Thursday, October 06, 2005

Apenas um hábito

Ainda conservo um último hábito prazeroso, um último movimento que prende algo de libido às horas, aos dias, à vida. Um último refúgio no qual me prendo a esse mundo sem saber de um outro possível. Deito-me e, independente da temperatura, me coloco dentro das cobertas, de preferência usando meias. Nesse momento as tiro. Tirar meia em dia de calor = beber água em dia de ressaca. Voltando. Tirando a meia ponho em contato meu corpo quente ao frio do tecido. Dentro da cama passo a movimentar os pés, as pernas, espreguiço ligeiro e repetidas vezes. Fico assim meio bobo como a me aventurar sexualmente com a minha cama. Como se fossemos dois jovens a se beijar, abraçar e colar os corpos para se sentirem melhores, para se conhecerem fisicamente, como aconteceu aquela outra imprevisível noite, que, afinal, não deu em nada.
Antes eu já parava o mundo no copo de café. Um copo que apesar de plástico me fazia sentir um rei, um rei que do mundo, que da vida, tirava apenas um café e secretamente, até pra mim mesmo, imaginava o mundo inteiro esperando uma decisão minha, e nessa pressa, desses outros, estaria eu tomando meu café, respirando dentro do copo, esquentando minhas narinas. E pensando qual seria a solução para o meu reino. Pouco depois o café precisava vir acompanhado de um pedaço de queijo. O café e o queijo, em comunhão, produziam um sentido. Já fora o tempo do prazer de descobrir palavras escondidas no mundo, palavras escondidas à minha espera. Encontros com Rubem Braga e Sergio Porto (principalmente o ultimo), cuja raridade dos achados, e o trabalho da busca, transformavam-me num pirata ou mesmo num arqueólogo da frase perfeita (como a autodefinição de Rubem Braga, enquanto peladeiro: “um meia-direita medíocre, mas furioso”). Esses dois buscavam as mulheres mais tentadoras que seriam descritas de uma forma, que de tão banal, virava até poesia. Poesia de verdade sem nada de musica das estrelas, ou mesmo alusões às flores ou algo assim. Esses homens que falam das mulheres as descrevendo pelos ombros, cotovelos e canelas merecem essas que eles tiveram. Ah, naquele tempo vivia-se o que se escrevia, pelo menos é o que eu quero crer.
Aí veio o samba, veio o Chico Buarque o Gonzaguinha o Raul Seixas, os Beatles esses que possuem as músicas mais lindas, as que permanecem desconhecidas, à minha espera.
Até mesmo Led Zeppelin, meu deus! O quão confortável foi ouvi-los depois de tanto tempo, até pensei uma coisa meio tola, mas bonitinha, que foi a capacidade de “Stairway to Heaven” de decorar os mais inóspitos ambientes e transformá-los em casa. Conforto. Duvido que uma decoradora entenderia o que digo.
Rememoro épocas em que dormir não consistia apenas em descansar pra que amanhã nos cansemos de novo. Mas o quanto sonhava coisas, moças que pareciam tão reais e ainda na cama sentia um perfume, seios que são diabolicamente transformados em um travesseiro feio. Acordava apesar de tudo feliz, e contava as horas pra de novo voltar à cama. Apesar disso tudo se estivesse em Matrix, provavelmente escolheria a pílula azul, sairia de Matrix (um bravo) e me arrependeria silenciosamente o resto da vida, ansiando por imagens cerebrais belas, sensações agradáveis. É preciso acatar nossa mais tenra mediocridade, tratá-la bem, pois é ela que nos une. Nós todos. E de tudo da vida, que tem graça ultimamente, passo o dia esperando a cama e nela deito a roçar as canelas. É claro que tudo isso é mentira, pois tenho minha pequena que me olha muito pra mim e sonha qualquer coisa dela na qual eu devo aparecer, mas achei mais uma vez bonito não ter muitos prazeres na vida (o que é verdade) e se grudar a relar a perna na cama como a desprezar a vida, pois se dissesse da felicidade, do gozo e da pizza, anteontem, vocês provavelmente teriam um pouco de nojo dessa alegria...Eu teria.

1 comment:

Anonymous said...

Reconheço - me em suas palavras, pois sempre busquei, debaixo de um cobertor, um “calor”... Mesmo nas noites quentes, algo que me cobrisse, que me proporcionasse algum prazer....
Mas no meu olhar, há o que busca. Talvez uma tentativa de compreender o que foi encontrado neste olhar (...), que não tem respostas, não há por quês... nem nada antes estabelecido (...), porque não reconheço.
E assim, sigo observando, tudo e cada momento! Mas tendo seguro, o conforto do meu cobertor!