Tuesday, August 09, 2005

Estória de musica.

Está posicionado entre as coisas mais deliciosas dessa vida, junto com moussé de chocolate, cerveja depois do futebol e marquinha de biquíni; a história da música brasileira. Não tem muito como posicionar e hierarquizar essas coisas acima, mas sem duvida ler e conhecer as histórias da música popular (nunca gostei desse “popular” entre música e brasileira) brasileira é algo de uma delicia semelhante a, por exemplo, marca de biquíni, devidamente associada a fartura de matéria e a decote. Digo dessa paixão (pela mpb) como leigo, como curioso, como amante de boa-música, definida aqui para os socráticos de plantão, como qualquer musica que possa, em um momento ou outro, arrancar um sorriso ou uma lágrima. O adjetivo é sem duvida “delicioso”. Como uma feijoada. Não é leve (como tudo que presta por aí), essa história tem momentos de arrepiar, gente morrendo de forma estúpida, momentos que custam a descer, entalam, pobreza, miséria, alcoolismo, tuberculose. Digo isso, pois estou agora lendo a biografia de Noel Rosa, já havia lido alguns livros sobre a nossa música e digo que pouca coisa me faz arrepiar. Saber que Vinicius de Moraes era intelectual profissional e fascista no inicio da segunda guerra mundial, e que se rende absurdamente à música popular com tamanho amor, com tão lindas canções, falando do amor, da capoeira, de Itapoã e tudo mais, acabam valendo um dia. Saber que numa Porto Alegre na década de 30 se encontram em um cabaret, Noel Rosa, Francisco Alves e Lupicinio Rodrigues, sendo que este ultimo era um simples soldado de numero 417 e que gostava de compor; é lindo demais. Saber de Cartola, Ismael Silva, Noel. Saber que foi pelas mãos de Dr. Graça Mello que veio ao mundo Tom Jobim e o próprio Noel. É absurdo esses encontros que a música brasileira proporciona.
Acho que todos esses encontros, muitos desencontros, são o que há de mais lindo nessa nossa história. Esse samba que marca o encontro de morro e cidade, esse batuque que ganha ar de “cultura nacional”. Essa música tão gostosa de se sentir, essa poesia, essa “tristeza que tem que ir embora”, esse olhares que parecem tiro ao “álvaro”, esse “acontecer de eu não mais te amar”, e isso só pra ficar aqui no samba. Tem muito mais por aí. A música caipira, as marchas, as canções. Essa música que surge de dor, de tristeza, de vontade de sorrir, de medo de amar, da traição. Um viva a traição, pois o que seria de musica sem isso, sem dor-de-cotovelo. Provavelmente não se faria música se não houvesse os cornos.
Nada aparece do nada. A música como um depósito das marcas que a vida faz na gente. Gente que perde um amor e ao invés de matar, de se matar, compõe e invariavelmente chora. A história da música das pessoas do Brasil é a história do país, não a oficial, não a dos eventos cravados nos dias 7, 15 ou 22, mas sim a grande, a imensa história das quartas-feiras e segundas de chuva. A imensa análise dos foras tomados por milhões de brasileiros todas as sextas à noite. Tristeza desses milhões e alegrias de outros tantos. A história da falta de comida e do trabalho escravo. Do amor fingido, e do fugitivo amor. A música feita por quem quer dizer algo e talvez não se sinta ouvido. As pessoas ouvem mal e acabam prestando mais atenção no rádio do que na moça sentada na cama. Também uma história do capitalismo, da música ganhando o seu rótulo, MPB. Histórias de música feitas pra vender, história de malandros, de bandidos, de mocinhas sempre lindas. De escolhas amorosas.
Teve uma vez que o Tom Jobim se encontrou com Villa-Lobos em uma festa ou algo assim. Parece inicio de piada, mas dizem que é fato (o que para mim importa quase nada), Tom era um encantado com aquele maestro (tanto que sobre a morte disse: “Se o Ary e o Villa-lobos morreram...eu também posso”) e chegou perto dele, que estava sentado, compenetrado no piano. Estava uma bagunça ao redor deles, musica alta, falatório. Villa-Lobos parecia estar compondo e foi aí que o Tom perguntou ao velho maestro: “- Como você consegue compor com essa barulhada aqui? No que obteve sua resposta... -Meu caro, o ouvido de dentro não tem nada a ver com o ouvido de fora.”
E eu que não ouço coisas assim com freqüência, e muito menos falo, tive que comprar mais livros, deitar sozinho na minha cama, e voltar no tempo.