Wednesday, November 02, 2005

Cara Professora,

Digo a ti, agora em meados de novembro, que acho que perderei esse ano. Talvez não só este. Penso que isso se deve ao fato de que muitas daquelas enfadonhas aulas iniciais, de fevereiro e março, eu acabei “matando”. Era como se eu negasse a aprender essas coisas que você nos ensinou lá no inicio. Sei que antes era mais simples, mais fácil de entender, mas como não estava na sala, nada aprendi. Agora ando me esforçando, nessa parte final, que até é mais complexa, e com isso tenho me saído bem nessas difíceis provas finais. A verdade é que as resolvo habilmente até chegar nas contas mais óbvias, mas aí vejo que faz falta aquilo, que quero acreditar, por preguiça, perdi. Tenho, sobretudo, dificuldade pra dividir, multiplicar e adicionar. Dividir é o que mais me atrapalha. Sempre foi.
Sei, professora, que você se esforçou, mas de fato eu não quis aprender e agora pago por isso. Sei que leio esses filósofos alemães, esses psicanalistas franceses (só no idioma original), eu entendo das possibilidades da mecânica quântica e das nanociencias em explicar muitas de nossas dúvidas sobre a natureza da natureza; mas de fato as coisas só são compreendidas até certo ponto, depois, ou melhor, antes desses pontos eu me complico. Explicarei melhor.
Agora na primavera desenvolvo bem os raciocínios, mas me faz falta aquilo do final do verão passado. Agora ficou muito difícil aprender isso de sorrir, e de gostar, e de ser amigo, e de amar. Essas coisas simples que achei, no inicio do ano, que, lá pra Agosto, com a leitura de Vinicius e de outros poetas acabaria aprendendo, afinal todo mundo aprende isso, uma hora ou outra. Era o que pensava. Desconfiava que essas lições seriam aprendidas naturalmente mais pra frente, até porque, pensava eu naquela época, ouviria todas as músicas de amor e que amar viria como uma simples conseqüência. E depois estudaria outros temas como a amizade de verdade e pensaria nesse singelo sentimento, e quando fosse preciso teria confidencias sérias a trocar com alguém num dia frio. Mas faltei a suas aulas e tentei em vão aprender a amar lendo. Esse método posterior não auxiliou a aprender isso, isso que é mais arcaico. Fracassei. Hoje não sei oferecer um ombro amigo e fraterno, disposto a ouvir as mil e uma loucuras de amor desses outros, pois eu mesmo não sei como se faz dessas coisas. Declamações de amor, confissões, drama. Tenho vergonha dessas pessoas. Tenho vergonha disso tudo e acho ridículo fazer essas bobagens, loucuras de amor, da mesma forma, como sentiria vergonha vendo um senhor a brincar com um velotrol.
De fato antes já me achava muito melhor que os meus colegas e resolvi matar as suas aulas. Esperaria algo mais interessante. Afinal você nos ensinava a abraçar, conversar, chamar de amigo, sorrir e dizer bobagens necessárias na rua, em voz alta e a como desprezar esses outros olhares que nos faziam ter vergonhas. Agora sei que me falta isso, que é básico e essencial. Essas pequenas coisas, gestos.
Cara professora, só escrevo pra dizer que tenho certeza, quase chegado o fim, que perderei esse ano. Espero que não fique aborrecida. Sei que tinha esperança quanto a esse meu futuro. Mas tenho absoluta certeza, que se nessa prova final pedisse, para ligar a algum amigo pedindo um conselho, ou uma ajuda, eu acabaria gaguejando e não saberia dizer nada. Se tivesse que pedir a ele que me acompanhasse numa cerveja, pois estaria triste eu teria, outra vez, vergonha e nada do que eu diria viria do coração, da alma, da breguice (meiguice) necessária.
Já sinto essa falsidade minha de quem leu Nietzsche e achou realmente que os fortes aspiram a separar e os fracos a se juntar. Essa mentira do Cowboy que salva a mocinha e foge dos seus braços para os fogosos braços dos rios e das estradas. Acreditei nisso de autonomia e liberdade. Acreditei até agora, até o lugar no qual todas as minhas equações desembocam - outras pessoas - e é por isso que reconheço meu retumbante fracasso escolar.
Peço um ultimo favor, pois não devo mais aparecer na sua sala. Por favor, diga a elas, diga às minhas colegas que pelo amor de deus apenas me perguntem das coisas muito difíceis e complexas. Perguntem-me, por exemplo, do conceito de fundação em Hannah Arendt; e do que é, afinal de contas “eterno retorno” e das implicações para a física newtoniana das descobertas de Einstein; das antimatérias e dos glúons; dos buracos negros e do conceito de sublimação em Freud e Lacan. Qualquer tema que seja difícil, complexo e objetivo. Que elas apenas me perguntem dessas coisas difíceis, mas, por favor, eu lhe suplico, mostre a elas que de fato eu não me encontrava na sala de aula no inicio do ano, se preciso for mostre a lista de chamada, e diga que quando você nos ensinou do amor, da amizade, da gentileza e da bondade eu não me encontrava presente. Principalmente peça a elas que não me perguntem nada sobre o amor. Nunca mais, por favor, senhora Vida...
De seu aluno faltoso e envergonhado...

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