Friday, November 10, 2006

A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA. REVISITADO

Na noite do ultimo sábado, dia 25 de março, vosso estimado repórter da vida passeava de carro pela cidade de Belo Horizonte. Passeava acompanhado de minha distinta e mui formosa senhorita, da irmã dela e do namorado desta. A vida se encontrava livre de aborrecimentos, além daquele proveniente de uma chuva fina. Uma chuva de março como diria um meteorologista bossanova. Tudo soava belo e tranqüilo, e mesmo com a chuva, diria até que aquele fora um dia bonito. Estávamos passeando em companhia alegre e bem humorada, indo a caminho de lugar nenhum, sem pressa ou preocupação. O carro nos proporcionava conforto, quase tédio, esta maravilha da natureza. E nesse carro havia o controle da temperatura ambiental, o ar condicionado garantia um frio bastante aconchegante. Sentia-me um europeu. Avançávamos pelas ruas, sem pensar na vida lá fora. Os carros com ar condicionado parecem nos dizer: “A temperatura do ambiente pode ser controlada”. Mas no fundo, eles nos dizem: “Podem se afastar do mundo, e seguir, como uma célula à parte da vida, independentes do que acontece lá fora”. Eles nos dizem que podemos nos afastar desse mundo daqui debaixo (do mundo real) e fingir que estamos apenas de passagem, o próprio “sueco em trânsito”, de Rubem Braga. Parados num sinal, aproximou-se de nós um menino que, em outro veículo de informação, seria definido como um “menor”.
E nós naquela incrível célula auto-suficiente, nos vimos frente a frente com o mundo, isso porque os vidros, infelizmente, ainda permitem duplo contato visual. E a criança colou seu rosto feio e sujo, no meu vidro, e eu que havia lido na semana passada o psicólogo social, George Herbert Mead, tive que estabelecer um contato intersubjetivo com aquela criança (que ali representava o mundo inteiro). Minha senhorita, ocupada em dirigir seu carro, disse que havia uns biscoitos no carro, e me pediu para pegá-los no porta luvas e dar para o menino. Enquanto abria o vidro, procurava os tais biscoitos no porta luvas, mas não os encontrava. Pedi para a criança esperar um pouco e, enquanto ela esperava e olhava pra dentro do carro, eu continuava procurando, revirando a enorme pilha de cds de dentro do porta-luva.
O menininho, sem me avisar nada, (qualquer coisa, que possibilitaria então uma resposta mais bonita de minha pessoa, e que talvez entrasse até no capítulo 7 de minha autobiografia) falou assim simplesmente: “Me dá um CD...?”
E eu que procurava lhe dar comida não entendi que ele também queria diversão e arte.
Ah... criança que perigo pode ser você com aquele disco da Nina Simone. Não faça isso, continue, por favor, a comer biscoitos. Lembrei-me que o Sergio Porto certa vez encontrou com o Cartola lavando carros, quando de fato o Cartola, já era Cartola. Quando foi confrontado com aquilo que para Serio Porto, seria um paradoxo, um artista daquele estatuto lavando um carro, o músico respondeu ao humorista que ele também precisava comer. Porto pegou o Cartola e naquele mesmo momento o levou para gravar um disco.
Seria aquela criança um cartola, e eu um mau Sérgio Porto?
Na verdade eu acabei dando o biscoito para a criança, até porque, de boca cheia ela ficaria calada.

2 comments:

Carol said...

É difícil conciliar salvação do mundo com nossa vida. Quando a gente opta por entrar na guerra (A opção), a que vc se referiu no post posterior, envolve perdoar-se por pequenas outras coisas não feitas (o cd não dado).
Mas eu ainda não entendo o que é optar. Eu ainda não sei qual é o espaço da política possível de ser ocupado. E tb não entreagria o cd.

Difícil viver aqui.

Rafa Pros said...

quando vc diz Aqui...
vc diz num blog? (:))

A opção de entrar na guerra acho envolver nem pensar nisso e talver dar o cd quando o menino pedir...(apesar do quê não era um cd meu)..
É legal quando vc escreve conciliar a salvação do mundo com a nossa vida, pq de fato, é o que muitas vezes queremos fazer.. Continuar burgueses, sentando na sala grande e vendo dvd, e acabar com a fome, o preconceito, a violencia. (ABRACADABRA)
Mas Nós (eu e vc) vamos constituir a fila dos "tecnicos sociais" que devem dizer o que é melhor sobre os programas, os projetos sociais (a vida das pessoas) as formas de intervir na sociedade...acho que aí, nesse momento, teremos que marcar nosso lugar na politica. Acho que o cd não é uma pequena opção descontada, mas sim a escolha q permite dizer que eu não fiz a opção, pois ela nao é uma opção, no sentido que eu escolho uma mousse de chocolate ao invés de um petit gateau! é a opção! ai ai, mas é dificil viver, alguem disse que era fácil ,mas não é!