Friday, September 23, 2005

Certas Coisas

É preciso que saibamos certas coisas, coisas que pensamos ter certeza, das quais nunca duvidamos, coisas que a mediocridade ensina, nós ensinamos às pessoas e depois falamos a elas que foi a vida, quando na verdade aprendemos com nossos pais e com nossas incertezas e medos, que também são chamadas de tradições. Diz Nietzsche que é preciso tomar cuidado com os primeiro passos, porque eles serão quase sempre “bons”.
Por favor, pare um pouco. Façamos uma pequena experiência. Pense no que é contrário, o oposto de “Não”...Ah é óbvio, você dirá que é “Sim”. Está errado. E não é pouco, está muito errado. O contrário de não, não é outra coisa que “não” não. Chamamos o oposto de uma coisa de outra coisa, colamos um verdadeiro inegável acoplado e pronto. Uma coisa assume uma outra fantasia e parece ser uma coisa que não é, e esse sujeito fantasiado entra na festa, nós achamos uma coisa, mas é outro e isso tudo faz o maior estrago. Diz também, um sujeito argentino e muito tosco, chamado José Ingenieiros, que a honestidade não é uma virtude. De forma brilhante ele sustenta que a única coisa que o honesto faz é não roubar, e não roubar não é virtude alguma. Para “nosotros” não roubar passa a ser uma virtude, posto que o contrário de algo ruim é algo bom. Santa mediocridade. Não bater em uma criança não faz de mim um bom rapaz.
Quem não rouba não é ladrão, e não ser ladrão não é nenhuma virtude. E assim a relatividade das coisas faz ver no não canalha um homem bom. Na mulher que não é bonita uma mulher feia. No homem que não chora um sujeito feliz. A vida é mais difícil que isso, sinto muito. Há uma positividade no vício assim como na virtude, assim como num semivicio, ou num hábito estranho. Bondade não é ausência de maldade. Ausência de maldade é ausência de maldade. Atribuir 1 pra sim e 0 pra não, é o que faz o computador e deveríamos fazer um pouco mais que isso. Ou não.

Friday, September 02, 2005

O retorno do fracassado

Eu fui criado em fins dos anos 80 e começo dos 90. Os meus heróis eram fortes, corajosos, e muitas vezes enviados de Deus, pois ninguém, pelo menos desse mesmo mundo, conseguia me explicar a “sacação” de filmes como “Rambo”, “Predador” e “Duro de Matar”. Essa “sacação” sugeriria serem estes alguns dos chamados divinas santidades, pois, realmente, faziam milagres. “Comando para Matar” é sem dúvida o melhor exemplo desses filmes, o sujeito não contente em pular de um avião matava pelo menos 400 sujeitos em 12 horas. Vocês que façam as contas. De qualquer forma tudo demonstrava a infalibilidade de nossos heróis, algo que deveríamos seguir. Os fígados atuais, ou pelos menos que sobrou desses órgãos, de alguns jovens que seguiram a dieta de Mr. Van Damme poderiam talvez atestar o que digo, vitimas de uma enxurrada de anabolizantes.
A vida era uma aventura, da qual sairíamos mortos ou vivos, não importando, mas sempre divertidos e elétricos, porque tudo, mas tudo, era questão de vida ou morte, e no limiar dessas coisas o nosso herói ainda fazia uma graça qualquer, como quem desdenhava de morrer, pra ele talvez a “vida não é uma só”, devem ser muitas. James Bond é o sujeito caricato dessas histórias, a morte é tão distante que nada nos faz pensar nela, nem o tanque repleto de tubarões, ou o barco que afunda, o carro que explode e o avião que resolve dar um tempo e cair a 10.000 pés.
Eu sei que aos 17 anos li aquele “Amanuense Belmiro” e minha vida nunca mais foi a mesma. O tal Belmiro era o fracasso incorporado, o sujeito que tinha como meta de vida paquerar uma colega, mas que nunca conseguia, e sua vida se resumia a ir beber com os amigos, um bando de malas que discutiam e brigavam pelas mesmas coisas, lembrava muito alguém que tinha 17 anos e não conseguia paquerar a colega, e cuja alegria consistiria em tomar cerveja no bar com os amigos (que não eram chatos assim); mas só se o garçom não cismasse com nossas caras imberbes e não pedisse a tal carteira de identidade, momento esse de grande drama, a lá Baggio, 1994.
E na velhice e na formação de pelancas de caras como Bruce Willis, Stallone, Szchazzeneger e Van Damme os filmes de ação (não no sentido arendtiano, que fique claro) perderam todo o charme. E aí entra em cena o Paul Giamatti que fez “American Splendor” e “Sideways” e a vida medíocre de todos nós, volta, retorna. Aí a decisão nunca mais será de vida e morte, e sim de qual fila entrar no supermercado, e a escolha das palavras a serem ditas a tal mulher que é feia, decisão nunca acertada pelo fracassado. A mediocridade arromba a sala, a estante, a televisão. O subtítulo de “American Splendor” acerta onde dói, e proclama o surgimento do banal e do tédio na vida humana: “Até uma vida bastante medíocre pode ser muito complexa”. E eu falaria de “Adaptação” com Nicholas Cage, um sujeito feio, com uma barriga horrorosa, e ainda careca que tem pensamentos bem Woodallenianos, que aliás pode ser considerado o grande mentor de todo o surgimento desse apogeu da mediocridade retornada. E a vida que todos levamos representada pelo ônibus, pelo “bater ponto” no trabalho, pelo relógio sempre consultado com atraso e pelo embaraço e vergonha de uma vida tão sem graça, resolve aparecer também no cinema, o que não sei se é bom ou ruim. Toda essa ética e estética da mediocridade, esse elogio do idiota incapaz de sustentar um sorriso, vai constituindo todo o espírito de nossa época. Lembro do tempo que dizia “eu sou um bosta” e sem querer concordar com tal frase me disporia a fazer o que quer que fosse, incluindo o maior desafio de todos que sempre foi se dispor a sustentar um sorriso feminino. Hoje em dia, responderia eu à pergunta “você é um bosta?”. Sim.
Lembrei de tudo isso quando me veio a memória, de forma insolente, pois não havia chamado, um filme com a Jennifer Aniston, “Por um sentido na vida” (um bom título para um filme medíocre) e na discussão que tive com Ela (agora na Inglaterra) e sua conclusão sobre o filme tão errada e interessante, dizendo muito dessa sujeita.
No filme, a personagem principal era casada com um sujeito, feio e gordo, um pintor de parede que tinha todo o gosto na vida em fumar maconha com seu amigo. Ela era caixa de um supermercado. Os dois não conseguiam ter filhos, mas continuavam tentando sem muita alegria. Ela conhece um outro. Um rapaz que se autoproclamava Holden Caulfield por causa do famoso romance “O Apanhador no Campo de Centeio”. Um menino muito idiota disfarçado de qualquer coisa interessante. Um desses incompreendidos pela vida. Os dois começam um romance. Ela fica grávida. Enquanto o marido descobre que ele é que era o estéril. Bom, aí vocês pensam, ela abandona o marido e fica com o rapaz que lhe dera o filho. Esse filme não é tão óbvio. Ela abandona o menino e volta pro marido que não se pergunta (nem teria muitas condições cognitivas pra tal façanha) sobre a relação entre ele ser estéril e sua mulher estar grávida e aí acaba o filme. Ela que se encontra no velho continente ousou pensar que o marido teria qualquer papel nesse filme que não o não-papel. Ele é o que não vai traí-la, não vai abandonar o filho ou a casa, não vai faltar ao jogo de beisebol do filho e não o fará chorar (o que não garante nada). O tal “sentido da vida” era só o filho e nada mais. O marido é só uma garantia de poucas perguntas, poucos problemas e nada mais. Ela sabia que o menino amante era idiota e louco (o que lhe traria problemas) e que o marido era ainda mais idiota, mas quieto (sem muitos problemas). Um idiota desses, que não traz problemas por não saber como o fazer. Eu sei que quando vi esse filme, havia aquela magrela na minha cama, e que paramos o filme pelo meio, transamos pela última vez, ela chorou durante, eu não percebi porque, ela foi embora (e não só da minha casa) e eu terminei de ver o filme sozinho e assim fiquei um bom tempo.