Tuesday, January 30, 2007

Ai o Chicote nosso de cada dia...

Lendo isso pensei quais seriam os chicotes, os guerreiros e os escravos de nossos dias...

“A política existe quando a ordem natural da dominação é interrompida pela instituição de uma parcela dos sem-parcela. Essa instituição é o todo da política enquanto forma especifica do vínculo. Ela define o comum da comunidade como uma comunidade política, quer dizer, dividida, baseada num dano que escapa à aritmética das trocas e das reparações. Fora dessa instituição, não há política. Há apenas ordem da dominação ou desordem da revolta.

É essa pura alternativa que um relato de Heródoto em forma de apólogo nos apresenta. Esse relato-apólogo exemplar é dedicado à revolta dos escravos dos citas. Os citas, diz ele, têm o hábito de vazar os olhos daqueles a quem escravizam, para melhor sumbmetê-los à sua tarefa servil, que é ordenhar o gado. Essa ordem normal das coisas viu-se perturbada por suas grandes expedições. Para conquistar o país dos medos, os guerreiros citas embrenharam-se na Ásia e lá ficaram retidos o prazo de uma geração. Enquanto isso, nascera uma geração de filhos de escravos, que cresceu com os olhos abertos. De seu olhar para o mundo, havia concluído que não tinham razões particulares para ser escravos, já que haviam nascido da mesma maneira que seus senhores distantes e com os mesmos atributos. Confirmados, pelas mulheres que ficaram em casa , nessa identidade de natureza , eles decidiram que, até prova em contrário, eram iguais aos guerreiros. Em conseqüência, cercaram o território com um grande fosso e armaram-se para esperar de pé firme a volta dos consquistadores. Quando estes retornaram , pensaram que facilmente esmagariam com suas lanças e arcos , essa revolta de vaqueiros. Mas o ataque foi um fracasso. Foi então que um guerreiro de bom conselho avaliou a situação e assim expôs a seus irmãos de armas:

“Sugiro que deixemos aqui nossas lanças e nossos arcos e que os enfrentemos empunhando os chicotes com que fustigamos nossos cavalos. Até agora, eles viam-nos com armas e imaginavam que eram nossos iguais e de igual berço. Mas quando nos virem com chicotes em vez de armas, saberão que são nossos escravos e, compreendendo isso, cederão”.

Assim foi feito, e com êxito: surpreendidos por esse espetáculo, os escravos fugiram sem lutar.”

(Jaques Rancière “O Desentendimento” p. 26-7)

Monday, January 15, 2007

Cachorros e Cachorras

Eu queria chegar na praça com meu cachorro e não ter que viver o Brasil até mesmo no latido de uma cadela. Realmente gostaria de por algum momento tornar-me o “sueco em trânsito” braguiano.

Ontem à noite fui passear com as duas poodles de minha mãe numa praça perto de casa. Depois de um tempo, quando já pensava em voltar de novo para casa, aproximou-se de “nós” uma jovem mãe armada de filho pequeno e babá. A mãe era dessas que a gente diz que até há algumas mais bonitas no mundo, não muitas, mas há. Ela se aproximou dizendo que seu filho gostava de cachorro. Perguntou se as cadelas mordiam e aquele papo chato de praça e cachorro, quantos anos, nome e blablá, mais repetitivo que mascada em boate. Então a moça logo colocou seu filho sentado no chão para brincar com as “minhas meninas”. Foi aí que chegou um cãozinho vira-lata, simpático na sua timidez pretensa e malandragem. Os vira-latas são exemplos perfeitos de condicionamento. Mas não apenas eles como veremos mais à frente. Esses cães chegam pisando macio e, frente a qualquer movimento brusco de um ser humano próximo, dão logo uma carreira e somem de vista. Esse mesmo cãozinho já tinha fugido de mim algumas vezes, quando se aventurou noutro canto da praça a cantar minhas meninas, como se elas fossem umas quaisquer. Ele corria, mas sempre voltava, fingindo que não era com ele, só faltando mesmo olhar pra cima e assoviar.

Estávamos eu, a Luna, a Panqueca Brewster (vulgo Punk), o garotinho e sua mãe, a babá, quando o cãozinho foi se aproximando no seu passo cuidadoso, quando, subitamente a cadela da mãe do menino virou e grunhiu: “Sai cachorro...ai, sai seu cachorro favelado!!!!”.

Bom, posso dizer, com uma sinceridade que processo pouco no meu dia-a-dia, que senti um profundo asco por aquela mulher, e que fosse um rato gigante na minha frente, não produziria esse sentimento tão arcaico e inominável. Bastasse ser obrigado a ler nos jornais que “um menor foi preso quando assaltava um adolescente”...ou que no Brasil “o povo é contra a opinião pública”...agora tenho que ouvir uma mulher brincando com um bando de cachorros e que de repente vira e fala para um terceiro (também cachorro) “sai cachorro”. É muita sociologia para uma passeada noturna com cachorros. Agora há cachorros e cachorros. Os segundo são os favelados. E são completamente diferentes. Uns fazem amor, outros trepam como animais. Uns se alimentam de forma balanceada outros comem qualquer porcarias. Uns pedem alguma coisa, os outros latem. Uns são quase gente e o os outros são animais imundos. E será que estamos a falar de cachorros?

A cadela, digo a mulher, agora vai dedicar sua vida inteira a condicionar seu filho a ser um garoto medíocre de zona sul. Capaz, no entanto, de aprender direitinho o “politicamento correto” e se dar bem na vida. Como diria o Zappa, temos que ter muito cuidado ao deixar nossos filhos com as famílias. Elas são muito perigosas.