Monday, October 24, 2005

Série: Se ninguém leu Rubem Braga, Antonio Maria ou Sergio Porto, porque haveriam, afinal, de ler Rafael Prosdocimi

A estratégia do meu time
Francisco Prosdocimi - http://chicopros.blogspot.com
Creio que não traria prejuízo a este relato se começasse dizendo que também dou valor àqueles que jogam pelo resultado. Cada time tem a estratégia que lhe convém. No meu time, entretanto, temos a filosofia de que um zero-a-zero é mais digno do que um um-a-zero com gol de barriga. A gente perde sim, perde mais do que ganha, mas a vida é assim -- e o futebol nada mais é do que uma mera representação da vida. Nos acostumamos com a derrota; e por mais que isso possa parecer algo ruim, garanto-lhe que serve ao menos para dar às vitórias um aspecto mágico e único que gostamos de guardar. Apesar disso, eu evidentemente não diria que gosto de perder: claro que não! Ninguém gosta. Bom mesmo seria vencer todas as partidas, jogando bem e apresentando o futebol arte. Mas sei que a rapadura é doce apesar de não ser mole e dos jogos que participo, devo confessar que perco a maioria. Já perdi inclusive partidas em que tinha tudo para ganhar, que joguei bem, dei bons passes e meti bolas na trave. Fizesse um gol numa dessas ocasiões, ele certamente teria valido por dois e teria motivado o time de forma tão drástica que uma súbita goleada seria inevitável.Por vezes algum de nossos jogadores faz gol de barriga, de canela ou até de mão, mas ele sabe que não é isso que esperaríamos e já vai andando para o meio de campo com a cabeça baixa. Os companheiros sequer batem em suas costas: não há comemoração. É que tais gols algumas vezes acabam por acontecer, a despeito da vontade dos atletas quando, por exemplo, o goleiro está fora do lance e a bola chega rápida, bate no corpo do infeliz e desvia sua trajetória para o lado de lá da linha branca. A torcida até gosta, comemora, mas a gente mesmo se sente humilhado e dá vontade de voltar no tempo para fazer com que não estivéssemos ali naquele instante, que conseguíssemos nos desviar. Definitamente nosso time gosta é de fazer golaço, gostamos de esperar a gorduchinha chegar redonda para que dominemos, driblemos com classe o líbero, passemos pelos troncudos zagueiros e, com uma finta de categoria, obriguemos o goleiro a pular para o lado errado, depois de ter dado aquele toque de classe que faz a pelota correr só o suficiente pra encontrar as redes do lado de lá da linha e levar a multidão à loucura. São dessas jogadas que realmente gostamos.Além do mais, o forte do nosso time jamais foi o ataque. Dessa forma, nunca nos sentimos na obrigação de fazer gols, apenas de fazermos uma bela apresentação. Gostamos de jogar pelo meio de campo, às vezes até no campo de defesa. Mas apesar de não sentirmos aquela forte obrigação de atingir a meta, temos muita vontade de fazer nossas apresentações artísticas dentro da área do adversário, com o claro intuíto de balançar as redes, mas com a paciência necessária para garantir um gol bonito, de classe. Nos imaginamos recebendo aquela bola perfeita, que vem exatamente na direção da cabeça, para que a peguemos no ar e miremos no chão, de forma a enganar o goleiro e balançar o filó com vigor. E apesar de que às vezes nossos jogadores se desanimam por passarem tantos jogos sem marcar, estamos sempre esperando nosso grande momento. Mesmo nesses casos, quando acontecem várias derrotas seguidas, ainda somos fortes o suficiente para não esquecermos nossa filosofia e continuarmos a esperar aquele bom passe que nos coloque frente a frente com o goleiro para que possamos pegar a bola de voleio ou de bicicleta. Se ela vier mesmo redondinha, talvez nosso atleta ainda a mate no peito e complete com um chute que vá atingir justamente o lugar reservado à coruja que, com seus enormes olhos, verá a bola entrando e voará sem rumo conhecido, mas que jamais esquecerá aquele lance sublime.Por vezes ensaiamos jogadas que funcionam muito bem nos treinos, mas que dificilmente conseguimos reproduzir durante as partidas, dentro das quatro linhas, quando o juiz apita. É que nas jogadas ensaiadas não conseguimos prever ao certo o comportamento do adversário, que normalmente está com a zaga em melhor forma do que imaginamos.De fato, meu time gosta mesmo é do futebol arte. E, mais do que isso, não poderíamos sequer dizer que isso seja de fato um gosto. No fundo achamos que temos um dom, que nascemos para jogar assim. Eu até entendo e valorizo o estilo do Parreira, o jogo pelo resultado, mas no meu time jogamos diferente. Não ganhamos campeonatos nem competições ou copas do mundo, perdemos grande parte dos jogos. Mas felizmente há também aquelas partidas que ganhamos. Ah, e quando vencemos as partidas são sempre vitórias memoráveis que ficarão eternamente na memória da torcida, do adversário e na nossa própria. Gostamos de mostrar aquela perfeita troca de passes; eu mesmo gosto de dominar a bola e seguir com ela no pé, gosto de driblar um ou dois dos zagueiros e chutar ali no ângulo, sem chance para o goleiro. Por vezes, em meu time, os atacantes gostam também de arriscar um pouco e, ao invés de dominar a bola, pegam-na de primeira e dão aquele bicudo. Pode ser que a bola vá para fora e às vezes ela realmente passa longe do gol. Mas quando eles pegam de jeito... Ah, aí é gol de placa. Incluvise podemos ganhar pouco, mas ao menos temos várias placas comemorativas e somos responsáveis pelos mais bonitos gols já realizados nos mais diversos estádios, em diferentes situações e climas. E são essas placas, marcadas na eternidade de nossas memórias, que nos motivam a continuar acreditando e tentando e apostando sempre, e mais uma vez, nessa maravilha que é o futebol arte.

2 comments:

Prós said...

Uai, que orgulho aparecer por aqui! Valeu!

Anonymous said...

vcs são realmente muito bons.
saber dizer da vida utilizando as palavras de uma partida de futebol ficou realmente fantástico!!!

que texto sublime!