Este espaço aqui foi criado meio por acaso, há algum tempo. Eu vinha escrevendo algumas crônicas e pequenos textos sobre a minha sombra e trocando, ocasionalmente, figurinhas com o Chico, meu primo. A idéia de ter um blog passava longe do meu IP. Não me parecia verossímil a seguinte frase, “eu tenho um blog”. Já naquela época sentia que havia muita responsabilidade nessa idéia. E é claro, excesso de nerdice. E ainda sinto o que o Manel, porteiro do prédio onde morei, chamava de “responsa”. Mas voltando ao caso, ou acaso... Estava meu primo aqui em casa e provavelmente comentávamos sobre estilos de escrita, discutíamos quem de nós andava se saindo um melhor Rubem, ele àquela época preferindo o Alves, e eu já apaixonado pelo Braga, o velho lobo rouco, deprê e galanteador de Cachoeiro do Itapemirim. De repente, o Chico falou que era fácil criar um blog, sentou no computador, abriu a página do blogspot e criou o meu primeiro blog, “rafapros.blogspot.com.” Não gostei do nome, mas fazer o quê... A circulação de bites não espera a inspiração da escolha do nome. Mas daí gostei da idéia. E o primeiro texto que lá coloquei, nos idos de 2005 (como me parece outra era), foi um textinho pelo qual nutria especial afeto. Achava bonito o parágrafo final: “Fiquemos então com o improviso, improvisemos mais, deixemos o outro falar, que se espere ouvir pra então se dizer, que se deixe as palavras entrarem na cabeça, fazerem sentido, produzirem uma emoção, uma dor, caminhando pelo trajeto desconhecido da mente e culminando numa grande demonstração de qualquer coisa. Que não sejamos enganados por palavras e falas prontas, que se valorize a capacidade de se estar vivo e presente a cada momento,de responder na hora, de mudar de idéia, de sorrir ou chorar”.
Mas daí esse nome do blog me incomodava mesmo, porque isso não é um nome, é uma propaganda eleitoral. E nessa época ouvia muito o Vinicius afoito que estava com as maravilhas de Emule (ou seria Kazaa ou Napster, quem poderia me dizer?). E uma de suas músicas tinha algo de tão besta e genial que me capturou, “Sei lá, a vida tem sempre a razão”. E nessa música há um verso que é “a hora do sim é um descuido do não”. Isso por si já dá umas três teses. E daí adotei o titulo da música para o blog. A vida tem sempre a razão. E hoje me dei a pensar sobre esse espaço virtual. Desde que ele foi criado sempre me ocupou. Em alguns momentos mais e outras vezes menos. Muitas na expectativa afetivo-sexual-desesperada de que ela poderia ver aquele texto que eu escrevera para a distinta. E foram elas, e elas não viram, na sua maioria. Uma indistinta, no entanto, apareceu sem aviso, leitora misteriosa (que permaneceu no mistério), surgiu interessante e sustentou esse bom mistério, assim se “fono”, como diria o outro. Sei que algum dia, em 2020, vou descobrir quem foi, e com graça direi: “Nunca imaginei que era você...”.
Como uma criança travessa que aguarda ansiosa os resultados de suas artistagens, aguardava eu alguma manifestação mundial gerada por minhas palavras. E houve momentos de puro lirismo. Sei que tenho orgulho do meu blog. Nele (na direção contrária do que esperava) coloquei coisas que me afetam. E agora comecei a pensar no porque disso... Descobri que o meu blog é o meu testamento. É o eu no estado do ideal do eu. O melhor de mim. Nele despejo o que quero que fique de mim no mundo. É a minha obra.
Há algum tempo fiquei bastante espantado e mais do que isso, profundamente marcado por uma questão. Jovens que morriam e que tinham perfis no orkut, mas como ninguém sabia as senhas, tais páginas ficavam abertas pela eternidade (ou até quando o Deus Google permitiu). E lá, na página dessas pessoas mortas, com suas fotos com cachorros, gatos, e mães, havia comentários de um carinho desses que às vezes a gente não se dá o gosto de fazer sentir em vida. Pessoas que na noite anterior entre copos de cerveja se lembravam do amigo morto, e na mesma madrugada, quando chegavam em casa, escreviam para o amigo que já não estava. Imagino a mãe desse menino vendo essas demonstrações tão profundas de amor. E o que é mais virtual do que o amor, hein? Mais desprendido, mais sutil e belo do que isso, essas demonstrações gratuitas de bem-querer.
O meu blog é de alguma forma meu mausoléu que vou construindo em vida, através de palavras e imagens. E isso é de um egoísmo extremo. Venho pensando nisso, e a idéia de um outro blog, mais comunitário, menos meu vem me parecendo muito atrativa.
Com a série “Bares”, quis reverenciar as fontes de onde bebo. E foi no meio desse pensamento que me lembrei de Rubem Braga e da importância desse homem na minha vida. Ele me ensinou um modo de olhar a vida. Num certo sentido foi meu pai, me ninou em momentos difíceis. Ele me ensinou a reparar em ombros. Ele mostrou a hipocrisia de nossas burguesias e inteligentzias. Braga trouxe a ironia e o lirismo para a minha luta de classes. Mesmo que não fosse a dele. A ele devo a melhor garrafa desse bar. Hoje tenho a plena convicção da importância de Rubem Braga para a minha vida, e nada tem a ver com escrever. Tem a ver com meu olhar. Social, político, afetivo, sexual. Desatento, apegado no insignificante. Ácido, mordaz, chato...e sim, rouco.