Tuesday, October 10, 2006

“Infelizmente não temos trilhões...”

RAFAEL PROSDOCIMI
Imagino que tenha sido isso que passou pela cabeça de Alckmin e Lula nos momentos anteriores ao debate. Devem ter colocado todos os seus acessores a pesquisar se não haveria, por acaso, algum lugar no qual poderiam enfiar a tal magnética cifra. Já se imaginavam, aqueles gestos de um mau teatro, aguardando o momento certo para então dizer: “3 Tri..Lhões de reais de blábláblá”.
Infelizmente parece que era apenas com isso que se preocupavam os candidatos (além é claro de jogar lama um no outro). Preocupavam-se apenas com números altos, que no início até agradam mas em determinado momento acabam nos anestesiando e perdem qualquer sentido. E então se comete o absurdo, como Alckmin, que em determinado momento comparou 9% com 700 milhões... mas 9% do quê, e de quanto ora bolas? Como comparar 9% com 700 milhões?

Fico triste porque os números saem das bocas dos candidatos, “Bi..Lhões”... “Mi...Lhões”..., disso daquilo, sendo que entre a fala de um e a “suposta resposta” do outro, pipocam números mais desafiantes. Mas o que realmente esses números significam, qual a relação deles com a proposta que ambos teriam para o Brasil (o que deveria ser o mais importante), isso eles não dizem. E o pior é que quando a fala passa de um para o outro, ambos se contradizem, um diz que o outro mente, e ...fica por isso mesmo. Você resta aí, sentado no sofá, com grandes números suspensos no ar. Parece que os candidatos jogam números ao léu, à cata de espectadores que se identifiquem intimamente com eles (com os números). Isso satisfaz o pequeno contador que existe na cabeça de cada um (deve ser o que pensam). E com isso vão-se comparações esdrúxulas, argumentos antagônicos que se “desdobram como cartas de baralho”, simples e fáceis (apesar de opostos) quando o que falam deveria representar questões políticas fundamentais, projetos coletivos, encarnações de algo para alguéns. Bem, se há duas representações sobre o mesmo fenômeno, sendo que são contraditórias, que sejam então analisadas e dissecadas. Isso se alguém ali acredita em realidade. Ou será que eles só acreditam mesmo em estatística?

Acho estranho que um comentarista, após o debate, disse que foi um bom debate, felizmente após essa infeliz colocação, o jornalista se redimiu, e colocou os critérios adotados em seu julgamento, para dizer: “Foi um bom debate do ponto de vista televisivo”. Sem dúvida, fosse o Faustão x Ratinho, não teria sido melhor, nem mais televisivo. Um debate no qual os adversários destrincham golpes no ar, golpes que não encontram o coração do inimigo, porque ficam a cortar o ar, o abstrato, o nada. Ambos apenas ficaram esperando escorregões aleatórios e gratuitos do adversário.
E quando Alckmin pergunta sobre a política externa, a questão do gás da Bolívia, e então Lula, dá uma resposta fundamentalmente democrática (e não mera máscara de capitalista querendo entrar em baile de carnaval) de que o país não vai invadir, acabar com a Bolívia, que esse não é o jeito dele, que as coisas são conversadas, que esse é o jeito dele fazer política. E coloca as coisas nos seus termos. E isso não significa que nada deve ser feito pelo direito da Petrobrás em ter seus investimentos garantidos. O que o Lula diz nessa hora, é o seguinte : “sabe esse jogo aí, esse que vocês estão fazendo, não é esse o meu jogo”. E isso é que é política, recriar as regras do jogo. Repetir o mesmo é sintoma, doença e não política. Acho estranho, portanto, que Lula siga a lógica de jogar números no debate. Deveria, isso sim, destrinchar qualquer desses números. Mostrar que de fato no seu governo o Brasil exportou mais, empregou mais gente, diminuiu a pobreza e “desenvolveu” o país.
Não entendi também porque não explorar o que está envolto na facção criminosa mais organizada que vimos agir no Brasil nos últimos anos, coincidentemente no estado de São Paulo, coincidentemente o estado mais rico do país, e coincidentemente o estado de Alckmin. E ele compara isso à violência nas outras capitais. Violência é uma coisa, crime organizado, com a força que o PCC mostrou é outra. Pois o PCC implica em relação com o estado, já que esse era o alvo das ações, prédios e agente públicos. Particularidades do PCC que mereciam um trabalho mais aprofundado. Mészaros diz que: “Quando os conflitos já não podem ser ocultados, são tratados meramente como efeitos divorciados de suas causas”, pois há de se mostrar as causas do surgimento dessa facção. Como ela age, como ela constrói laços de solidariedade, como ela se aproveita da ausência do estado, de uma situação social absurda e ali, vai costurando relações de lealdade e solidariedade (mesmo que perversas) e amarrando os sujeitos. Lula deveria abordar essas questões. Ou apenas aprofundar em qualquer uma. A retórica e a necessidade da média (e da mídia), fazem Alckmin construir um discurso que tem que colocar coisas antagônicas no mesmo balaio, tenha que escolher cara e coroa ao mesmo tempo, e isso não é possível. Por trás do discurso deveria Lula descascar a realidade envolta na proposta de governo de Alckmin, que é trabalhar muito para construir mecanismos que permitam ao mercado funcionar adequadamente. A inclusão por “via mercado”, é a mentira mais suja da história, pois o mercado se assenta sobre a desigualdade, a necessidade da desigualdade, e portanto da exclusão...
O que me entristece, ao final, é que tudo parece teatro, depois as pessoas batem palma, e parece que é isso mesmo. E não é. E isso não aparece, essa farsa generalizada, isso sim um grande desrespeito. Coisas são ditas aleatórias, no velho e bom, ao gosto do freguês. E eu não sou freguês, nem empregado, nem amigo, nem companheiro.

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