Friday, June 22, 2007

CAIXA DE RESSONÂNCIA


Só há causa naquilo que manca, como só há atenção e cuidado para a criança que chora. As que choram mais alto serão atendidas primeiro, por favor. Psicólogos? Não, somos, de fato, apenas policiais. Defendemos a intocável, inabalável e certeira senhora Vida, e o senhor “Tempo É Dinheiro”, muito ocupado que são esses dois. Nossa função, clara e límpida, é a suja produção dessa monótona repetida e triste realidade. Não atrapalhar nem as pessoas importantes (e o que fazer com as não-importantes?), e nem as coisas que devem naturalmente ocorrer (mas quais... meu Deus?).

O rio que não mais existe, pois passará ali, agora, ou amanhã, uma estrada larga e com financiamento internacional, faz chorar uma velha que pescou lambaris e piaus e que quer cobrar do senhor governador do Estado, ou presidente, os 7 lambaris de outrora. Ele diz poder pagar 1.000 reais, mas ela insiste em querer 7 lambaris, nem mais, nem menos. Ela está indignada com a ordem natural das coisas que baixam avenidas e estradas onde passavam rios. Chamem rápido uma psicóloga pra conversar com aquela dona ali. E lá vou eu, achando que faço da vida meu picadeiro, improvisando meus dedilhados nas relações humanas frescas e existenciais. E a moça, a senhora, perdão, depois de conversar comigo se mostrará logo iludida por um passado que definitivamente não há, nem houve. Não ouve. Você não ouviu. Viu choro, e desespero pueril, quando havia argumento. Nós, psicólogos sociais, especialistas dos problemas humanos, não pensamos em qual tipo de problema nós somos especialistas. Nem qual o repertório de soluções que nós temos. Principalmente, nós que iremos ocupar as equipes técnicas, mas sempre inter ou multidisciplinares dos que decidem sobre as vidas dos pobres, pra ser correto e direito, e também direto. Nós que nos preocupamos com o social, e que iremos ocupar as secretarias de saúde, educação e trabalho, e as ongs, terceiros (quase segundos) setores, e OSCIPS (haja malabarismo institucional), seremos responsáveis pelo silêncio consentido entre as partes daqueles que não cabem mais parte alguma, a não ser ficar calado. Àqueles aos quais a vida se sustenta sobre a manutenção de índices sociais que devem garantir a reeleição de alguém ou uma nova candidatura a um cargo mais elevado. Esses índices sempre passíveis de serem testados, em CNTP, há um quartil abaixo. Nosso trabalho é garantir esse mínimo. Garantir que a pessoa em questão vá entender, “pelamordedeus”, que nesse lugar onde você construiu sua casa, passará uma avenida larga e grande que vai trazer benefícios pra todo mundo na cidade (incluir números e cifras, e rápido), que por fim, se houver mais uma resistência, resta a ameaça de chamar o advogado e rever a legalidade do terreno dessa dona que “se diz” proprietária, e por ai vamos testando a racionalidade desse povinho, mas olha o politicamente incorreto. Ou seja, nosso objetivo é o silencio, o consenso sem discussão, o apagamento de discursos, o abaixamento da poeira toda que ta aí, grudada nas relações, na vida nossa de todo dia. Seja, na escola, na prefeitura, nos projetos sociais. Muito bom, acordar pela manhã e dizer: o sistema ta funcionando, a sociedade, se reproduz como espécies no cio, a não ser por aquelas pessoas ali que fazem barulho, e aí vocês já sabem... chamem os psicólogos... Se não funcionar chamem a polícia (essa segunda linha de combate).

Há dias, e haverá muito mais, no qual teremos a certeza do poder de vida que temos, não como magia, mas como possibilidade de fazer falar muitos mundos no mundo, nas relações. Veremos que nossa apoliticidade, nosso relativismo, nossa primazia do privado, assenta-se num absoluto desprezo pelos sujeitos outros do mundo, revela a nossa assinatura bela e plástica nos tratados mais preconceituosos e discriminatórios dos projetos de modernidade. Saberemos, portanto, que nunca houve barulho. Há falas e discursos menos e mais articulados com uma ou outra questão. Veremos que os discursos requerem recolocação numa cadeia tal, interrompida exatamente por nós, e que o lugar que ocupamos é exatamente esse, o da interrupção. Somos represas. Não deixamos os sujeitos e suas palavras passarem. Proponho funcionarmos como uma caixa de ressonância. Fomos colocados estrategicamente nos lugares no qual há barulho, se há barulho, há problema, há questão, há conflito. Proponho deixarmos reverberar, ressonar todo esse barulho nos seus termos, nas suas perguntas, nos seus anseios. Que o sistema social democrático e plural lide com os belos sons que vem da rua e que nós só vamos silenciando, pela vida a fora.

4 comments:

Carol said...

Vcs psicólogos me deixam perdida! Quando eu acho que finalmente eu estou no caminho certo, fazendo as coisas funcionarem, vcs me fazem parar pra pensar se é isso mesmo, porque a ação pros outros tem sempre algo muito egoísta...

Mas o lado não-cientista- positivista- quantitativista gosta bastante de coincidências e hj foi uma ótima coincidência ler de novo seu blog antes da minha viagem.

Posso enviar esse seu texto pro pessoal que vai viajar? Talvez até pros "administradores do estado do futuro" da minha sala?
Só pra ver se mais alguém faz um "ããã...!" como eu fiz agora.

Rafa Pros said...

Parar pra pensar é essencial, mas tenho preferido pensar caminhando :).
Carol fico feliz com suas palavras. Valeu mesmo.
Desculpa, ter demorado a responder. Eu acho que a gente tem só que levar mais a sério as outras pessoas, e ter mais atenção com os nossos lugares, nosso trabalho.

Rodrigo said...

Ter atenção *com* as pessoas é muito bom, o foda é observar o comportamento delas, e constatar que a maioria tem um discurso que não funciona na prática.
Por exemplo, os ternos dos governantes.

"Muito bom, acordar pela manhã e dizer: o sistema ta funcionando, a sociedade, se reproduz como espécies no cio, a não ser por aquelas pessoas ali que fazem barulho, e aí vocês já sabem... chamem os psicólogos... Se não funcionar chamem a polícia (essa segunda linha de combate)."

- Putz!

Anonymous said...

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