Thursday, October 16, 2008

Ainda sobre Elton... (na verdade talvez só fale disso para sempre)

Havia uma esperança de que no ato de ver Elton Medeiros (mais do que Herminio) encontrasse eu aquelas coisas da vida cheias de significado, cheias de cheio, das quais a gente fala com emoção, com saliva, com palavra adiantada na empolgação, pra sempre. Aquelas coisas da descoberta real, dos vinculos, das veias, entre pensamento e vida que nos atinge, e que me atingia mais há algum tempo, mas que depois vai se esvaindo... Num livro sobre o John Lennon, na verdade é uma imensa entrevista com ele, já na sua fase pós-beatles, ele conta como conheceu Yoko Ono. Ela, artista plástica, estava apresentando seus trabalhos numa galeria, e um deles era uma escada que subia até o teto, e lá havia um quadro com um olho mágico e ao olhar ele viu escrito em letras pequenas: "sim". Eu que como todo mundo normal, sempre odiei a Yoko, passei a respeitá-la um pouquinho depois disso. E com toda a preguiça particular e fundamental para com a senhora, ou melhor, senhorita arte contemporânea achei bonito, simples e fundamental, seguir um caminho sem volta, e ver ao final escrito sim, como numa escolha feliz.
Elton Medeiros é dessas figuras bonitas do samba, bonito, com estilo, uma voz fodida de boa. É sem dúvida dos grandes. Todo o momento, o entorno da palestra-espetáculo merecia na verdade um conto, ou um curta. Numa sala velha, bonita, clássica, mas decrépita com aquele cheiro aurático de abandono, 50 ou 60 pessoas, a média de idade na casa dos 70 anos. Era reunião do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, uma reunião que pelo que entendi acontece todo mês, e nessa ocasião a propósito do centenário de nascimento de Cartola, convidaram os dois artistas para cantarem e contarem a vida do homem. Confesso que foi bom saber da realização desse evento já no dia, de outra forma, possivelmente não dormiria na noite anterior. Eu que nunca tive um bichindo de pelúcia, um brinquedo preferido, ou um bonequinho dos comandos em ação favorito, via na figura do Elton, mais do que na voz, na figura mesmo, no acontecimento da criatura, uma das coisas mais bonitas do meu samba. Procurava por Shows seus na internet e no jornal toda semana e nada encontrava.
O clima era ainda que formal, bem ameno, todos muito próximos, ele andando de um lado pro outro, o Herminio com cara de dono de programa de auditório sentado na frente. E o evento começou com aquelas formalidades institucionais que depois de um tempo ninguem entende, nem quem as protagoniza. Nesse Instituto Georgráfico de bla bla, a formalidade consiste em ler as noticias referentes a essa data, da reunião, no caso 10 de outubro, na história do Brasil. Tipo Dom Pedro II inaugura ferrovia, nasce Casimiro de Abreu, o carro de presidente Washington Luis quebra na praia de Copacabana, etc... Uma senhora, ou o próprio bastião da tradição, conduz tudo, com aquela frieza necessária a tradição, que deixa claro ser impossível conduzir as coisas de outro jeito, ao mesmo tempo que não se esforça nem um pouco para parecer mais do que agradável. Depois disso ela convocou os dois artistas que passaram a conduzir o boteco, digo, o evento.
O Herminio logo tomou a palavra e se portou ali comandando geral. Começou com um samba-enredo do próprio com o Paulinho da viola sobre Cartola que foi tocado no som. A cara de Elton já ali começou a se mostrar. Enquanto tocava a música ele reclamava com o Hermínio sobre o tamanho do samba, que tava monotono, o que procedia.
A idéia era simples contar a história do Cartola, dos entrecruzamento entre os dois e o mestre, e a medida disso cantar suas principais musicas. A Elton foi passada a bola e lá ele começou a narrar quando conheceu Cartola etc. Bom, não vou narrar isso aqui não senão fica chato pra cacete. Sei que fiquei ainda mais fã do Elton depois disso. O sujeito tem uma alma dessas que transmite plenitude, domínio do tempo e do espaço. Fanfarronou bastante, cantando meio com preguiça algumas músicas. Mas quando emendou "Acontece" e "Peito Vazio", essa última, uma parceria dele com Cartola, o auditório veio abaixo. A velharada e nós cinco com menos de 40 anos batemos palma exaltados. Eu ensaiei um choro, que foi devidamente contido. Foi das coisas mais bonitas que já vi. Um homem cantando com tanta paixão. É bom ver paixão nas pessoas que fazem coisas né? Falando em paixão...

Durante a apresentação, o Herminio abria para as pessoas fazerem perguntas, o que aprendemos com a Julia que não dá certo. Eu sei que a mulher nada queria perguntar, ela só queria informar que o Cartola tinha feito "O mundo é um Moinho" para sua filha que havia se tornado uma prostituta, etc. Mas a dona, começou falando assim: "Porque eu ouvi dizer que a musica o mundo é um moinho, o cartola havia feito para uma flha dele, que assim, não casou né...". Os dois falaram que não sabia de nada disso etal, e bola pra frente. No entanto, a senhora pediu a palavra de novo, e de novo..mais umas tres vezes e na sequencia, disse mais ou menos assim. Que a filha tinha seguido um caminho diferente na vida, que a filha tinha saido de casa e ido morar na rua, que a filha havia se tornado uma mulher da vida fácil. Eu prontamente me lembrei de quando trabalhei com idosos num asilo privado. É interessante como pudor e exposição, caminham juntos. A senhora queria falar que a filha é uma prostituta, mas vinha pelas beiradas até chegar aonde queria. Como dona Ives, lá de morada nova de minas, quando queria falar algo que poderia soar preconceituoso, ou que poderia incomodar, dizia antes "é comosssediz..". Por exemplo, se determinado sujeito fosse homossexual, ela dizia. "Geraldinho ,é, como se diz, meio efeminado né...".
Tudo terminou. Na saída ainda perguntei ao Elton se ele cantava em algum canto da cidade. Ele disse que tem tocado em São Paulo, em Curitiba, mas aqui no Rio não... O que como diz o Tiaguinho merece umas duas teses. Já que essa cidade fica dando uma de samba em toda esquina...
Ao vê-lo cantando tão belamente os versos aqui debaixo, esse acontecimento tão singular trouxe caminhos, e principalmente portas fechadas escondendo sims para minha vida. Resta abrir...

3 comments:

Prós said...

Muito bom o relato! A Yoko Ono deve ser foda mesmo, só que a gente não sabe. Não conheço bem nem o Hermínio nem o Elton. Acho que deveria conhecer, né?
[]s!

Rafa Pros said...

Acho q vc conhece o herminio talvez não explicitamente, ele tem muitas parceriais com o paulinho da viola. Como Timoneiro, aquela "Não sou eu quem me navega quem me navega é o mar..."
Mas se não conhece baixa ai os discos. O elton tem um cd muito bom com Zé Renato e Mariana Moraes. Vc acha aqui www.umquetenha.blogspot.com

Julia Mesquita said...

eu realmente acho que abrir para perguntas da platéia é um motivo pra ouvir as pessoas falando delas mesmo. ok que TODO MUNDO só fala de si, mas existem algumas pessoas de quem a gente tem que fazer questão de ignorar a existência!

e eu adoro essa história da yoko, se eu não fosse tão canceriana e amargurada com a vida, eu queria ter um "sim" pintado no teto do meu quarto! mas é comosediz né?!