Monday, September 24, 2007

A FARSA CHAMADA BRASIL, sociedade, rafael...

Espancaram uma criança na minha rua. Largaram ele desmaiado na calçada. Cheguei havia uma 15 pessoas ao redor da criança, já acordada, sentado e com a cara sangrando... pingava sangue de seu rosto negro. 12 anos, no máximo. Parei.

Da onde vem minha covardia, minha fraqueza? Meu silencio, meu consentimento?

As pessoas ao redor continuavam espancando o menino de 12 anos sentado e sangrando. Questionavam o que ele fazia de errado pra ter sido espancado. Perguntavam por seus comparsas. Ameaçavam a criança. Ele é quem fora espancado tentei falar. Aproximei-me e tentei não ser baixo e medíocre. Perguntei pelo atendimento médico a um policial, que me encarou. Tentei argumentar com o policial que achava normal, e não parecia notar nenhum problema naquela cena. Ainda disse, esses assim, menores é que são os piores. Quis dizer, falar, mas não disse. Ouvi uma senhora dizer para a criança que fora espancado, “menino vocês tem que parar com isso, parar de roubar, tem que ir trabalhar”... Ninguem procurava identificar o carro com os agressores, com os violadores daquela criança. A certeza que o menino tentara roubar um carro, justificava toda e qualquer agressão. Era eu o menino. Sentado, sangrando, e enquanto meu sangue pingava em minha mão, ouvia pessoas me xingando. Tentei imaginar essa cena, mas não consegui, nunca seria eu. Eu sou branco, eu nunca passei por nada parecido, eu sou rico (a certeza do tamanho da miséria que há no Brasil, e principalmente em Belo Horizonte com o tamanho da periferia que sustenta todo esse luxo de Belvederes e Sions, proporcionalmente aumenta minha riqueza. Para os cientistas sociais mais otimistas proponho um conceito de classe social que passe a questionar se o sujeito alguma vez já foi tratado como um pequeno rato sujo....)

Tentei argumentar que nada justificava aquilo. O policial falou que logo levariam ele para um hospital. Meus fragmentos, minhas covardias, meus medos. Minha certeza (que me acompanha a tanto tempo, ora amena e ora aguda) de que sou filho disso aí, dessa burguesia aristocrática, e que minha existência a ela continuará conectada, ligada por minhas artérias a isso de mais podre e mesquinho, enquanto dela retirar os meus minutos, o meu pão, enquanto nesse lugar sugar o sangue do povo. Na hora que vemos uma criança espancada, um menino de 12 anos sangrando, cercado por pessoas que xingam e ameaçam essa mesma criança. Pessoas que devem se achar éticas, solidárias, bondosas. Nessa hora a certeza da mediocridade dessa classe muito brasileira abala qualquer possível identificação. Qualquer projeto de alguma coisa. E também confirma a certeza da minha fraqueza e covardia. Confirma a babaquice da palavra e a dificuldade da ação.Vi minha assinatura no sangue que jorrava do rosto daquele menino. Reconheci, era a minha mesmo. Não havia nenhum indicio de roubo. Nada.

Lembrar de ter muito cuidado para não ter filhos burgueses e medíocres como eu. Para quê tanto barulho? Pra quê um blog que ninguém lê? Pra que estudar a emancipação social? A juventude e a transformação da realidade brasileira, se na hora que um menino aparece na minha frente, sangrando, eu tremo e tenho medo (junta covardia e cinismo) e volto para casa certificado de que há algo errado no mundo. Há algo errado comigo rafael. Difícil é fazer as coisas na hora sem ensaio. Farsa. Fiquei com nojo de mim. Sai rafael, volta pro esgoto... E nada de apaziguar essa dor. Ela não é nada frente ao que passou esse menino.

7 comments:

Anonymous said...

Eu sabia que você ia chegar em casa e escrever sobre isso que você viu e viveu... é duro ser quem somos, achando que somos impotentes quando isso não é verdade. Somos mais potentes do que queremos ver e somos covardes. É uma boa hora para refletirmos mesmo. De que adianta discutirmos a realidade social, estando dentro na sala de aula, ou na mesa de café? O difícil não é enxergar o mundo, o difícil é assumir que estamos dentro, inseridos, nesse mundo. As palavras soam hipocrisia. Do drama de saber disso ainda rendemos mais algumas conversas na mesa de café e o mundo continua a rodar, sem mudar seu percurso.

Prós said...

É, meu caro. Osso mesmo. Mas se talvez vc tivesse chegado alguns minutos antes e visse o menino cometer algum crime, poderia ter achado justa a coça que ele levou. Não que não fosse pensar no problema da desigualdade social, mas...

Fora isso, somos certamente privilegiados em nosso mundinho (vc mais do que eu, vale notar). Costumo pensar que um europeu jamais vai entender um décimo dos problemas que os brasileiros passam na vida. Eles não têm esses problemas, absolutamente. Isso é algo que dá uma certa raiva, pq eles são assim como vc e eu: veêm essas problemas gerados pela desigualdade passar por eles, mas rapidamente voltam a seus afazeres sem tomar qualquer atitude -- ainda que comovidos.

Precisa-se de ação nesse mundo. Um dia ainda vamos fazer algo pra ajudar os pobres... pelo menos tá nos meus planos... um dia... vamos ver o que rola...

Anonymous said...

Uma vez tive que encarar 6 policiais pra evitar o assédio de um sujeito que mora aqui perto e eu conheço desde novo. O cara vive por aí pegando uns trampos de pintor e auxiliar de pedreiro, mora nos fundos de uma oficina mecânica e ainda tem que ficar escutando merda de 6 otários na hora em que chega do trabalho...

Quase sobrou pra mim, mas no fim eles viram que estavam fazendo merda e saíram fora.

Anonymous said...

A lógica era a mesma: o que poderia estar fazendo um sujeito de roupa esfarrapada e suja de tinta às 23h numa rua onde ocorreram alguns assaltos? Assaltando, claro.

E, no fim, você não fez nada de errado. Não acho que se omitiu. Guarde a raiva pra turba de ignorantes.

Rafa Pros said...

Com certeza Chico somos privilegiados e isso e algo que so percebemos como saimos do nosso lugarzinho, e concordo q sou mais privilegiado q vc, pq vc saiu disso mais cedo, e enfrentou varias outras realidades...

Gabi, a angustia e essa q vc fala, refletir talvez nao esteja se mostrando algo efetivo para mudar a pratica, talvez devessemos mudar a forma de refletir...sei la..

Isso é foda né, barbi, imagina o dia desse pintor e o cara ainda tem q aguentar calado esse tipo de repressao. Foi foda mesmo, na minha situacao, a situacao meio surreal, pq tava cheio de gente, e ninguem percebia a viagem da cena, um bande de adultos interrogando um garoto, se ele tinha tentado roubar ou nao, onde estavam os comparssas e tal, e ninguem q falava algo contrario, minha forma de falar foi tipo, "gente, vao abrir os olhos e tal", e nisso um policial q me deu um chega pra la, depois percebeu q eles tavam fazendo merda...
O q é louco é a facilidade das pessoes em aceitar tudo isso, e nao tem nada haver especificamente com os policiais, me assustou mais o fascismo nosso de cada dia, das vovos aos boyzinho (o q nao e nenhuma novidade, mas q da medo quando a gente ve isso dá...)

Anonymous said...

Sim, eu sei que isso não é específico dos policiais - no meu caso eu fiquei puto porque mesmo depois que eu e mais 5 pessoas dissemos que conhecíamos ele há tempos eles não quiseram deixar o cara ir embora.

Eu tive que sentar do outro lado da calçada pra ver se os caras não iam bater nele ou levar pra um outro lugar. Já vi eles fazendo isso com alguns ladrões de carro na minha rua, e se cismassem que ele era o assaltante, ia sobrar...

Agora, brasileiro é isso mesmo. Covarde, quer solução tipo BOPE e Caveirão, acha que todo mundo pior que ele é ladrão. Foda, às vezes me pego repetindo esse tipo de merda.

Carol said...

Sabe que tava pensando outro dia? Que aprendi que tem BPC e bolsa-família, então não preciso dar dinheiro no sinal... aí fiquei pensando: mas será que esse velhinho sabe que ele tem direito ao BPC? E seu eu fosse ele, onde será que eu ia pra procurar isso? Eu ia começar por onde?
Sem falar nas crianças: "menino, volta pra casa e vai estudar porque sua mãe recebe por vc..." Será? E mesmo se recebe, que fazer daquela mãe que tá ali, levando o menino pra rua pra pedir pra ela? Ela tá ali pq dá dinheiro extra ou pq dá algum dinheiro, que ela precisa?

A gente simplesmente não tem noção do que é a vida dessas pessoas. E te garanto: quem faz política pra elas (mesmo equipado de estatísticas),não tem noção do que é ser pobre.

É uma desigualdade absurda, mas eu tenho fé ainda que as coisas vão melhorar - seja porque já há algumas opções de política sendo planejadas, mas mais do que isso, porque tem pessoas como vc que ainda se inquietam com essa situação. E seus filhos tb vão levar isso de vc, aposto! A gente tb transmite mudanças. (Só não sei o que fazer pra que elas aconteçam mais rápido...)