Tuesday, April 05, 2005

AmarEla?

Rafael Prosdocimi

Engraçado como a vida coloca detalhes no tempo certo e na hora certa, detalhes que de certa forma preenchem de sentido o vazio.
Saí de casa a deixar meus pés me levarem por caminhos que eles conheciam de 15 anos atrás. Caminhos aos quais eu não confiaria à minha memória, mas que os pés quando deixados livres, sempre se lembram. Foi assim que peguei aquela trilha praquele parque de um sol mais amarelo num dia qualquer em 1989 ou 1990. Os dias nesses anos atrás nunca fizeram muita questão de ter nomes. Tanto fazia ser 23, 2, 30, março, junho, fevereiro. No caminho para a praça havia uma outra pracinha, que de fato só servia para os ônibus fazerem a curva, e que possuía um 4 gigante cravado em seu centro. Uma praça vazia, uma praça solitária. Não me lembrava por quais caminhos chegar até ela, como dizia deixava aos meus pés essa tarefa, já que minha mente se torturava em pensamentos tristes sobre minha pobre pessoa. Lembrava Dela e de como havia sido egoísta no trato de sua dor. Dor que eu nunca quisera minha, e que não percebia a necessidade que ela tinha de dividir. Eu lembrava de como a tratava com arrogância, querendo-a do lado distante em algumas vezes para depois suplicar por sua presença sobre minha massa física.
Fui andando meio sem saber se chegaria à praça, não criativamente chamada, praça 4. E foi com um sentimento de sim, as coisas tem sentido, que a vi a um quarteirão de meus olhos. Tentei chorar um pouco, o que não fazia desde muito tempo, resultando essas tentativas em patéticos olhos marejados, que não encontravam força na dor sequer para jogar uma lágrima rosto abaixo. Mais uma vez os olhos encheram d’água, água que cismava na luta contra a gravidade. Olhei pra praça e fui andando agora livre dos tormentos de minha mente, e foi aí que o momento mágico aconteceu...Passou um carro antigo, luxuoso, conservado, um senhor dirigia calmamente, como se não fosse a lugar nenhum, e quando o carro passou vi a sua placa...ela era amarela! Para aqueles que não entenderam a exclamação da última frase, lembro que as placas nem sempre foram cinzas com 3 letras e 4 números. Num passado recente, mas não tão recente, pois provoca dor, as placa eram amarelas e tinham 2 letras apenas. Já faz uns 6 anos que as placas são cinzas. O que não deixa de ser bonito e melancólico: as placas mudarem de amarelas pra cinzas. Foi essa placa do passado que vi, no momento que caminhava praquela praça também removida do tempo. Juntas, a placa e a praça, e eu me vi perto de um Brasil perdendo pra Argentina num gol de Caniggia. A placa foi o detalhe que mudou o quadro. Agora, nesse momento, acho que aquele senhor que dirigia o carro, em sua casa, pensava: “Já são 12:55 tenho que ir andando pra colocar essa maldita placa amarela na visão daquele menino besta, metido a triste...” Obrigado pela gentileza. São esses detalhes que dão gosto às coisas, são esses carros antigos com placas antigas, que colorem um dia triste, são esses momentos colocados nos nossos olhos num tempo mínimo que fazem a crença de que algo vai bem pelo menos.
Em outro dia de surpresa procurava Ela em um show no qual a sabia acompanhada fisicamente de outro. Sabia dela nos braços de um sujeito, e a curiosidade, ou a doença de ser homem, que é uma doença obviamente, levaram-me a procura-la no meio da multidão. Havia talvez 10 mil pessoas no lugar. Havia 3 mil casais talvez. E foi quando passei na sua frente (ela em uma blusa linda e amarela) que vi o sujeito quase a beija-la. Foi na hora que passei, distraidamente, que vi essa cena tão profundamente amarga, que é a cena da nossa moça nos braços de um outro, um outro que claramente a segura mal, que a segura como quem agarra um vaso. Ela se preparava pro beijo, fechava os olhos lentamente, abaixava um pouco o corpo (sim, ele não só era mais baixo que eu, mas era mais do que ela) e curvava o rosto pra esquerda...Foi na curva do rosto pra esquerda que eu passei e vi essa cena nesse momento tão único e tão especial (pra eles), e senti uma dor nunca sentida. Na hora vi que aquilo era algo. Tentei esquecer dela, que estava uma semana atrás, na minha cama, chorando baixo numa última noite (isso só soube tempos depois) de carinho e de encostar a pele uma na outra. Uma noite que a olhei dormir. Olhei para que nem maus sonhos se aproximassem Dela. São desses detalhes que me lembro ao ter que dormir todos os dias. Um me afoga em melancolia por perceber que já tenho um tempo passado de dor (o que deve soar patético e demagógico), e outro me lembra muito de minha solidão incapaz de dar a mão. E tudo me lembra essa cor amarela.

1 comment:

Prós said...

Gostei particularmente da frase: " Caminhos aos quais eu não confiaria à minha memória, mas que os pés quando deixados livres, sempre se lembram." Ficou doido!