Tuesday, December 13, 2005

ERRO E ACASO

Pensei nessas meninas bonitas, sempre elas que retiram das minhas vontades, qualquer energia necessária para ser um revolucionário perdido, nesses anos 2000. Alguém para mudar o mundo, salvar o planeta do terrível e maléfico “Pequeno Burguês”. Essa entidade que vem e invade nossos corpos e mentes. Essas meninas, que esvaziam minhas ânsias revolucionárias, andam em pleno dia, em qualquer lugar, com uma calculadora na mão. Uma menina que, ao te conhecer, faz as contas: dinheiro, lugar que o pretendente mora, interesses, ambição, “filho de quem” e por aí vai. Somam tudo e pensam se estão interessadas ou não. Tira-se então, a partir dessas contas, a porcentagem de tesão, da vontade, do amor que será despendido. E mesmo as meninas feias, e as pobres, e as japonesas e turcas, fazem tudo a mesma coisa. E até talvez os meninos, e eu, quem sabe. Qual a companhia mais cômoda para você? Esse amor que é geográfico, monetário, racial e narcisista.
Vejo, em todas as estações do ano, e com mais continuidade que o suportável, casais mecânicos, como qualquer outra engrenagem de um relógio velho, ou de uma maquinaria qualquer. Um casal que funciona por procedimentos. Se...Então. Esses casais que se engolem, que se agüentam como o menino doente que toma o remédio amargo, apenas porque é pior ser consumido pela doença e morrer. Parece que a vida, em casal, só pode ser essa a do suportável e nada além (retirem, por favor, a hipocrisia da sala). Acho sempre que as pessoas não agüentam a solidão, (também não precisam amá-la, e disso, sei eu). Basta apenas dialogar com ela, um pouquinho que seja, basta entender que falar, fazer som, não significa comunicação, entendimento, compreensão e tudo isso que nós, psicólogos de merda (como diria o Chico) sabemos. Basta gostar um pouco dessas coisinhas, que passam na nossa cabeça, quando estamos sozinhos. Acho que então teríamos mais o que dizer, mostrar e sentir. As pessoas não agüentam a solidão porque no escuro de seus quartos, junto a suas sombras, elas têm que se haver consigo mesmas. E disso não “dãomos” conta.
Foi andando na rua, sozinho, num sábado, que percebi, senti na verdade... (como quase sempre acontece comigo). Senti com todo a força do mundo, como é um privilégio ser filho de meus pais. Esses propagadores do erro, da estupidez, da paixão. Os meus pais. Esforço por lembrar dos dois juntos, discutindo futilidades, andando na rua no domingo, imersos nas contas no cotidiano, na vida real, de mãos dadas vendo televisão no domingo. Nunca consegui imaginar nenhuma dessas cenas. Nada, ao pensar nessas situações banais, vem de pensamento, nenhuma imagem possível, nada que demonstrasse uma coerência admitida, um arranjo provável para a existência hermética desses dois. Sempre pensei neles como um erro, via isso com tristeza, acreditando na harmonia e na coerência que se faz necessário entre um casal. Desse eterno silencio e calma e quietude e cessão e paz e a quinta de Mozart.
E voltava para essas meninas, que, com calculadoras, pensam quantos anos são precisos namorar, noivar, casar, ter filhos. De quanto dinheiro precisarão elas para sobreviver, para estarem vivas. Retornava a imagem para os meus pais, e em como, de fato, eu não sou filho dessas mulheres que fazem contas, e muito menos desses homens que se tornam números digitais, com uma facilidade acima do normal. Se minha mãe usa a calculadora (e ela usa), é só depois de ter cometido todos os erros da vida, e disso, eu tenho muito orgulho.
Mas os dois tão profundamente separados na vida, ele tão intelectual quanto um conquistador, arrogante e pretensioso, disposto a mil lorotas metafísicas. E minha mãe uma perfeita patricinha, mal-acostumada com esses namorados babacas que lembram o Travolta, nos tempos da brilhantina. Tão leves e alegres. Ela provavelmente queria uma casa grande, e jardim, e batedeira elétrica e um carro e casa em Cabo Frio, aquele paraíso na Terra. E ele provavelmente não queria nada, pois penso que ele nunca quis nada dessas coisas.
Esse erro que me faz alterar a frase, “errar é humano”, reforçando que: “apenas errar é humano”. Todo o resto conseqüente, todos os acertos, diz apenas das máquinas, dos procedimentos frios e enfadonhos. Ela se apaixonou por esse rapaz, achando graça talvez nas suas maluquices (ah, e se disso eu não sei) e ele a achou linda demais, linda pra ficar olhando muito tempo, meia eternidade talvez (ah... mas não apenas). Eles cometeram esse erro de ficarem juntos. E foi um erro tão profundamente belo que acabou, num acaso, gerando o primeiro filho. Meu irmão nasceu no mais lindo encontro do erro com o acaso, o erro da paixão com o acaso da concepção forçada pela Vida, sem a violência provocada pela razão e pela calculadora, sem a conta das fraldas que nunca deveria se feita. E depois veio eu e minha irmã, e a ponta desse acaso nunca deixou de visitar nossos nascimentos. Eu, desejo concreto de minha mãe, desconhecimento assentido de meu pai, e minha irmã um pouco filha dos erros dos instrumentos (única parte de humanidade que cabe aos pobres). Filha do DIU.
Que alegria saber que foi de humanidade e vida e amor, e que de tudo isso vim ao mundo, e agora, e agora, querem que eu me enamore, me case com essas que rastejam e passam suas lágrimas, seus poentes, todas as luas, a fazer contas?
Eu não sei muito mais dessa minha vida. Um sincero, não sei o que eu quero, não sei do acordar bem disposto, só sei que luto e perco todos os dias com o “pequeno burguês” que acaba me levando pra tomar um chope, e me faz achar que a vida é leve e boa e que é isso aí.
Não sei pra onde vou, nem com quem, mas sei (e disso agora, EU SEI) que não vou por aí e nem com você, mocinha, de calculadora na mão.

2 comments:

Prós said...

PUTA QUE PARIU!!!
MUUUUUUITO BOM!!!
IMPRESSIONANTE!!!

Começo hoje o movimento:
Diga NÃO à calculadora!!

Anonymous said...

Infelizmente, nós, meninas, tb vivenciamos td isso Rafa...tá todo mundo contabilizando qnto "custa" cada pessoa...É lógico q é preciso ser prático, mas dá pra ser prático e ainda ser belo...Certo? Bjn