Friday, November 23, 2007

O fascismo nosso de cada dia – Prefácio

Rafael Prosdocimi


Há alguns meses, através das palavras do Juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, no parecer do caso Rycharlyson, presenciamos umas das maiores demonstrações explícitas de homofobia já contidas num documento oficial no Brasil.

O jogador de futebol do São Paulo, Rycharlyson havia entrado com uma ação por danos morais contra um cartola do Palmeiras que teria dito ao vivo na televisão, que o jogador seria homossexual. O juiz Manoel rejeitou a ação do jogador e, não contente com isso, despejou uma vasta verborragia homofóbica em seu texto que defendia a virilidade constitutiva do futebol brasileiro (o parecer completo se encontra em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1816056-EI6598,00.html).

Tendo em vista seu potencial normativo, tal documento é de importância fundamental na luta pela democracia no país. Assim sendo, ele foi execrado pela opinião pública, pelos movimentos sociais, e por outras instâncias do judiciário, que perceberam como tal parecer viola direitos fundamentais. O texto, absurdamente infeliz, continha sentenças como as seguintes:

- No caso do jogador, "se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados…";

-"Já que foi colocado, como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não homossexual";

- "O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o idea...";

- "Para não se falar no desconforto do torcedor, que pretende ir ao estádio , por vezes com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de perder-se em análises do comportamento deste, ou daquele atleta, com evidente problema de personalidade, ou existencial".

O parecer continha ainda uns versos de uma música. Mais tarde descobri que a música é a que se encontra aqui embaixo. Seu título é uma boa dica de como o juiz entende a justiça nesse país. O lamentável parecer, recheado com as pérolas supracitadas, tem como desfecho a defesa do magistrado dos princípios de um “acordo de malandro”. Coitado do Malandro como diria o Chico Buarque.

Esse parecer nos levou a pensar com mais seriedade a importância e o poder de um juiz no nosso país. O absurdo do texto traz em primeiro plano a moralidade do judiciário, o ódio, a pessoalidade, naquilo que muitos tomam como impessoal, neutro, e no ideal: justo. Nesse sentido agradeço a “seu” Manoel por nos fazer ver, analisar e destrinchar a contingência de decisões tão importantes no nosso país. O absurdo do preconceituoso de suas palavras nos lembra o seu inverso: a possibilidade de potência dos nossos atos, do que podemos frente à barbárie. Para mim o texto do juiz Manoel nos lembra que a vida não funciona de forma automática e que as coisas acontecem na medida que as fazemos acontecer, para o bem e para o mal.

Acordo de Malandro
Bezerra da Silva

ai gente boa
se num tem intimidade com caneta
mete o dedão no papel que tá assinado nosso acordo, malandro

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

esse morro é muito grande
vamos fazer um tratado
daqui pra baixo é seu
daqui pra cima é meu lado
e não me quebre esse acordo
senão, malandragem vai virar presunto
a funeraria do morro
tá me cobrando defunto

você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

o seu campo tá muito minado
perigo espreitando por todo lugar
malandro esperto que sou
não piso do lado de lá
porem, você fique sabendo que tá proibido pisar do meu lado
se subir, vem caminhando
mas descer só carregado

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

cada um na sua area
cada macaco em seu galho
cada galo em seu terreiro
cada rei no seu baralho
duas fases positivas quando se encontram só dá explosão
se você quebrar nosso tratado
vai levar eco do meu "três oitão"

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu

mas você manda lá embaixo
aqui em cima quem manda sou eu
eu não piso em seu terreno
nem você pisa no meu