Thursday, June 15, 2006

BLABLABLAS CINEMATOGRÁFICOS II

O dilema de Amy

“Procura-se Amy” é um desses filmes que vira referência oficial de boas conversas de boteco que tenham como tema, relacionamentos, amores perdidos, sexo. Boas conversas sobre relacionamentos geram uma obrigatoriedade de se falar do filme. A história do amor da vida inteira, perdido, metades de laranja separadas, eternamente, por causa de um detalhe da vida sexual passada de uma das partes da fruta cítrica, é algo que voltará sempre a pauta do dia. Principalmente enquanto as mulheres tiverem um passado. Ou o homem querer saber desse passado. A verdade é que o dilema de Amy, acomete todos, homens e mulheres, que subitamente se descobrem preconceituosos, frágeis e hipócritas. De uma só vez.
No filme o personagem de Ben Afleck, apaixona-se por uma mulher, mas logo descobre que ela é lésbica. Eles viram amigos, mas ele sempre se mantém apaixonado por ela, e numa dessa indas e vindas, ele acaba realizando o sonho máximo da masculinidade compulsória narcísica operante na modernidade tardia: Fazer uma lésbica se apaixonar por você. E vão vivendo o amor do jeito que dá. E eles passeiam no parque rindo de sabe-se-lá-o-quê.
Mas um dia, o melhor amigo do Homem (que não é o cão), conta pra ele, que sua namorada havia feito sexo com dois homens quando esta estava no colégio. O apaixonado personagem principal tenta, nega e finge que isso não tem importância. Mas isso o cerca por todos os lados. Ele num misto de ingenuidade e medo, joga indiretas pra cima dela, e logo descobre o que não queria saber. Que sim, era verdade. E ele não consegue mais ficar com ela, e vai vivendo a angústia. Até que aí tem uma infeliz idéia, que pra ele resolveria todos os problemas. Repetir a tal cena com ela, de forma que ele seria um dos protagonistas, e seu amigo ciumento (o que a “dedurou”) o outro. Ambos fariam sexo com ela. E também entre si, o que resolveria uma outra questão, a da pretensa homossexualidade latente do melhor amigo. De uma forma bastante estúpida, pensava nosso intrépido herói, estariam todos quites e resolvidos com suas vidas sexuais. Pensamento tipicamente americano e capitalista. Como devolver na mesma moeda algo como isso? E se de repente, no meio da transa a três, ele começar a se perguntar se nessa outra relação a três, ela havia gozado ou não? Quantas vezes? Com qual intensidade? E aí, há como se esgotar anseios e angustias quando o tema é o que se passa na cabeça e nos olhos de dois ou, pior, de três, numa cama? E se a namorada olhasse pro seu melhor amigo, o personagem principal não veria ali, naquele olhar, amor ou mesmo tesão?
Essa solução final é bem idiota e não interessa nada no quesito que me importa. Como todos os filme americanos, eles partem de premissas interessantes, promovem um inicio de viagem bastante surpreendente, mas depois logo temos que nos acostumar com a mediocridade dos lugares bonitos, mas sempre comuns. O que interessa portanto , é que no relacionamento o personagem de Ben Affleck, conhece uma mulher e se apaixona, mas algo do passado dela retorna, e acaba interferindo no que ele sente por ela, de tal forma que impede a circulação do afeto.
Este é o dilema de Amy. Um dilema que eventualmente surgirá na vida de qualquer um (claro qualquer um homem, ocidental, narcisista e frágil). Essa mulher que ainda, pra piorar, é lésbica. Uma lésbica que se apaixona por um homem, e que se descobre que ela, há muitos anos atrás, havia feito sexo com dois homens ao mesmo tempo. Uma mulher que gosta de mulher e que teve uma vida sexual muito mais interessante e plural que a sua. Os homens talvez tenham sempre que ter essa fantasia do “pau primevo”. Senão primeiro em instante, que tal único na percepção diferencial eterna. Queremos mulheres que elogiem nossas performances, por mais medíocres que elas sejam, e que nos digam, entremeados por seus ais e uis, que nós somos os melhores, e que nosso pau é gigantesco e que ela nunca tinha feito isso, desse jeito, naquele lugar. No fundo todos queremos repetir em cada mulher o sonho da virgem, fresca e lívida que espera o cacete redentor. E a mulher vem então de verdade, sem saber do roteiro e do papel de virgem inocente, virgem que deve então, contra sua vontade, ser maculada e aí ela acha que pode falar o que bem entender. Isso quando não segue o script habitual e não atua brilhantemente nesse teatro de mediocridades que pode ser a vida. E vem a mulher honesta, verdadeira, e fala que fez isso, e critica, e diz que foi ruim, e diz que ela teve uma vida e foram tantos os homens que a amaram “bem mais e melhor que você”. E como é que fica a curtição de nossos anseios narcisistas, que servem mais pra contar, dizer, e sentir superioridade no mostrar e comparar paus no encontro do boteco, do que por outra coisa? Lembro de um filme que vi, baseado numa obra de Nelson Rodrigues, no qual o sujeito ansioso pela transa com uma desconhecida, conhecida no ponto de ônibus, vai vislumbrando o momento de gozo maior, não no encontrar o corpo dessa mulher, mas no contar para os conhecidos, amigos e estranhos, dessa sua façanha, todos invejosos por sua performance maravilhosa, contraposta ao real da brochada fulminante, o que nada impede do seu dizer no boteco daquilo que não aconteceu.
E mesmo dizendo isso não estou imune ao medo das mulheres experientes. Apesar do fascínio, tento por meio dessas palavras espantar o medo, de se ver ali, tal qual criminoso em acareação de filme americano, no paredão, lado a lado, com todos os seus homens, com aquelas linhas atrás marcando as alturas, sempre uns mais baixos e vis que outros, mas todas agora na mesma linha querendo ou não. Acaba com minha demanda por exceção. O dilema de Amy, instaura a insegurança máxima, quando coloca no passado da, outrora, sua mulher monopolizada, um homem (ou mesmo mulher) que a tenha encaminhado, por atalhos ou caminhos sinuosos, por lugares ocultos do prazer. Lugares que você conhecia de ouvir-dizer, e que ela vai até de olho fechado. E você fica lá, com a instrumentação pronta, sacando que o problema é qualitativo, e não entende que o amor se basta em si mesmo, e que ela não te compara com ninguém, e que ela te ama, e também quer te ensinar. Seus fantasmas são crueis e te colocam na parede. Você vai ficar com essa mulher que ri de você pelas costas? E que se imagina com aquele que a levou pelos caminhos proibidos do prazer absoluto e total? E você é muito idiota pra entender o que se passa com ela, e fica aí cheio de medos. Vença seus medos seu babaca. Ela te ama e quer ficar com você, e ela, nem sempre pensa como você.
É a prova máxima do relacionamento. Encarar o outro como outro e não como uma extensão de você. Mais especificamente uma extensão de suas fantasias idiotas.

Monday, June 12, 2006

BLABLABLAS CINEMATOGRÁFICOS I

"Matar ou morrer"
Acabo de ver o filme “Matar ou Morrer”, um desses filmes superclássicos que ouvimos sempre falar e nunca vimos. Fiquei espantado com o filme. Senão fosse pelo tiroteio no final e pela cena mostrando, num mesmo plano Herói/Bandido/Mocinha poderia jurar que se tratava de um filme europeu ou porque não, latino-americano. Isso porque é um filme sobre a angustia da solidão. Não a pequena solidão do quarto embaçado, da cama vazia, mas a solidão do mundo. O entender que não há laço possível com ninguém. Isso que o amor e a cama servem pra disfarçar. O filme é sobre a apatia política e o abandono da vida pública em detrimento da vida rastejante, da “alegria” do lar. É um filme sobre honra, mas a boa honra e não a desculpa perfeita para sustentar uma virilidade imaginária. Antes de ter visto o filme um crítico disse que se tratava de um dos filmes mais vistos, na Casa Branca, pelo presidente George Bush e seus acessores. Tratando-se de um estudantes de psicologia social e política isso muito me interessou. Um filme que se vê muitas vezes é na verdade mais do que um filme, ele tem que trazer, em si, algo pelo qual nos identificamos muito e/ou algo que é sempre passível de novas configurações. Então o que o presidente da maior nação do mundo em termos de potencial militar e influência econômica vê, muito me interessa.
De qualquer forma o nome desse filme já se encontrava no meu arquivo secretos de filme que eu devo ver antes de morrer. Como Casablanca, que já vi. Em determinada altura da vida de uma pessoa, homem ou mulher, juro que reservarei interesse apenas àqueles que já tiverem visto Casablanca. “Prendam os mesmos suspeitos de sempre”.

“Matar ou Morrer” é a história de um xerife de uma cidadezinha do oeste americano, que se casa com uma linda senhorita e que partirá para uma nova vida, como comerciante ao lado de sua bela mulher. Ele assim abandonaria seu posto de xerife da cidade. Minutos após seu casamento, quando ainda celebrava com amigos, o xerife descobre que um sujeito que ele havia prendido, havia 4 anos, fora libertado e estaria de volta à cidade no trem que chegaria em questão de poucas horas. O tal sujeito, quando preso, havia falado que voltaria e mataria o xerife. Frente a tudo isso, e pressionado por todos, ele resolve fugir o mais rápido possível. No meio do caminho, no entanto, ele percebe que não pode fazer isso, não pode fugir do bandido, e retorna à cidade. O filme tem uma peculiaridade muito interessante, que é procurar ser fiel ao tempo real de transcorrer dos acontecimentos. É como se tudo ocorresse naqueles minutos. Dessa forma faltam menos de duas horas para que o bandido chegue, e é nesse tempo que vemos o filme. O xerife então busca ajuda da população da cidade para formar um grupo e, dessa forma, impedir que o bandido (que se encontra com mais 3 comparsas) o mate. E é aí que o filme é fantástico, pois um por um todos os amigos do xerife o abandonam a sua própria sorte. Cada um a sua maneira. Do sujeito que finge não estar em casa e pede para a mulher que ela diga isso ao xerife, ao sujeito que está com ele a toda até que no fim descobre que seriam só os dois a enfrentar os 4 bandidos. “Eu tenho mulher e filhos”, é o que ele diz, antecipando a visão de sua própria morte. A questão é que todos o abandonam para enfrentar sozinho os malfeitores.
O fantástico do filme é que mais uma vez toca na questão que mais me interessa nos últimos anos que é a relação vida pública/ vida pessoal. O xerife diz em determinado momento que ele tem que ficar mas que não sabe porque. Todos pedem que ele fuja, que viva com sua mulher e seja feliz. Há uma questão pragmática nessa fuga que seria a do bandido procurá-lo, e aí sua vida seria um fugir eterno. Ele havia prendido esse sujeito e o bandido não desistiria facilmente. Mas a questão que permeia não é de ordem pragmática. Sentimos que o herói defende o próprio espírito da cidade encarnado em sua figura e na figura da lei. É o que ao longo da película vai se esvaindo nele. A cidade. O tal espírito da cidade é uma ilusão. Todos juram que o xerife havia sido o melhor daquela cidade, mas a maioria não se movimentaria nada além de tirar do bolso o dinheiro dos impostos, ou no máximo fazer um pedido por mais policiais, em duas vias. E ele percebe isso. Percebe que não havia nenhum espírito naquela cidade, eram apenas homens que pela necessidade se aproximavam e que pela necessidade precisavam de proteção. Ele ali era mais uma “part of the machine”. Mais uma arruela, importante, mas nada além disso. E o que também é interessante nesse filme é que apesar de bandido, assassino convicto, este possuía amigos na cidade. Pessoas que não lucravam com a paz da cidade. Pessoas como o dono do hotel e o dono do bar. O bandido comumente é protegido apenas por pessoas más por natureza como ele. A cidade, ou algumas pessoas, veladamente o protegiam. Isso é de uma ambiguidade fantástica. Então para quê tudo isso? Para quê proteger as pessoas? O herói, de alguma forma, acreditava naquelas pessoas e naquele modo de viver e se sentia protegido por aquela áurea de comunidade que o cercava. E é aí que o filme destrói, porque mostra que isso não existia. Uma outra cena digna da eternidade é a cena da igreja. O xerife busca na cidade, homens que poderiam ajudá-lo a capturar o vilão e não ter que fazer estardalhaço. Chegando a igreja ele é muito mal-recebido pelo padre. Mas aí ele aproveita a reunião de todas aquelas pessoas na igreja, as crianças são colocadas para fora (as mulheres ficam) e se delibera sobre o que fazer. Coloca-se como a cidade agora era boa de se viver e criar os filhos, e isso por causa da ação do xerife; que se paga impostos para se ter mais policiais e que portanto os homens não tem que sair por aí atirando; que é um absurdo eles todos ficarem falando quando na verdade a questão era com a cidade; e que na verdade era aquilo um problema pessoal do xerife com um homem que ele prendeu, e portanto os cidadãos não tinham nada com aquilo. E ainda que a questão era como um tiroteio daquele mancharia o bom nome da cidade, a opinião de um político (no sentido ordinário da palavra) o que atrapalharia futuros investimentos na cidade. Por fim o padre é convocado para uma opinião e como alguém muito acostumado a lidar com as dores da alma, ele diz “Não sei”, e expõe a contradição de alguém que diz todo dia “não matarás”, mas que tem pessoas organizadas e preparadas para matar. Eu arrepiei. Esse sempre foi pra mim o verdadeiro potencial da religião, a questão da formação de vinculo social, de um espaço legitimamente público.
O espírito da cidade aos poucos se esvai completamente. O xerife então tem que enfrentar o bandido sozinho, e vai ao encontro dele. Preserva-se a estrutura herói/bandido que me dá nojo, mas de alguma forma expõe-se as contradições, as hipocrisias e os moralismos. E se não fosse pela questão de ter que se matar ou morrer, porque na verdade temos que tomar decisões como a do xerife várias vezes ao dia, acharia um filme perfeito. Os filme americanos, apesar de quase sempre duros, estáticos, partem de premissas interessantes, mas tal qual as novelas brasileiras têm que matar seus bandidos e glorificar os heróis. Não há diálogo possível, os bandidos tem na maldade a raiz e a solução dos problemas. Ouvindo de Bush que há o eixo do mal entendemos agora porque o filme é visto na Casa Branca. Só muda uma coisa. O dono do hotel dessa cidade é que é de fato o xerife.