Sunday, May 01, 2005

Um dia bão

Rafael Prosdocimi

Começo o dia com a preguiça daquele que vê, que não fora um bom negócio ter marcado aquela pelada pras nove horas de um sábado de ressaca. Acordo, tomo um café rápido, ligo pra dois amigos que foram mais preguiçosos que eu e não vão ao futebol e vou a quadra.
Na quadra, dos dez necessários havia só 6. O que não abre possibilidade de um jogo. Na quadra ao lado a mesma coisa...As pessoas acordam todos os dias 6 horas da manhã, pegam ônibus, vão estudar, trabalhar e amar coisas que não gostam, e quando vem o futebol, o derradeiro, essas pessoas preferem ficar em casa babando no travesseiro. Digo aos amigos da quadra ao lado que joguem conosco, pois senão ninguém jogaria. Um colega meu diz pra fazermos um amistoso. Nós contra eles.Começamos marcando gols, jogando fácil, mas depois de estar ganhando por 14 a 8, os caras da quadra ao lado, começam a freneticamente fazer gols e empatam a partida. 14 a 14 e então combinamos que quem fizesse o gol seguinte ganharia o jogo, a não ser que alguém morresse antes em campo. Ganhamos.
Do dinheiro pago por todos para o aluguel da quadra, sobram 1,40. Vou a padaria ávido por um suco, ou algo que refresque a hora e os minutos de correr embaixo do sol. Lá chegando, descubro o quão caro são esses sucos. No preço exorbitante do suco acabo comprando uma cerveja. A melhor cerveja da Vida. Saio andando pra casa e tenho a sensação de que o futebol permanece como as batalhas que antigamente travávamos, das lutas por domínio, por poder, das flechas e espadas. O sentimento de general vencedor, o corpo gostosamente cansado. Essa disputa, o despejo de toda essa raiva que timidamente colecionamos nos trânsitos por aí. Todo esse tédio deságua no sábado pela manhã, no futebol. Saí como herói da guerra, cansado e feliz, como quero muito sair do dia pra noite, aí pro sonho e mais tarde sair da vida. O cansaço é essencial. O corpo dói, demora a responder. Se o sangue, jorrado da batalha de um tempo antigo, é sublimado nesse jogo, o corpo, a dor, a dilaceração física permanece bruta, intacta. E definitivamente é necessário o futebol pra começar um dia bão.
E foi assim, foi nesse momento que saí do jogo, comprei uma cerveja, a cerveja, essa que é essencial, essa que vem depois do futebol como quem diz, “é meu amigo eu vim pra ficar”. Foi aí que percebi o belo dia. Foi aí que fui pra casa.
Escrevi bem, escrevi coisas que precisavam ser escritas, coisas sérias. E no mais fiquei em casa a curtir um sábado de ficar sozinho em casa. À noite havia combinado de sair com uma amiga, e mais amigos. Sendo que a primeira se diferencia das outras pelo grau de acesso que ando liberando, a essa “senhorita”, da minha humilde mas portentosa subjetividade. Os poetas dizem muito de amizade e tudo mais, mas pra mim a amizade é essa que permite dizer coisas, todas as coisas, filtrar pouco, muito pouco, um bom amigo é nesse sentido, alguém que muda algumas coisas na nossa cabeça porque tem acesso a ela. Nessa saída não esperava nada demais. Como não espero nada demais da vida. O que é uma pena. O fracasso me venceu. Foi na porta que a vi chegar, ela com os cabelos mais longos do que da última vez que a vi, cabelos que não vi crescer, infelizmente, esses cabelos que tampavam as costas tão lindas, e tão nua. Ela que tenta não seduzir muito, nesse jeitinho de ser e de falar coisas como “véio” e “qualé” quebrando qualquer alusão a princesas e coisas abstratas, acabou que não conseguiu segurar essa sua beleza simples, esse seu olhar castanho, que cisma em ficar saindo do meu, como se isso fosse permitido, não, não é. A tranqüilidade desse seu olhar me faz falta todo dia. Sinto aquela coisa difícil num mundo de muito gente e muitos olhos aquela coisa de chegar em casa. Feche a porta. Quero deitar. To cansado.
E fui eu que fiz o nosso gol da vitória.

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