Friday, March 10, 2006

IRONIA

Rafael Prosdocimi
“A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida” – Vinícius de Moraes

Havia senão o amor, a esperança dele. Desistia momentaneamente de achar que a esperança seria algo ruim, o maior dos vícios segundo Nietzsche. Esse sentimento que paralisa o corpo e nos faz esperar. Na verdade, sentia uma cálida presença, uma proteção, mas que não era, em absoluto, o amor. Era isso sim: a esperança. Gostava dela, de ficar nos bares até o momento em que tínhamos que ir embora sem nem mesmo querer. E os beijos, os olhos essas coisas. Sentia sim um tesão, reprimido e meio rouco, mas sentia.
Ela se dizia cansada de ver os nomes de seus homens passados, em listas que poderiam ser até mesmo de coisas a se comprar no supermercado. Eu gostava dela, mas toda minha arrogância e hipocrisia, já prediziam que nada haveria ali de acontecer. Seríamos nomes na lista de cada um. E nos buscávamos, talvez mais pela esperança e pelo medo de nos perdemos na esquinas da vida, do que pela certeza de nos querermos juntos. Ela teve a força de me fazer encontrar com a vida, com a vontade, com o encontro do caminho perdido que há em segurar uma mão, segurar um ventre, e puxar, encostando corpos.
Como o velho filósofo do filme “A Excêntrica Família de Antonia” interpretava meu papel na desolação e na companhia dos livros. Procurava meu mofo, meu escuro. Minha caverna, onde buscaria lento apodrecer. Era só esse o papel que me caberia naquele filme, ou na minha vida. A amargura, o ressentimento, o bolor. O suicida. Passava os dias em casa, buscando nas minhas abstrações qualquer espaço ou cadeira que me coubesse. Fugia da vida e de todos. Lia Vinicius de Moraes como se eu fizesse parte das encenações do poeta e não fosse, isso sim, a sua própria antítese. O próprio evitador das paixões e da vida. E ela apareceu tímida, fruto de um desejo cotidiano dentro de um ônibus numa manhã qualquer. Deveria ter ficado no cotidiano como muitas e todas as outras, mas passou a me encontrar nas cerimônias das quartas de bar. Ou segundas e terças. E a gente se regava e florescia no álcool e nas palavras. E sorríamos; e pra mim havia nela uma ingenuidade singela, de quem não finge quase nada. Eu gostava disso, combatia minha hipocrisia.
No meio dos um milhão e duzentos mil de Copacabana, no maior show de Rock’n Roll da história, com inocência, convenci-me de que a veria ao acaso. Ficaríamos juntos, abraçados naquele limbo que pode ser, às vezes, o Rio de Janeiro. O céu, o mar, o espetáculo e eu nos braços dela, isso tudo formava meu sonho de uma noite de verão. Havia tanta cegueira em imaginar esse encontro, que o número um milhão e duzentas mil pessoas era pura abstração matemática. E não a encontrei. Mergulhei no álcool buscando aquilo que ela poderia me dar. Aconchego. Afoguei.
Uma semana depois era carnaval. A vontade de encontrá-la existia muito, apesar de fingir pra todos que não. Fantasiava pra mim mesmo que não queria encontrá-la, porque o carnaval é a época de encontros casuais com mulheres aleatórias, que devem nos dar seu desejo e depois desaparecer na tal quarta-feira. Virar cinzas. Mas no fundo queria tanto vê-la, que acreditava pouco nessa minha mentira. Estávamos na mesma cidade por vários momentos e não a vi. Talvez ela havia me visto e se escondeu atrás de braços e troncos, ou mesmo árvores. Não a encontrei. Mas voltei do carnaval aliviado. Aquela exuberância de mulheres, cores e barulhos havia acabado. Voltaria para os braços dos livros, da minha poeira sadia. E também para os braços dela nos bares silenciosos das quartas-feiras.
As minhas cinzas duraram não só a quarta, mas também a quinta-feira. Na sexta sai a fazer coisas para minha mãe. Nessa cidade de 2,5 milhões de habitantes peguei meu carro e parti. É engraçado que, muitas vezes, quando saio de carro, tenho a forte impressão de que o que vejo do outro lado do vidro sou eu estampado na rua. Como se andar de carro fosse a metáfora de percorrer os caminhos de minha vida, um percalço solitário pelos labirintos do que chamo “eu”. Foi o que senti hoje. Caminhava silencioso, lentamente. Parado num sinal olhei pra frente e estranhamente a vi, linda e leve atravessando a rua. Uma buzinada, um aceno que não ocorreu nem no Rio nem no carnaval se esboçou em minha mente. O meu carro metafórico via ali aquela mulher como uma alegoria. E eu buzinaria e ela olharia e me daria um sorriso.
Passeava não pelas ruas de Belo Horizonte, nem mesmo via carros, ou placas e árvores, via a cada esquina o pouco de mim que existe nesses caminhos. O esboço daquela buzina ficou preso na mão que ela dava afetivamente para um outro homem. E ela que ontem me dizia estar doente e de cama, tinha na face o rosado da vida curtida da satisfação contida numa paixão. Eu engoli meus secos...Olhei-a atravessar a rua e ir embora como uma metáfora. E sozinho no carro fiquei ainda mais. Fui embora pra casa.
No caminho ainda vi a avó de minha primeira namorada subindo a rua. Cansada e velha. Ela era eu.

3 comments:

Anonymous said...

Vc também n sabe, Rafael, a falta q m fez. . . Fala pra mim q eu n sonhei, nem foi um delírio, e q ainda ontem tinha um recadinho seu pra mim por aki. . .

Rafa Pros said...

Olha já tá na hora de vc se revelar, hein? Tinha um recado pra vc sim, que bom que vc já viu...Mas a idéia do recado era só essa...vc ver! Aquele seu comentário me fez companhia numa madrugada dessa semana..Obrigado!

Anonymous said...
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