Wednesday, March 15, 2006

O FIO DENTAL DA CARIOCA

Rafael Prosdocimi
É impressionante como algumas coisas, no mais súbito do de repente, adquirem uma substancia...Transformam-se de tal jeito, que tudo que era sólido se dissolve no ar e nada daquilo que Era, de tudo resta. É no momento que ocorrem essas mudanças estruturais que talvez possamos falar do “passado”, com segurança. Foi quando comecei a ouvir Led Zeppelin que Spice Girls e No Doubt adquiriram um aspecto cadavérico e mórbido. Apesar de que são os integrantes do primeiro grupo que possuem este aspecto. O fato é: Muda-se subitamente uma configuração do mundo, que o que não se via antes surge, e o que era mais que sensível de alguma forma vira fundo, paisagem.
O Pentium III garante o título de velharia que o II não possuía. E mesmo que, nesse caso, seja apenas uma mudança de velocidade, o que a principio, não indicaria a mudança de qualidade, acaba nos mostrando que, atualmente, quantidade de tempo diminuída, velocidade, adquire a estranha aura de qualidade. Desafio aos que tem Internet a cabo a usarem a Internet discada, e já pressinto, na realização desse experimento, problemas maiores. Suícidios, morte, destruição de computadores e coisas assim. E mesmo agora corro o risco (em se tratando de informática, nunca se sabe...), de que essas minhas linhas, sobre a Internet e sobre os Pentiums, possam vir a não fazer o menor sentido para alguém que talvez leia isso, daqui a 4 ou 5 anos.
Mas a questão que me intriga mesmo é de natureza cotidiana e banal. A utilização de fio dental. Outro dia descobri que nunca em minha vida havia usado fio dental. Nunca o utilizei da forma certa, como aprendi recentemente. Antes diria que mais compunha o ritual “limpar os dentes”, que me foi ensinado por todas as lindas dentistas que me acompanharam nessa vida, do que realmente limpava os dentes. Antes o fio percorria unicamente os espaços entre os dentes, e esse era o seu habitat no planeta Terra. Hoje, o fio percorre toda a extensão da gengiva, penetra e percorre o espaço onde a gengiva se encontra com os dentes, e entra na carne. Às vezes sangra.
A verdade é que o fio dental passa a não reconhecer a gengiva como barreira, e aí ele vai até onde se encontram os minúsculos restos de alimento escondidos lá dentro da gengiva. Uma descoberta não menos fundamental do que aquela da psicanálise. A descoberta de que sob a pálida presença da consciência, há algo que não só não se conhece como não se pode conhecer. Algo que escondido nos fundos da alma perturba todo o resto da vida. Processos que se repetem e que estão para além do nosso entender. Mas a senhora tapada (a consciência), afinal, descobre que não é senhora do seu lar. Há muito mais do que simplesmente percorrer o espaço entre os dentes. Há que se aprofundar no mistério do oculto, do que não se vê nesse espaço mínimo entre a gengiva e o dente. E tal qual ocorre num processo de análise: Às vezes sangra.
Sinto-me enganado. Quando a gente descobre como passar o fio dental aos 23 anos, surge uma dúvida cortante e essencial, que é: Será que eu não tenho que aprender a fazer tudo aquilo que achava que sei fazer? Será que faço alguma coisa direito na vida?
O Nelson Rodrigues dizia que um homem, aos 18 anos, não sabe nem dar bom dia a uma mulher, e que todo homem já devia nascer com 30 anos. Eu, que me encontro bem no meio do caminho, pressinto que dar um bom dia a uma mulher é algo muito difícil. Significa proporcionar a uma mulher um dia inesquecível, marcado em sua mente com toda a força do carinho. Um dia que tem esse pingo da Vida, que nós guardamos na última gaveta do coração e que, nos dias vazios e frios de afeto, acabamos buscando com paixão, procurando onde foi que ficou essa intensidade do tempo que não é mais.
Paralelo à descoberta das possibilidades recalcadas do fio dental, conheci aquela carioca alta e magra que se conhecia com tanto afinco e amor, que cheguei a sentir que talvez fosse melhor deixá-la ali, deitada, trabalhando sozinha. A gente se acostuma com mulheres que prezam muito o gozo de “nosotros” (a mãe, a empregada, a namorada, a virgem Maria) e quando se encontra uma mulher que liga muito pouco pelo que Falo, e faço...Acaba dando um certo receio inicial, que logo se transforma numa sublime sensação de que nunca se usou o fio dental da forma adequada.
A mudança de paradigma quebra o chão, que de repente parece nunca ter havido. Sem duvida a descoberta da carioca (não arriscaria o plural) foi mais impressionante do que a do fio dental. Más há um charme indefinível nesse pudor bem mineiro. Um certo conhecimento total dos mecanismos de funcionamento do gozo pode levar à fabricação de Pilulas Orgasmáticas das indústrias Merck, cientificamente comprovadas, e não é nada disso. O pudor que se desfaz, na velocidade precisa dos gestos imprecisos ainda ganha desse maquinismo da carioca. Mas que dá medo e é bom demais da conta sô, isso é. É por isso que vejo com apreensão essas moças e moços de um só. Há algo essencialmente experimental no amor que foge a qualquer metafísica do ente. Pois esses ficam aí, o resto da vida, achando que usam o fio dental da forma certa.
Às vezes ao passar o fio dental sangra, e dói. Mas é assim mesmo, deixe sangrar.

2 comments:

Prós said...

Muito bom, mas definitivamente não gostei do título. Se fosse só "fio dental", seria muito melhor ou... quem sabe... "Filosofias de quem, finalmente, aprendeu a usar o fio dental".

Sei lá.
Viva a carioca!

Anonymous said...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel