Tuesday, April 18, 2006

O ETERNO RETORNO (Ou vale a pena ver de novo?)

Ouvindo aquela mulher
que trabalha nesses programas sociais de ajuda a pessoas carentes
Dizer uma dessas metáforas
Sobre não dar o peixe
Mas dar a Vara e ensinar a pescar

Lembrei daquele meu velho quase pai
Que me dava a vara já com o peixe fisgado
E eu pegava e tirava o peixe da água
Achando que tinha sido Eu que havia pescado
Eu ficava feliz e orgulhoso e ele também

É a mesma coisa!

Wednesday, April 05, 2006

O MILAGRE NOSSO DE CADA DIA

Todos os dias, ao acordar e sair à rua, observo maravilhado a um milagre. O milagre da ordem. Todo santo dia saio e procuro, com olhos sensíveis, a estupros coletivos, apedrejamentos sumários e também jovens executivos burgueses e ricos (e haja redundância pra falar dessa corja) enforcados pelas próprias gravatas nos postes de iluminação pública, expondo, majestosamente, seus intestinos.
Mas nada vejo... Não há nenhuma dessas cenas no teatro que freqüento. Atestado final para a insanidade pública de nossos dias. O milagre da ordem acontece todos os dias. E a gente ainda acha normal. Tenha absoluta certeza que ocorre esse milagre, quando tudo a sua volta parece funcionar e as coisas aparentam sincronia. Não há nenhum sujeito blasfemando, em voz alta, que o mundo vai acabar, ninguém encara os perigosos carros, esses veículos automotores, com pedaços de pau clamando pela supremacia em andar livremente sobre a terra (tal qual aquele hominídeo no distante “2001” de Kubrick), não há piquetes montados pelas esquinas, e nenhuma queima de pneus. Quando parece que tudo vai bem na vida, é aí que se desenrola o milagre da ordem. Olho pela janela do ônibus e há sempre uma mulher ao telefone, dois garotos correndo, uma moça preocupada carregando um neném, e uma menina precocemente linda de blusa amarela. Todos acreditam na policia e em Deus, e no trabalho honesto de cada dia.
Mas, às vezes, o milagre da ordem é perturbado, e a vida que deveria acontecer, a vida da manifestação visceral ousa se mostrar, mas é aí que todos esses devotos da normalidade (os padres, as donas de casa, os policiais, e os ricos e pobres despossuídos de Tesão) rezam e pedem com tanto fervor que tudo volte a ser como antes, a ser “normal”, que acaba acontecendo o fantástico “milagre da ordem”; a gente aí passa a achar que tudo sempre foi assim e sempre será. Lembro do menino que outro dia jogou uma manga na janela do meu ônibus e uma doce menina, conhecida minha de um passado de fantasia pueril, se assustou toda e ficou apavorada com a selvageria da criança. E essa imagem deve ter logo se acomodado nos fantasmas de sua estupidez burguesa. E eu achei bom que a criança descarregou tudo de uma vez naquele ônibus, e naquele segundo deixou de ser uma subespécie humana catatônica, adormecida no horror e no medo, para finalmente agir com vigor. Mesmo que tenha se transformado numa louca criança que atira mangas em ônibus em movimento. Melhor no ônibus do que na lua. Se ao menos houvesse quebrado a janela. Esses meninos loucos depois acabarão num sanatório e darão de comer, alimentar mesmo, literalmente (redundâncias necessárias), a centenas de psicólogos, esses adestradores da alma, devotos máximos da santa protetora da ordem nossa de cada dia, ela, A Santa Mediocridade. Psicólogos que se encherão de orgulho ao adestrar mais uma pessoa, para que ela também ocupe seu lugar no circo. Eu olho esses movimentos e fico achando muito estranho. E tal qual “O Alienista” de Machado de Assis, logo me encaminharei ao sanatório mais próximo, mantendo assim minha sanidade longe desses olhos sedentos de ordem, para que não haja perturbação da paz pública.