Monday, December 26, 2005

Série: Se ninguém leu Rubem Braga, Sérgio Porto ou Antonio Maria, porque haveriam de ler, afinal, Rafael Prosdocimi...

Dar um Jeitinho
Paulo Mendes Campos


Escrevi na semana passada que há duas constantes na maneira de ser do brasileiro: a capacidade de adiar e a capacidade de dar um jeito. Citei um livro francês sobre o Brasil, no qual o autor dizia que só existe uma palavra importante entre os brasileiro: amanhã.
Pois fui ler também o livro Brazilian Adventure, de 1933, do inglês Peter Fleming, marido da atriz Célia Johnsonm integrante da comitiva que andou por aqui há trinta anos em busca do coronel Fawcett. No capítulo dedicado ao Rio, sem dúvida a capital do amanhã, achei este pedaço: “A procrastinação por principio- a procrastinação pela própria procrastinação- foi uma coisa com a qual aprendi depressa a contar. Aprendi a necessidade de resignação, a psicologia da resignação: tudo, menos a resignação em si mesma. No fim extremo, contrariando o meu mais justo aviso, sabendo a futilidade disso, continuei a emgambelar, a insultar, a ameaçar, a subordinar os procrastinadores, tentando diminuir a demora. Nunca me valeu de nada. Não e possível evita-la. Não há nada a fazer contra isso.
Não é verdade, Mr. Fleming: há uma forma de vencer a interminável procrastinação brasileira: é dar um jeitinho. O inglês apelou para a ignorância, a sedução, o suborno. Mas o jeito era dar um jeito.
Dar um jeito é outra disposição cem por cento nacional, inencontrável em qualquer outra parte do mundo. Dar um jeito é um talento brasileiro, coisa que a pessoa de fora não pode entender o praticar, a não ser depois de viver 10 anos entre nós, bebendo cachaça conosco, adorando feijoada, e jogando no bicho. É preciso ser bem brasileiro para se ter o animo e a graça de dar um jeitinho numa situação inajeitável. Em vez de cantar o Hino Nacional, a meu ver, o candidato à naturalização deveria passar por uma prova: dar o jeitinho numa situação moderadamente enrolada.
Mas chegou a minha vez de dar um jeito nesta crônica: há vários anos andou por aqui uma repórter alemã que tive o prazer de conhecer. Tendo de realizar algumas incursões jornalísticas pelo país, a moça freqüentemente expunha problemas de ordem pratica a confrades brasileiros. Reparou logo, espantada, que os nossos jornalistas reagiam sempre do mesmo modo aos galhos que ela apresentava: vamos dar um jeito. E o sujeito pegava o telefone, falava com uma porção de gente, e dava um jeito. Sempre dava um jeito.
Mas, afinal o que era dar um jeito? Na Alemanha não tem disso, não; lá a coisa pode ser ou não poder ser.
Tentei explicar-lhe, sem sucesso, a teoria fundamental dedar um jeito, ciência que, se difundida a tempo na Europa, teria evitado duas guerras carniceiras. A jovem alemã começou a fazer tantas perguntas esclarecedoras, que resolvi passar a aula prática. Entramos na casa comercial dum amigo meu, comerciante cem por cento, relacionado apenas com seus negócios e fregueses, homem de passar o dia todo e as primeiras horas da noite dentro da loja. Pessoa inadequada, portanto para resolver a questão que forjei no momento de parceria com a jornalista.
Apresentei ele a ela e fui desembrulhando a mentira: o pai da moça morava na Alemanha Oriental: tinha fugido para a Alemanha Ocidental; pretendia no momento retornar à Alemanha Oriental, mas temia ser preso; era preciso evitar que o pai da moça fosse preso. Que se podia fazer?
Meu amigo comerciante ouviu tudo atento, sem o menor sinal de surpresa, metido logo no seu papel de mediador, como se fosse o próprio secretário das Nações Unidas. Qual! O próprio secretário das Nações Unidas não teria escutado a conversa com tão extraordinária naturalidade. A par do estranho problema, meu amigo deu um olhar compreensivo para a jornalista, olhou para mim, depois para o teto, tirou uma fumaça no cigarro e disse gravemente: “O negócio é meio difícil...é...esta é meio complicada....Mas, vamos ver se a gente dá um jeito.”
Puxou uma caderneta do bolso, percorreu-lhe as páginas, e murmurou com a mais comovente seriedade: “Deixa-me ver antes de tudo quem eu conheço que se de com o Ministro da Relações Exteriores.”
A jornalista alemã ficou boquiaberta.





2 comments:

Anonymous said...

Rafa, como adepta fiel do jeitinho brasileiro, lembrei-me d n situações em q o empreguei e o vi sendo empregado com gde sucesso. A minha preferida: minha avó dando um "agrado" pro porteiro do hospital onde meu avô tava internado e completando q eu iria vê-lo rápido...logo após o porteiro me dizer, insistentemente, q eu n poderia subir d forma alguma pq já havia duas acompanhantes com meu avô! Detalhe, o "suborno" dela consistia em 3 reais, e conforme suas palavras, " só pra ele tomar um café, esse povo gosta d um presentinho"...quem sou eu pra discordar??? Bjnhos pro c...

Rafa Pros said...

É mas o que eu acho fantastico nesse texto, é que o "jeitinho brasileiro" aqui, não significa tirar vantagem, sacanear alguem, ou passar por cima de leis e coisa e tal. O jeitinho que Paulo Mendes Campos diz aquí é essa capacidade que o brasileiro tem de inventar e se inventar, criando caminhos quando não há caminho possível. E isso é fantastico, como no exemplo final do comerciante que se pergunta quem conhece na ONU...bejos proce...