Monday, July 30, 2007

Encontro com a solidão. Sem muitas ou meias palavras. Frases curtas para sofrimentos que não tem fim. A solidão é ainda monossilábica. Indiálogável, intratável, seca, estéril, calma. O encontro com a solidão é sempre um reencontro. Nessa tarde sem tempo, sem vida, ela me traz a certeza incapaz de discrições de sua eternidade. A solidão sopra nos meus ouvidos o desespero. Mas o desespero vazio. O desespero sem vós. A solidão me lembra do que nunca vai acontecer. De uma felicidade que é palavra, e letras.

A solidão é a certeza de uma morte inodora, indolor, silenciosa, irrevogável. A solidão que encontro nessa tarde se soma aos milhares de pequenos momentos tristes da vida. Me fazem saber que meu corpo é um corpo, não sonho e nem fantasia.

Thursday, July 19, 2007

BAR III

País Dificil

Rubem Braga

Há hoje no Brasil uma espécie de preciosismo técnico-burocrático que vai complicando os problemas com uma terminologia tão pedante que desespera. Isso se manifesta em vários ramos; pululam técnicos em alergias crepusculares, em padronização do tamanho de clipes e em sociologia das ruas transversais. Parece que estamos em país sofisticadíssimo, superfino, e há sujeitos que não dormem porque não têm certeza de que conseguirão penicilina se por acaso precisarem de penicilina. Chegamos à perfeição de ver entre os pontos de exame no Itamarati para carreira diplomática à discussão da autoria das Cartas Chilenas , devendo o estudante saber quem era a favor desta e daquela tese e quais os argumentos de um lado e de outro. Descobriu-se, subitamente, a necessidade inadiável dos rapazes aprenderem latim ou grego. Surgiram de uma hora para outra estudiosos de questões especialíssimas, mil críticos de Proust e técnicos em estados corporativos.

É por causa de tudo isso que um homem simples às vezes leva um choque quando repara em alguma coisa simples. Eu, por exemplo, tive outro dia entre as mãos o resultado de inquéritos de laboratórios feitos em vários lugares da Amazônia e do Rio Doce sobre vermes intestinais. Praticamente 100 por cento dessas populações sofrem de vermes. A grande maioria é opilada e quase nunca há um verme só na barriga de cada sujeito; em geral o sujeito acumula várias espécies. Ora, isso não é novidade nenhuma. Todo mundo sabe que nossas populações rurais são cheias de vermes, que o homem do campo é quase sempre opilado e tem no ventre uma série de bichinhos que sugam o seu sangue e escangalham sua saúde. Ninguém ignora isso – mas acontece que isso não está na moda. O que está na moda é ter alergia de pena de Peru. Um outro relatório que vi, contava a história de um médico que foi chamado a certo lugar do interior para combater uma “doença misteriosa” que estava matando o pessoal. Devia ser, com certeza, uma dessas doenças que a gente adquire lendo Seleções e tem um nome tão interessante que dá vontade pôr no cartão de visita. O médico, um desses médicos do interior, meio rude, que vive isolado da nossa grande civilização carioca, chegou à seguinte e estúpida conclusão: a doença mistérios era fome. Outra coisa fora de moda, outro problema sem atualidade. O importante hoje é fazer uma intensa campanha no sentido de convencer a todas as pessoas cultas de que o complexo vitamínico JM, que se encontra em grandes proporções no cabinho das azeitonas pretas, só tem valor contra a tendência a soluçar de madrugada quando combinado com a aplicação de raios infralilases sob as unhas da mão esquerda.

Graças a tudo isso o nível cultural do país vai subindo assustadoramente. Está visto que essas transformações têm suas vantagens. Por exemplo: antigamente um funcionário postal morria decentemente de tuberculose, deixando toda a família na miséria. Hoje apesar de todas as dificuldades criadas pela guerra, ele ainda pode conseguir o mesmo, desde que cumpra todas as formalidades exigidas pelos dasps e ipases.

Sei uma anedota que é um pouco velha, mas pode ser que algum leitor não conheça. É a história do sujeito que tinha um papo enorme e enjoou de consultar médicos e mais médicos. Não havia meio do papo sair. Afinal um conhecido desse que sabia de um remédio formidável: graxa de sapatos.

“-Esquente um pouquinho a lata de graxa e passe bem devagar pelo papo, com um paninho. Depois descanse uns cinco minutos e passe outra vez pegue então um pedaço de flanela e esfregue com todo o cuidado; quanto mais esfregar, melhor.

-Mais isso cura mesmo o papo?

-Bem, se cura não sei, mas dá um brilho formidável!”

Oh, graxas, vaselinas, iapeterques, ipasitiquins.


MARÇO DE 1944

Thursday, July 12, 2007

BAR II

Nietzsche - Gaia Ciencia

373. A Ciência como preconceito. – (...) O mesmo se dá com a crença hoje em dia satisfaz tantos cientistas naturais materialistas, a crença num mundo que deve ter sua equivalência e medida no pensamento humano, em humanos conceitos de valor, “um mundo da verdade”, a que pudéssemos definitivamente aceder com a ajuda de nossa pequena e quadrada razão- como? Queremos de fato permitir que a existência nos seja de tal forma degradada a mero exercício de contador e ocupação de matemáticos? Acima de tudo não devemos querer despoja-la de seu caráter polissêmico: é o bom gosto que o requer, meus senhores, o gosto da reverencia ante tudo o que vai alem do horizonte! Que a única interpretação justificável do mundo seja aquela em que vocês são justificados, na qual se pode pesquisar e continuar trabalhando cientificamente no seu sentido (querem dizer, realmente, de modo mecanicista?), uma tal que admite contar, calcular, pesar, ver, pegar e não mais que isso. é uma crueza e uma ingenuidade, dado que não seja doença mental, idiotismo.(...) Não seria antes bem provável que justamente o que é mais superficial e exterior na existência- o que ela tem de mais aparente, sua sensualização, sua pele – fosse a primeira coisa a se deixar apreender? Ou talvez a única coisa? Uma interpretação do mundo “cientifica”, tal como a entendem, poderia então ser uma das mais estúpidas, isto é, das mais pobres de sentido de todas de todas as possíveis interpretações do mundo: algo que digo para o ouvido e a consciência de nossos mecanicistas que hoje gostam de se misturar-se aos filósofos e absolutamente acham que a mecânica é a doutrina das leis primeiras e últimas, sobre as quais toda existência deve estar construída, como sobre um andar térreo. Mas um mundo essencialmente mecânico seria um mundo essencialmente desprovido de sentido! Suponha-se que o valor de uma música fosse apreciado de acordo com o quanto dela se pudesse contar, calcular, por em formulas- como seria absurda uma tal avaliação “cientifica”da música! O que se teria dela apreendido, entendido, conhecido? Nada, exatamente nada daquilo que nela é de fato música!... p.276-8

Tuesday, July 03, 2007

E a vida, (ela também tem sua loucura)

Escrever da vida é escrever do que penso, quero, faço, devia fazer, sou. O que movimenta minhas pupilas, me dá animo, tesão, profundo desespero, melancolia, angustia. Aquilo que salta de meus dedos. Aquilo que acho importante, mas as minhas fraquezas, as minhas coisas torpes e vazias ficam guardadas comigo e não vão para você. Acho feio compartilhar mesquinharias. A cada um a medida certa de seu sofrimento, conforme sua capacidade de lidar com ele.

O ser humano se desenvolve de uma maneira peculiar de uma forma ainda e sempre estranha. Porque lembro de uma aula da quarta série sobre como proceder para achar uma palavra no dicionário, não acho que isso possa ser facilmente deduzido por qualquer teoria psicológica. Palavra mais que importante é o contingente. O espacinho que pequeno cabe Deus, o amor, o mistério, o desconhecido, as vezes o acaso, o nada. Nenhum mistério. Devemos prestar mais atenção no contingente. As crianças se deixam levar pelo contingente e penso que é por isso que não concebemos como uma criança aprende. Estamos atados às finalidades da aprendizagem e esquecemos que a criança não. Ela ali sentada e se atém a qualquer coisa. Por isso insistem os professores, já constatando o fracasso em impedir que as crianças se distraiam, que por favor todos “prestem atenção”. Inútil. Na sala de aula, olhando pro professor, na frente, escrevendo no quadro 2+2, já se encontra presente todo o espaço possível para aprender algo da vida que não 2+2. Dessa forma, acho que o que se chama socialização deveria ser levado mais a sério, e mais à brincadeira, retomando o papel do contingente. Acredito que a democracia deixará de ser farsa quando poder fazer representar mesmo, sem fingir eliminar ou mascarar, os mecanismos de controle do mundo. Os poderes que regem as ações e locomoções dos seres humanos. Quando as pessoas num sentido geral e especifico se verem identificadas com aquilo que fazem. Mesmo que seja errado. Acredito que o mundo vai ser organizado de tal forma que logo isso aqui vai ser apenas filosofia ou literatura. Abstrações ingênuas de um rapaz que queria ser escritor sem ser. Se temos psicólogos que entendem da mente das pessoas, ou se temos cientistas sociais que entendem como será uma boa sociedade, então para quê cada um tomar conta da sua vida? Conta só a do psicanalista ou do sociólogo. E à vista, por favor. Creio em corpo, hormônio, genética, evolução. Creio num sentido filogenético de desenvolvimento da espécie, mas nada me dizem de particular e restrito. Imagem, pensamento, ação, discurso, seguem linhas mais prosaicas e contingentes. O que não significa que não devem ou merecem ser analisadas, mas de uma forma diferente do que se faz em relação ao necessário. Já que o contingente é contingente exatamente por não ser necessário, e não desenvolver nenhum tipo de relação imutável e eterna de causalidade. Acredito que a psicologia social deve se investigar a toda hora e depurar seus dois vícios, que dever ser até mais. Psicologismo e sociologismo. Individualismo e coletivismo. Dialética deve ser mais do que uma palavra difícil e de significado nebuloso. Não dá pra investigar as ações de um sujeito e depurá-lo de toda a sujeira. Ou seja, de tudo aquilo que o faz ser ele. O mal do mundo continua sendo a rotina, a massificação, a coisificação, o capitalismo e a burocracia, a indiferenciação que encarna em tudo e em todos, e ninguém nem mais se atina que isso aqui foi um jogo que começou, e logo pode parar. O pensamento continua não criando a realidade, mas a realidade cria muito pensamento, inclusive o pensamento de que pensamento cria realidade. Os abismos já profundos, não aumentam de altura, mas de largura. O fosso tem a mesma profundidade. Aumenta a distancia que nos separa dos outros e as formas de chegar ali. A ilusão da comunidade humana perpetua a idéia de que não há fosso nem separação. A burguesia ainda é burguesia e esperamos que a tal revolução de 1789 chegue também, porque sinto que ela se perdeu por aí. Talvez na Groenlândia.