Saturday, January 05, 2008

Testaminto

Este espaço aqui foi criado meio por acaso, há algum tempo. Eu vinha escrevendo algumas crônicas e pequenos textos sobre a minha sombra e trocando, ocasionalmente, figurinhas com o Chico, meu primo. A idéia de ter um blog passava longe do meu IP. Não me parecia verossímil a seguinte frase, “eu tenho um blog”. Já naquela época sentia que havia muita responsabilidade nessa idéia. E é claro, excesso de nerdice. E ainda sinto o que o Manel, porteiro do prédio onde morei, chamava de “responsa”. Mas voltando ao caso, ou acaso... Estava meu primo aqui em casa e provavelmente comentávamos sobre estilos de escrita, discutíamos quem de nós andava se saindo um melhor Rubem, ele àquela época preferindo o Alves, e eu já apaixonado pelo Braga, o velho lobo rouco, deprê e galanteador de Cachoeiro do Itapemirim. De repente, o Chico falou que era fácil criar um blog, sentou no computador, abriu a página do blogspot e criou o meu primeiro blog, “rafapros.blogspot.com.” Não gostei do nome, mas fazer o quê... A circulação de bites não espera a inspiração da escolha do nome. Mas daí gostei da idéia. E o primeiro texto que lá coloquei, nos idos de 2005 (como me parece outra era), foi um textinho pelo qual nutria especial afeto. Achava bonito o parágrafo final: “Fiquemos então com o improviso, improvisemos mais, deixemos o outro falar, que se espere ouvir pra então se dizer, que se deixe as palavras entrarem na cabeça, fazerem sentido, produzirem uma emoção, uma dor, caminhando pelo trajeto desconhecido da mente e culminando numa grande demonstração de qualquer coisa. Que não sejamos enganados por palavras e falas prontas, que se valorize a capacidade de se estar vivo e presente a cada momento,de responder na hora, de mudar de idéia, de sorrir ou chorar”.

Mas daí esse nome do blog me incomodava mesmo, porque isso não é um nome, é uma propaganda eleitoral. E nessa época ouvia muito o Vinicius afoito que estava com as maravilhas de Emule (ou seria Kazaa ou Napster, quem poderia me dizer?). E uma de suas músicas tinha algo de tão besta e genial que me capturou, “Sei lá, a vida tem sempre a razão”. E nessa música há um verso que é “a hora do sim é um descuido do não”. Isso por si já dá umas três teses. E daí adotei o titulo da música para o blog. A vida tem sempre a razão. E hoje me dei a pensar sobre esse espaço virtual. Desde que ele foi criado sempre me ocupou. Em alguns momentos mais e outras vezes menos. Muitas na expectativa afetivo-sexual-desesperada de que ela poderia ver aquele texto que eu escrevera para a distinta. E foram elas, e elas não viram, na sua maioria. Uma indistinta, no entanto, apareceu sem aviso, leitora misteriosa (que permaneceu no mistério), surgiu interessante e sustentou esse bom mistério, assim se “fono”, como diria o outro. Sei que algum dia, em 2020, vou descobrir quem foi, e com graça direi: “Nunca imaginei que era você...”.

Como uma criança travessa que aguarda ansiosa os resultados de suas artistagens, aguardava eu alguma manifestação mundial gerada por minhas palavras. E houve momentos de puro lirismo. Sei que tenho orgulho do meu blog. Nele (na direção contrária do que esperava) coloquei coisas que me afetam. E agora comecei a pensar no porque disso... Descobri que o meu blog é o meu testamento. É o eu no estado do ideal do eu. O melhor de mim. Nele despejo o que quero que fique de mim no mundo. É a minha obra.

Há algum tempo fiquei bastante espantado e mais do que isso, profundamente marcado por uma questão. Jovens que morriam e que tinham perfis no orkut, mas como ninguém sabia as senhas, tais páginas ficavam abertas pela eternidade (ou até quando o Deus Google permitiu). E lá, na página dessas pessoas mortas, com suas fotos com cachorros, gatos, e mães, havia comentários de um carinho desses que às vezes a gente não se dá o gosto de fazer sentir em vida. Pessoas que na noite anterior entre copos de cerveja se lembravam do amigo morto, e na mesma madrugada, quando chegavam em casa, escreviam para o amigo que já não estava. Imagino a mãe desse menino vendo essas demonstrações tão profundas de amor. E o que é mais virtual do que o amor, hein? Mais desprendido, mais sutil e belo do que isso, essas demonstrações gratuitas de bem-querer.

O meu blog é de alguma forma meu mausoléu que vou construindo em vida, através de palavras e imagens. E isso é de um egoísmo extremo. Venho pensando nisso, e a idéia de um outro blog, mais comunitário, menos meu vem me parecendo muito atrativa.

Com a série “Bares”, quis reverenciar as fontes de onde bebo. E foi no meio desse pensamento que me lembrei de Rubem Braga e da importância desse homem na minha vida. Ele me ensinou um modo de olhar a vida. Num certo sentido foi meu pai, me ninou em momentos difíceis. Ele me ensinou a reparar em ombros. Ele mostrou a hipocrisia de nossas burguesias e inteligentzias. Braga trouxe a ironia e o lirismo para a minha luta de classes. Mesmo que não fosse a dele. A ele devo a melhor garrafa desse bar. Hoje tenho a plena convicção da importância de Rubem Braga para a minha vida, e nada tem a ver com escrever. Tem a ver com meu olhar. Social, político, afetivo, sexual. Desatento, apegado no insignificante. Ácido, mordaz, chato...e sim, rouco.

6 comments:

Anonymous said...

Ler este texto neste fim de tarde, foi um sopro, uma brisa de carinho, de sinceridade e de convicção de que a vida tem mesmo sempre razão!
Rafael, você escreve muito bem, parabéns!

Locadora do Werneck said...

Fontes de que bebo né... sei...

O importante é que emoções eu bebi!

Quanto aos empréstimos, pensaremos em algo.

Locadora do Werneck said...

Estava aqui relendo e pensando nessa coisa do amor ser virtual. É muito assunto para se pensar.

Até onde o amor é virtual? E de quem é a "culpa" disso? Até que ponto devemos deixar isso assim mesmo, e a partir de que ponto podemos exigir mais desse tal de amor - já que não depende só da gente?

Lembrando que amor não é só casamento, tem muitos tipos de amores...

Ai minha cabeça.

Rafa Pros said...

Cara, fiquei pensando nisso aí q vc falou. Putz, e ficou grande...
O virtual tinha entrado na parada meio por acaso. Mas disso tudo q vc falou, tb compactuei com sua dor de cabeça.
Primeiro eu to usando uma noção suja de virtual, sem preocupar muito com o Baudrillard ou sei lá quem. Eu falo q o amor é virtual pq ele não é sempre perceptivel, ele é sempre algo atualizado, que desatualiza, se "esquece" e aí que se sustenta no espaço virtual, mas q não tá ali, em cima da mesa. A questão talvez seja, se desse virtual, ele se atualiza de fato, se faz presente, em sorrisos, flores, e musicas americanas bregas traduzidas na BH- FM. Ou seja, se o que não existe como dado concreto e real, certo e previsivel, se faz presente em algum momento. Agora se o que se faz presente é amor, ou interesse, ou tesão. Isso é um outro problema.
Acho que o amor, depende só da gente mesmo. Falo do amor de cada um. Não acredito q o amor seja uma relação entre dois com igual combinação de transmissão de afeto. (Nossa to pensando como um engenheiro - com todo respeito aos que pensam, mas vamos lá..)
O amor tem a ver com a entrega ao outro, entrega de vc. Do que lhe é importante. A expressão fazer algo com amor cai bem aqui..
As pessoas podem se fechar tanto não deixando sair nada, como podem deixar sair tudo não saindo nada importante.
Mas tudo isso é foda pq o amor é bonito pela sua virtualidade, por depender de coisas sutis mas profundas, e não de garantias pré-dadas. Uma ex-namorada minha dizia que amor é pra vida toda, portanto, se não foi pra vida toda não foi amor. Resolve todas as equações do mundo, mas é falso e todo mundo sabe, inclusive ela. Acredito (sim eu sou piegas) que o amor é o momento q vc se sente no melhor lugar do mundo por causa daquela pessoa ali. Ou daquelas. (eu falo de amizade e não poligamia) Mas isso não acaba, mas vai e volta. Necessita de ser atualizado em momentos e situações diferentes, pq não é uma relação de almas eternas. é uma relação entre seres humanos contingentes e fracos.
"Exigir mais desse amor" é uma dessas sentenças q eu não entendo muito. Pq acho exigir algo estranho, à minha idéia (sim um tanto psicanalista e naturalista, de um passado bom) de amor. A questão do amor é a recíproca. Acho que quando o filme de comédia romantica americano ridiculo funciona, rola uma sensação de completude. Vc viu "Penetras bom de bico"? O casal principal transmite um pouco a idéia de que haveria uma necessidade dos dois viverem juntos para frente, o que nunca, mas nunca mesmo é verdade.

Locadora do Werneck said...

Proto-resposta no meu blog!

Anonymous said...

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