Thursday, October 11, 2007

Saindo pela introspecção

Foi sem dúvida vergonha que senti, quando li o comentário de minha namorada, duas postagens abaixo: “Eu sabia que você ia chegar em casa e escrever sobre isso que você viu e viveu...”. Isso porque senti que é claro e óbvio que vou trazendo os meus dramas para o meu mundinho virtual e inexistente. Tudo bem não é tão claro assim, talvez duas pessoas no mundo saberiam que faço as coisas assim (Gabriela que já me conhece mais do que eu mesmo –pois conhece até aquilo que procuro desconhecer em mim, e o Chico, meu primo). Sinto também que a idéia valiosa para mim de que o blog é um espaço público, onde qualquer cidadão pode acessar é só uma idéia, e que no fundo esse espaço não passa de um diário, mais ou menos público. Então o que faço aqui é jogar as coisas no meu “diário” como o fazia Winston no seu real e imutável 1984, recriando aqui uma atmosfera que hoje não há. Dessa forma toda a ação possível vai sendo escamoteada pela introspecção, e a culpa torna-se o único fundamento de ligação com a realidade. Senti uma farsa ainda maior que a do titulo que coloquei no texto anterior. A farsa da farsa. Sabe o fingidor do Bilac, pois é, tipo.

Sinto assim porque frente a determinados movimentos, frente ao fazer, refugio-me num dizer que nada diz. O “sabia” do comentário anterior revela que minha namorada me conhece a ponto de entender como minha forma de agir (não agir) se processa, e como o modo que criei de lidar com a vida, através de palavras, e que a partir de todo e qualquer sofrimento encontrarei sempre a fácil saída do blog. Para alguém que leva a sério “A” política, no sentido da ação sobre os destinos humanos comuns é algo extremamente grave se descobrir criador de um “1984” que definitivamente (ainda) não há. Isso me remete a um grande problema de minha vida e que tem norteado toda a paixão nas ciências humanas que me move. Tudo o que quero saber é como me tornei esse paralisado, que persiste na vida como um esquizofrênico, vendo, fazendo hormônios trabalhar, angustiando, mas não agindo... vai pra casa, abre a geladeira, faz café, e vê um filme à noite. A partir dessa pretensa paralisia tento criar formas de andar, sem andar, para entender porque não ando.

Entendo que a ação política é uma coisa, e o empreendimento intelectual para entender a ação política é outra. Sem duvida Jacques Rancière é um sujeito que pode ajudar a compreender essa distância. Isso porque ele coloca a política em antítese com o saber técnico, ordenado. Um saber definido pela sociedade posto a categorizar e definir funcionamentos e regras corretos. O sujeito político é exatamente esse que sai do lugar normal designado pela sociedade. A política é o erro que expõe a contingência da vida social, expõe as entranhas das coisas como elas são, ou melhor como elas estão sendo, e ainda mais como elas poderiam vir a ser diferentes.

O meu interesse, portanto, é entender porque eu vim a ser e fazer as coisas como faço, e, por outro lado, como fazem aqueles que escapam da perspectiva minha do ordenamento, para repensar e agir politicamente. Penso em Agnes Heller e reflito se será que um dia poderei eu também, sentar, sentir, e por fim entender que isso que fiz da minha vida, eu não poderia fazer diferente, transformando o acaso da vida num destino. O meu. Como diria a irmã de Heller, menos racional que a Húngara, Clarice Lispector: “Prisão seria seguir um destino que não fosse o próprio. Há uma grande liberdade em se ter um destino”.

3 comments:

Kiki said...

Vc não é tão paralisado assim. O seu trabalho envolve uma parte fora das quatro paredes do escritório. Nesses estágios e trabalhos em que você entra em contato com as pessoas e vai até as comunidades você tem uma ação que não pode ser ignorada. Alguém de alguma forma vai ser tocado por você, mesmo que isso não seja evidente a primeira vista. Tenha certeza que as varredoras em Morada Nova não voltaram a "tudo como era antes" depois da passagem de vc e Júlia por lá. Algum jovem do aglomerado da serra, algum velhinho do asilo, algum catador do asmare, alguma mulher na deleacia...alguém teve sua vida modificada por alguma pequena açao sua. Esse alguém é muito pois é um indivíduo. Não só os revolucionários têm ação social. O mais difícil é isso...ter ação social no dia-a-dia e existir para os indivíduos, nao para as massas. Apesar de não ter o glamour da revolução, esse destino não é menor que aquele dos grandes nomes...

Rafa Pros said...

Claro, mas essas ações que faço são mais "efeitos colaterais" das minhas atividades, a questão é que de alguma forma não acho que incorporo isso as minhas disposições mais reflexas. Ou seja, eu não deixo minha posições, e essas atividades todas que são duvidas são bacanas, fazem parte do meu trabalho (como vc bem disse) e não de algo além do trabalho (e que não é de forma alguma voluntariado..)

B. Brandão said...

Complementando o que a Gabriela disse acima, cito Hannah Arendt (discutindo a violência revolucionária): “a distinção entre ação violenta e não violenta é que a primeira é exclusivamente inclinada para a destruição do antigo e a segunda comprometida principalmente com o estabelecimento de algo novo”. Suplementando, ainda a Gabriela, seu trabalho dentro das quatro paredes do escritório é ação criativa - livre dentro do seu destino e dos outros. "Dessa forma toda a ação possível vai sendo escamoteada pela introspecção, e a culpa torna-se o único fundamento de ligação com a realidade". Isto é genial e é falso - porque antes de ser sua pretensão de falsidade, uma percepção como essa ganhando transmissão é criação!!! Continue criando e libertando os destinos!