REPORTAGENS
RUBEM BRAGA
O repórter de um vespertino carioca visitou uma casa em que viu muitos homens e mulheres cantando, um homem de roupa esquisita bebendo e rezando. O pessoa falava, às vezes, uma língua estranham e fazia gestos especiais.
O repórter tirou uma fotografia e voltou para a redação com uma reportagem atrapalhada falando de macumba, pai-de-santo, Exu, gongá, Ogum e outros nomes que servem para a cor local.
A reportagem acabava com a seguinte pergunta: “Que dirá a isso o senhor chefe de policia?”
Não tenho nenhum comentário a fazer a respeito. Quero apenas resumir aqui uma outra reportagem que fiz há tempo, por acaso, quando estava no Rio. Eu ia pela rua, certa pessoa me interessou e eu a segui. Ela entrou em uma casa grande. Como não tinha jeito de casa de família , também entrei. Dentro dessa casa vi tantas coisas extraordinárias que acabei esquecendo a tal pessoa.
Havia no fundo de uma ampla sala, armações de madeira, coloridas e iluminadas por pequenas lâmpadas elétricas e por algumas velas. Pelas paredes em buracos apropriados, haviam sido espalhadas estatuetas mal feitas. Um homem com uma espécie de camisola preta e com um pano bordado de ouro nas costas dizia palavras estranhas em uma língua incompreensível. A um gesto seu, mulheres e homens se ajoelharam murmurando coisas imperceptíveis. Depois apareceu um menino com uma camisola vermelha trazendo uma caçamba de onde saía fumaça cheirosa. Uma campainha fininha começou a tocar. Todo mundo ajoelhado abaixava a cabeça e batia no peito. O homem de camisolão preto bebeu um pouco de vinho e começou a meter na boca de cada velha que se ajoelhava em sua frente uma rodela branca. Em certo momento o menino de camisola saiu com uma bandeja. Pensei que ele fosse distribuir vinho, mas em vez disso recolhia níqueis e pratinhas. Depois umas senhoritas que estavam em uma espécie de camarote começaram a cantar. Vi mulheres com véus na cabeça e fitinhas azuis no pescoço fazendo sinais estranho e vi ainda muitas outras coisa mais.
Que dirá a isso o senhor Chefe de Policia?
Recife, 1935
3 comments:
Será q foi nesse lugar aí q o Kubrick filmou "De olhos bem fechados"?
Engraçado, nunca tinha lido esse texto - ou se li, esqueci. Mas acho que qualquer pessoa que nunca fez primeira comunhão, participando de uma missa, teria pensado e sentido as mesmas coisas que eu, o Rubão ou qualquer outro.
Puta que pariu, doidimais esse texto! Espetacular, escrachado, em 1935! Puta merda, o mundo sempre foi e sempre vai ser a mesma coisa... a gente tá mesmo fudido... eu ainda penso/pensava que a gente conseguiria mudar alguma coisa...
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