberação de neurotransmissores. Por isso, o rato burro - num momento de inspiração- não sairá de casa na sexta feira. Nunca mais. Ele prossegue impiedoso na sua imensa descoberta do mundo, tanto interno quanto externo, e vê que, de fato, nenhuma de suas ações se reforçavam, nada do que faz, fará ou faria constitui algum sentido para que fosse feito novamente. Tomar suco, dançar, trepar, tomar banho de cachoeira, fazer um piquenique, andar de ônibus, tomar café, ir à Dinamarca, ver um filme e sorrir; nada disso dava ao nosso jovem e pessimista roedor alegria ou satisfação em existir; e como o nosso amigo só realizava essas ações que se mostravam reforçadoras, e como elas subitamente não mais existiam, ele nada mais faria, nada...Isso seria o apogeu; o apogeu para o qual ele caminhava. Nada. Aos poucos deixava de fazer todas aquelas ações que nunca fizeram ao rapaz bem nenhum, além de gastar importantes reservas energéticas.
Entre o outono e o inverno o rato burro morreu, morreu deitado em sua cama e nunca mais gastou energia indevidamente.
Causa mortis: Condicionamento operante.