Saturday, December 08, 2007

PIAUÍ II - eNCAIXe

Rafael Prosdocimi

Em 3 segundos Manoel se lembrou que havia passado a noite anterior com a mulher que ainda dormia ao seu lado. Lembrou-se também que haviam preferido vir para a casa dela. O quarto da mulher era cuidadosamente simples, colchão no chão, sem cama (tipo japonês), uma réplica de Picasso, porta-retrato com cachorro, e na estante livros: psicologia em geral (mais Jung) e umas coisas esotéricas, mas, graças ao bom deus, nada de auto-ajuda. Que bomba essa mistura de psicologia, auto-ajuda e bruxaria. Antes de levantar de vez, ele revirou na cama algumas vezes, virando pros dois lados repetidamente, técnica aprendida com uma ex-namorada pra “acordar quem dorme com a gente”. No entanto, ela não acordou.

Manoel queria levantar, ir embora daquele quarto e daquela mulher. Aos poucos ele se lembrava da noite anterior. Lá ela prestava um interesse supremo nas coisas que Manoel dizia, degustando as belas e portentosas frases que aquele macho alfa proferia. O ápice foi quando Manoel lançou uma frase, roubada de um blog, que reunia Bergman, Lacan e Dostoiéviski, ainda com um Romário cruzando e um Nietszche pra finalizar. Terminar com Nietzsche sempre é bom, Manoel pensava soberano, pois dá a impressão de que no fundo mesmo, a gente não é só um babaca que lê frases curtas de blogs, mas sim um verdadeiro intelectual. Agora, essencial mesmo é o Romário. Ele dá graça à sentença e filtra a obviedade, pois sabe-se que qualquer infeliz, freqüentador de cursos técnicos de formação em filosofia ou “adêvocacia”, coloca o cineasta, entre o psicanalista e escritor russo, com muito queijo, pão com gergelim, tomate e alface. Mas, para Manoel, o Romário, cruza registros entre o acadêmico, e o homem banal, realizando a dialética marxista do homem total (aquele que é meio pedreiro e meio literato), sendo este, no caso, o próprio babaca do Manoel.

Manoel, “empreguiçado” pela tentativa malograda de acordar “aquela que dormia”, como escreveria Saramago, resolveu levantar e ir embora. Ao se levantar, os pêlos do tornozelo dele grudaram na colcha de Chenile. Ele percebeu que era isso que o ligava “àquela quer dormia”, os pêlos do tornozelo dele tensionados contra a colcha dela. Foi aí que se deu conta que era esse o nome da mulher: Chenile. Manoel, na noite anterior havia comentado como aquele era um nome bem interessante, e ela disse algo de maias ou astecas. Em segundos, Manoel fez questão de esquecer de novo o nome daquela que dormia, pois isso já era metade do texto que ele publicaria em seu blog, mais tarde. Melhor ficar com esse nome saramaguiano, até porque trás a idéia da mulher genérica, que não é uma mulher, mas todas. Saindo, da casa lentamente pensou que seria bom lembrar de escrever isso também quando chegasse em casa.

Nichele fingiria que dormia até ter certeza de que o broxa não voltaria. Papo de broxa é foda...

1 comment:

Kiki said...

nonsense total!