Monday, November 13, 2006

Tomar parte na guerra ou pegar um papel principal na gaiola?

A nossa vida vai transcorrendo apesar e por causa da gente. É como se fôssemos vários cavalos correndo ao mesmo tempo, a disputar alguma coisa, que nunca sabemos o que seja (alguns fingem que sabem), e às vezes, a gente nos passa, depois passamos a gente mesmo... eu me passo, e depois tomo a dianteira e vai assim. O tal do Freud mandou bem quando falou que a consciência não era dona de sua casa. E eu que tenho medo (e preguiça) dos rituais e dos lugares sacrossantos, não vou aqui me meter com a psicanálise, até porque sou mesmo muito medíocre (e porque não profano) para falar disso. Não saberia dizer, mas vou roubar a citação dele para meus fins particulares. Isso de não ser dono da própria casa é interessante, ainda se pensar que nós somos diversos inquilinos de nós mesmos. Tem sempre alguma coisa nossa que escapa à buscada coerência. Há sempre eu que ainda joga Nintendo e vê os filmes do Van Damme às terças de tarde. E Van Damme nunca ficou muito bem com o Brahms, o Ranciére, ou o Nietzsche. E imagino a vergonha que devem ter passado vários militantes marxistas comunistas revolucionários, ao admirar e se extasiar com uma flor, esse símbolo máximo do ideal burguês. E algumas feministas perceberam que não adianta muito ter lido o segundo sexo, ocupar algum posto importante, se o sonho dourado do príncipe perfeito ainda bate à porta. Se o príncipe perfeito não troca a pelada de terça (a choppada de sexta, ou o sagrado futebol de domingo com os amigos) por nenhuma fralda suja da terra, e que se ela achar ruim continua apanhando e vai ser mal-tratada do ônibus até a delegacia, onde se convencerá que o marido bateu nela por culpa dela mesmo.
E foi matutando sobre isso, de consciência e existência, que um eu, que vinha pelas beiradas, encontrou-me no sábado acompanhado de uma cerveja e de um rock. Fiquei dos 12 anos de idade, até os não posso falar quais, ouvindo roquenrol sozinho, numa sala escura, passando com naturalidade de Oasis a Jethro Tull, entremeado por Led, Beatles, Stones...Ouvindo o rock mais óbvio, enquanto outros jovens se esfregavam em mulheres (meninas)... enquanto havia moças passando lá fora, com os braços livres e soltos, eu ficava dentro de casa, e nem havia aí o Braga para me consolar e me explicar que isso é muito comum. Essa experiência sonora (e existencial) levou à composição do meu tipo e de minhas neuroses, como a de inventar inveja boba de meninos de 13 anos que estão “dandos uns amassos” na menina feia de 11, na outra esquina do Colégio. O que percebo é que tem gente que se esfrega da mesma forma como fazia nos seus 12 anos, e que consciência e existência, pensamento e ação, são dialéticos até mesmo nessa hora. Eu que defendo o abstrato acabo também defendendo o concreto e me perdendo frente a um ortodoxo purista. Ou a um Sócrates sacaninha. Mas a tal dialética, palavra que abre todas as portas nas ciências humanas, acaba salvando. Há necessidade de se afastar, em alguns momentos, para depois voltar à ação. Práxis.
E o eu que vinha morando num bairro de classe alta, de uma pequena metrópole brasileira, acabava encontrando comigo que vinha sendo marxista em tempo errado, socialista, democrata radical e o escambau. Mas o adolescente que ouvia musica (certo seria dizer canção) como quem ouve poesia, ao escutar certa vez, num rock, a pergunta, a pergunta fatal... se ele trocaria a caminhada em parte da guerra por um papel principal numa gaiola... ficou parado pensando... E é uma pergunta essencial, tipo quebra-cabeça de 1000 peças, boa para pessoas de 8 a 80 anos. Eu agora ouve Paulo César Pinheiro, lê Cyro dos Anjos, bebe, tem trocas corporais, não fuma, sua, é coabitado por outros hábitos burgueses, indigna-se com a dominação por toda a vida social da forma capitalista liberal de ver a vida (a que, entre tantos outros postulados, diz que você deve extrair o máximo gozo da mulher, ou do parceiro, e trabalhar o mínimo possível para isso), também pensa o que é política, esboça alguma participação, critica muito, discute com os amigos por email, mas permanece fiel a Rubem Braga, nutrindo especial preguiça pelos beats e a sua América selvagem. E o cavalo parou naquela pergunta fundamental que ficou escondida....Tomar parte na guerra ou continuar liderando a vida na sua gaiola? Será que não dá pra convencer as paredes do quarto e simplesmente dormir tranquilo? Mas a existência continua a mesma, a vida continua besta, o almoço continua sendo servido e os pratos lavados por mãos negras. E o carro continua naturalmente parado ali na garagem. As pessoas continuam dormindo na rua, e continuamos a falar do frio de rachar sem conectivos entre essas duas ultima expressões...E a existência continua dependendo dos nossos movimentos e não das nossas perguntas que continuam sendo essenciais para saber se tomar prozac ou não. A gasolina aumentou muito, a cerveja, o arroz, o feijão, mas é o preço da coca-cola que assusta. E tomar parte na guerra na casa da sagrada mãe é sempre muito fácil. A toda hora se pede “altas” e pára a brincadeira como qualquer “carta-branca” dos jogos infantis. A consciência revela a necessidade do salto na existência. Não o performático, mas o real. O salto no mundo. Tomar parte da guerra não é uma escolha simplesmente. É a escolha.

5 comments:

Rodrigo said...

Pô Rafa, perfeito. Muito bom mesmo. E vc não acredita que outro dia é que, ouvindo essa música no fone de ouvido (só no fone que a gente repara melhor na letra) - é que eu fui entender o que significava este trecho, essa frase mesmo. Tomar parte na guerra ou liderar na gaiola. Que viagem isso!
Realmente é interessante esse lance de vários eus, até uma vez escrevi sobre isso, Demônios, acho.
Mas acho que a flor só um ideal burguês se você quiser, as flores já existiam antes. Como também o aproveitar o máximo o/a parceiro/a (como a vida), trabalhando o mínimo para isso. Isso não é burguesia nem capitalismo, é instinto meu caro. Não culpe o instinto pelo resto podre.
E acho que a saída é mudar de cidade, não? Conhecer o mundo? Não que isso seja a guerra do Waters, mas é a melhor alternativa ao prozac, ainda mais para um psicólogo.
E, honestamente, os beats e sua América (ou Brasil) selvagem têm cada vez mais a ensinar a nós, urbanóides, eu acho.
Abração,
Rodrigo.

Prós said...

Doido esse texto. Eu acho que a gente é meio hipócrita e várias vezes me sinto mal por causa disso. Não sei que música é essa, mas acho que a gente tem "parar de falar e fazer" algo que possa ajudar/melhorar a sociedade mais diretamente do que produzindo apenas cultura intelectual (já é alguma coisa, mas é muito pouco -- quase nada).
Minha idéia hoje é montar um ONG de ajuda social mesmo, já tenho algumas idéias e algumas pessoas engajadas, mas estamos só começando. Temos que passar essa idéia adiante.
[]s!

Rafa Pros said...

Bom Rodrigo, o lance da flor é mais uma zoação mesmo, é claro que ela não é ideal burgues coisa alguma...Quanto a trabalhar o minimo para render o maximo nao concordo muito com vc nao...acho que é capitalismo mesmo, transformar pessoas em coisas e a partir disso buscar sempre lucro, a custa de qualquer outra coisa.
A coisa dos beats é provocação pq eu não gostei do que li...achei (pré)adolescente...mas talvez devesse conhecer mais..
Uai chicão acho que só não vale gostar de ser meio hipócrita, mas pelo menos nos senntimos asssim ainda..(pq tem muita gente que não sente nada disso)..e acho que tem que fazer sem parar de falar...Me passa a sua ideia da ONG...eu tenho meio pé-atrás com isso pelo que ja vi, mas vão discutir direito isso depois...
abração
rafa

Rodrigo said...

Mas no seu texto você não falou de lucro, falou de extrair o máximo gozo do parceiro, com o mínimo de trabalho. Isso os índios já fazem há milênios...
Experimenta ler On The Road, do Jack Kerouac (acho que é isso).
Pô Chicão, põe na roda aí, que ONG é essa? Não vai ficar dando farinha pra vagabundo não né? Já te contei minha opinião sobre "ajuda social", né? Mas dá pra fazer muita coisa.
Abraços,
Rodrigo.

Rafa Pros said...

acho que a questão de extrair o maximo a partir do minimo, não é quem fez ou faz primeiro (se indios, ou capitalistas de walt street)..mas sim como a gente faz isso em todos os campos da vida e pq disso. Pq agimos assim a toda hora. ...Um exemplo acho que cabe aqui...a marcação da passagem do tempo por exemplo, pq ninguem marca mais o tempo em termos de lua, ou estação do ano...pq a matriz pela qual vemos se o tempo passou ou não é unica..ou seja segundos... horas...dias...
Já tentei ler on the road, e foi que ele que deu mais sustancia para meu preconceito...
mas talvez seja uma questão de maturidade minha.
tentarei aos 29 anos.