Espancaram uma criança na minha rua. Largaram ele desmaiado na calçada. Cheguei havia uma 15 pessoas ao redor da criança, já acordada, sentado e com a cara sangrando... pingava sangue de seu rosto negro. 12 anos, no máximo. Parei.
Da onde vem minha covardia, minha fraqueza? Meu silencio, meu consentimento?
As pessoas ao redor continuavam espancando o menino de 12 anos sentado e sangrando. Questionavam o que ele fazia de errado pra ter sido espancado. Perguntavam por seus comparsas. Ameaçavam a criança. Ele é quem fora espancado tentei falar. Aproximei-me e tentei não ser baixo e medíocre. Perguntei pelo atendimento médico a um policial, que me encarou. Tentei argumentar com o policial que achava normal, e não parecia notar nenhum problema naquela cena. Ainda disse, esses assim, menores é que são os piores. Quis dizer, falar, mas não disse. Ouvi uma senhora dizer para a criança que fora espancado, “menino vocês tem que parar com isso, parar de roubar, tem que ir trabalhar”... Ninguem procurava identificar o carro com os agressores, com os violadores daquela criança. A certeza que o menino tentara roubar um carro, justificava toda e qualquer agressão. Era eu o menino. Sentado, sangrando, e enquanto meu sangue pingava em minha mão, ouvia pessoas me xingando. Tentei imaginar essa cena, mas não consegui, nunca seria eu. Eu sou branco, eu nunca passei por nada parecido, eu sou rico (a certeza do tamanho da miséria que há no Brasil, e principalmente em Belo Horizonte com o tamanho da periferia que sustenta todo esse luxo de Belvederes e Sions, proporcionalmente aumenta minha riqueza. Para os cientistas sociais mais otimistas proponho um conceito de classe social que passe a questionar se o sujeito alguma vez já foi tratado como um pequeno rato sujo....)
Tentei argumentar que nada justificava aquilo. O policial falou que logo levariam ele para um hospital. Meus fragmentos, minhas covardias, meus medos. Minha certeza (que me acompanha a tanto tempo, ora amena e ora aguda) de que sou filho disso aí, dessa burguesia aristocrática, e que minha existência a ela continuará conectada, ligada por minhas artérias a isso de mais podre e mesquinho, enquanto dela retirar os meus minutos, o meu pão, enquanto nesse lugar sugar o sangue do povo. Na hora que vemos uma criança espancada, um menino de 12 anos sangrando, cercado por pessoas que xingam e ameaçam essa mesma criança. Pessoas que devem se achar éticas, solidárias, bondosas. Nessa hora a certeza da mediocridade dessa classe muito brasileira abala qualquer possível identificação. Qualquer projeto de alguma coisa. E também confirma a certeza da minha fraqueza e covardia. Confirma a babaquice da palavra e a dificuldade da ação.Vi minha assinatura no sangue que jorrava do rosto daquele menino. Reconheci, era a minha mesmo. Não havia nenhum indicio de roubo. Nada.
Lembrar de ter muito cuidado para não ter filhos burgueses e medíocres como eu. Para quê tanto barulho? Pra quê um blog que ninguém lê? Pra que estudar a emancipação social? A juventude e a transformação da realidade brasileira, se na hora que um menino aparece na minha frente, sangrando, eu tremo e tenho medo (junta covardia e cinismo) e volto para casa certificado de que há algo errado no mundo. Há algo errado comigo rafael. Difícil é fazer as coisas na hora sem ensaio. Farsa. Fiquei com nojo de mim. Sai rafael, volta pro esgoto... E nada de apaziguar essa dor. Ela não é nada frente ao que passou esse menino.