Tuesday, January 29, 2008

Pré-Carnaval

“Ai o amor,
quem tem
Deve dar valor..
E eu não tenho ninguém..”

(Eu não tenho Ninguém – Baden Powell e Paulo César Pinheiro)


Foi carregado pela tristeza dos versos acima que embarquei na insônia de ontem à noite. E eu, que tenho alguém, fiquei triste de uma tristeza muito antiga e profunda. De tão profunda tive certeza que a tristeza nem era minha. Peguei-a sem querer desses versos banais, quase bregas, mas de uma certeza tão fulminante que deixam a gente muito triste com quem não tem ninguém. Fui carregado pelo angustia, pela solidão e pela felicidade impossível. Envelheci muito, em horas.
Senti conforto nesse lugar. Senti menos cena em incorporar essa tristeza alheia do que na superficialidade de parecer preocupado com a terça-feira.

Parece que começo meu carnaval pela quarta-feira de cinzas.

Monday, January 21, 2008

Confraria de homens de mulheres tristes

“A inquebrantável muralha que muitas vezes faz de uma mulher burra uma mulher enigmática! Ela permanecia impassível, ora a olhar para as unhas cuidadosamente pintadas, ora a ajeitar uma mecha de seus cabelos aloirados. Quantas são as mulheres (e neste caso ela era apenas uma moça) que os homens envolvem num clima de mistério sedutor e que são nada mais do que mulheres burras?”

(Sergio Porto, A Casa Demolida, p. 150-1)

É incrível quando achamos no meio de palavras espaçadas, sentenças e pensamentos que saíram direto de nossa cabeça e foram parar no papel, na caneta de uma outra pessoa, que por um motivo dos desconhecidos do universo, chegou aqui antes da gente. Já senti isso outras vezes. Confesso que sou um narcisista, sinto-me muito bem compartilhando com esses famosos, as nossas idéias. É como se reconhecer numa confraria, no caso a confraria dos que já tomaram uma mulher burra por misteriosa, e daí poderia eu até criar uma comunidade do orkut, mas não, por favor.

Ah, mas quantas mulheres burras tomei eu por misteriosas! Secretas, que viveriam um silencio que achava eu escondia algo que nunca existiu. Temos que tomar muito cuidado com os enfeites e fantasias que vestimos nos outros.

No mais tenho que dizer que além do mistério acho lindo a tristeza. Confesso, tal qual outro poeta, que também já fui acusado de amar mulheres tristes, mas ao contrário dele reafirmo minha completa culpa. A verdade é que ficava um bocado triste quando descobria que aquela mulher, ali no canto, sozinha e calada, era no seu íntimo, feliz.

Tuesday, January 15, 2008

Comentaristas Psicanalisados e outros tipos clinicos da Programação Esportiva

A Espn Brasil é a campeã da televisão brasileira em tipos clínicos de comentaristas e apresentadores esportivos. E a coisa funciona, destoa da mesmice de todos os outros apresentadores que ficam lá, posando de estátua. Tudo bem que na ESPN também tem umas coisas chatas, como por exemplo, ficar sempre pintando uma de contra-hegemonico, malhando a Globo e tal. É chato, cansa. E também essa coisa do Trajano (que sim é mala, mas que eu gosto) de ficar falando da família ESPN, da união.

Agora ninguem supera a ESPN em termos de tipos c(l)ínicos nos esportes, que no geral é aquela coisa meio tio velho e chato.
Por exemplo, em que outro canal teríamos jornalistas esportivos psicanalisados, como é o caso do Juca Kfouri e do próprio José Trajano. Percebam que isso é uma contradição de termos. Esporte e Psicanálise. Além de tudo os dois tem uma coisa muito interessante que eles são jornalistas esportivos, mas ainda sim jornalistas. Agora é claro que são psicanalisados. Isso fica evidente quando aparece alguma polemica machista no ar, os caras já rebatem na melancolia da incompletude. O Juca Kfouri principalmente.
Mas o campeão mesmo dos "diálogos Quentin Taratino" do canal é o João Carlos Albuquerque. O cara já tem uma pinta de cafajeste de pornochanchada e ainda só fala do inútil, minimalista ,pequeno, sem importância. Hoje (15 de janeiro), no bate-bola primeira edição, ele discutiu a fundo com o Silvio Lancelotti se o dentifrício que este usava era Kolynos ou não, porque dava pra sentir o cheiro de longe e por aí vai. O cara tem uns diálogos realmente antológicos. (Vejam os 30 primeiros segundo do video abaixo)

Outros dois que também pintam e bordam, mas apenas juntos, são o Paulo Soares e o Antero Greco. Puta que pariu. É o melhor que tá tendo.

Saturday, January 05, 2008

Testaminto

Este espaço aqui foi criado meio por acaso, há algum tempo. Eu vinha escrevendo algumas crônicas e pequenos textos sobre a minha sombra e trocando, ocasionalmente, figurinhas com o Chico, meu primo. A idéia de ter um blog passava longe do meu IP. Não me parecia verossímil a seguinte frase, “eu tenho um blog”. Já naquela época sentia que havia muita responsabilidade nessa idéia. E é claro, excesso de nerdice. E ainda sinto o que o Manel, porteiro do prédio onde morei, chamava de “responsa”. Mas voltando ao caso, ou acaso... Estava meu primo aqui em casa e provavelmente comentávamos sobre estilos de escrita, discutíamos quem de nós andava se saindo um melhor Rubem, ele àquela época preferindo o Alves, e eu já apaixonado pelo Braga, o velho lobo rouco, deprê e galanteador de Cachoeiro do Itapemirim. De repente, o Chico falou que era fácil criar um blog, sentou no computador, abriu a página do blogspot e criou o meu primeiro blog, “rafapros.blogspot.com.” Não gostei do nome, mas fazer o quê... A circulação de bites não espera a inspiração da escolha do nome. Mas daí gostei da idéia. E o primeiro texto que lá coloquei, nos idos de 2005 (como me parece outra era), foi um textinho pelo qual nutria especial afeto. Achava bonito o parágrafo final: “Fiquemos então com o improviso, improvisemos mais, deixemos o outro falar, que se espere ouvir pra então se dizer, que se deixe as palavras entrarem na cabeça, fazerem sentido, produzirem uma emoção, uma dor, caminhando pelo trajeto desconhecido da mente e culminando numa grande demonstração de qualquer coisa. Que não sejamos enganados por palavras e falas prontas, que se valorize a capacidade de se estar vivo e presente a cada momento,de responder na hora, de mudar de idéia, de sorrir ou chorar”.

Mas daí esse nome do blog me incomodava mesmo, porque isso não é um nome, é uma propaganda eleitoral. E nessa época ouvia muito o Vinicius afoito que estava com as maravilhas de Emule (ou seria Kazaa ou Napster, quem poderia me dizer?). E uma de suas músicas tinha algo de tão besta e genial que me capturou, “Sei lá, a vida tem sempre a razão”. E nessa música há um verso que é “a hora do sim é um descuido do não”. Isso por si já dá umas três teses. E daí adotei o titulo da música para o blog. A vida tem sempre a razão. E hoje me dei a pensar sobre esse espaço virtual. Desde que ele foi criado sempre me ocupou. Em alguns momentos mais e outras vezes menos. Muitas na expectativa afetivo-sexual-desesperada de que ela poderia ver aquele texto que eu escrevera para a distinta. E foram elas, e elas não viram, na sua maioria. Uma indistinta, no entanto, apareceu sem aviso, leitora misteriosa (que permaneceu no mistério), surgiu interessante e sustentou esse bom mistério, assim se “fono”, como diria o outro. Sei que algum dia, em 2020, vou descobrir quem foi, e com graça direi: “Nunca imaginei que era você...”.

Como uma criança travessa que aguarda ansiosa os resultados de suas artistagens, aguardava eu alguma manifestação mundial gerada por minhas palavras. E houve momentos de puro lirismo. Sei que tenho orgulho do meu blog. Nele (na direção contrária do que esperava) coloquei coisas que me afetam. E agora comecei a pensar no porque disso... Descobri que o meu blog é o meu testamento. É o eu no estado do ideal do eu. O melhor de mim. Nele despejo o que quero que fique de mim no mundo. É a minha obra.

Há algum tempo fiquei bastante espantado e mais do que isso, profundamente marcado por uma questão. Jovens que morriam e que tinham perfis no orkut, mas como ninguém sabia as senhas, tais páginas ficavam abertas pela eternidade (ou até quando o Deus Google permitiu). E lá, na página dessas pessoas mortas, com suas fotos com cachorros, gatos, e mães, havia comentários de um carinho desses que às vezes a gente não se dá o gosto de fazer sentir em vida. Pessoas que na noite anterior entre copos de cerveja se lembravam do amigo morto, e na mesma madrugada, quando chegavam em casa, escreviam para o amigo que já não estava. Imagino a mãe desse menino vendo essas demonstrações tão profundas de amor. E o que é mais virtual do que o amor, hein? Mais desprendido, mais sutil e belo do que isso, essas demonstrações gratuitas de bem-querer.

O meu blog é de alguma forma meu mausoléu que vou construindo em vida, através de palavras e imagens. E isso é de um egoísmo extremo. Venho pensando nisso, e a idéia de um outro blog, mais comunitário, menos meu vem me parecendo muito atrativa.

Com a série “Bares”, quis reverenciar as fontes de onde bebo. E foi no meio desse pensamento que me lembrei de Rubem Braga e da importância desse homem na minha vida. Ele me ensinou um modo de olhar a vida. Num certo sentido foi meu pai, me ninou em momentos difíceis. Ele me ensinou a reparar em ombros. Ele mostrou a hipocrisia de nossas burguesias e inteligentzias. Braga trouxe a ironia e o lirismo para a minha luta de classes. Mesmo que não fosse a dele. A ele devo a melhor garrafa desse bar. Hoje tenho a plena convicção da importância de Rubem Braga para a minha vida, e nada tem a ver com escrever. Tem a ver com meu olhar. Social, político, afetivo, sexual. Desatento, apegado no insignificante. Ácido, mordaz, chato...e sim, rouco.