Sunday, October 02, 2005

O Encontro Marcado

Acho que todos temos que nos encontrar de vez em quando por aí. Às vezes, andamos meio perdidos, ou perdidos e meio, sem saber muito quem somos, onde é melhor pra tomar uma cerveja, de qual moça derramamos mais suspiros, qual tom de castanho feminino combina mais com o mel de meus olhos, ficar aqui ou sair da cidade, para sempre talvez. Andamos assim um pouco chorosos cansados de todas essas perguntas, dos dias cinzas, da chuva, da falta inclusive de medo. É aí, é nessas horas que precisamos encontrar com a gente pela esquina, que seja lá na Amazonas com Paracatu, e então a gente se vê vindo do outro lado, sorri um pouco e diz - necessário ser dito em voz alta- “ah..aquele ali é que sou eu”. E de repente fica sabendo muito bem qual sundae do Mc Donalds é melhor e que o melhor ano futebolístico de nossa vida foi mesmo, 1997, e que isso é muito importante assim como aquela discussão com um amigo (desses poucos), sobre toddy ou nescau. E pensar que eu preferia nescau. O que é bom, inclusive pra saber que nós mudamos. E foi tudo isso que me aconteceu ontem.
Andava não só triste, triste é até bom, mas cansado de uma monótona tristeza sem samba no coração (e também sem permissão de entrada) e sem cerveja no sangue. Nesses dias que agente sai da cama e volta 4 vezes, com a certeza absoluta de que é o único lugar do mundo. Um dia que não dá pra ver borboleta, passarinho, sol, lua, menina bonita, sorriso, passe do Zidane. Nada disso, nesses dias, faz da vida, algo que não só dá pra digerir como é inclusive bom, ainda mais com um cafezinho e um pedaço de queijo minas. Eu andava triste, amargurado. E ontem tive esse feliz encontro comigo mesmo, encontro no qual nenhum de nós dois faltou.
Logo de manhã, voltava da aula, voltava de uma prova na qual tinha a feliz certeza de dizer algo que precisa ser dito, mesmo usando o espaço alheio da chatice e da objetividade de toda a prova, algo que foi dito e nesse dizer valia, inclusive, os pontos que perdia na questão seguinte. Voltava satisfeito com uma missão cumprida, depois de tantas abortadas. Voltava de ônibus e foi aí que ela entrou. Ela que se há 10 anos entrasse nesses ônibus, ocorreria pela primeira vez um infarto de um moleque de 13 anos. Essa “ela”, ontem, encontrou um coração, não apenas controlado, mas certo de que ela passou. E a moça de nome mais que lindo, nome que não pode ser dito assim, aqui agora, sentou ao meu lado. Ela usava um grande óculos e acho sempre uma pena moças bonitas de óculos escuros. Óculos de grau pode e deve. Ela me viu, sentou ao meu lado e fomos conversando. Eu estava tranquilo, calmo e voltava no tempo e me via naquele menino tão profundamente apaixonado por essa menina, tão sábia na arte de ser mulher, quando ambos tínhamos nossos 9 anos de idade. Tão mais mulher que essas de hoje que pensam saber dizer “não sorrindo”, quando um “não sorrindo” é ação do mais alto porte que podem elas realizar em vida. E eu fiquei falando amenidades e lembrando desse outro tempo. Ela também falou futilidade quanto teria sido lindo se só calada estivesse ficado. Dá algum ódio da vida, quando descobrimos que algumas mulheres falam. Bonito seria o silencio, silencio que é sempre não só inteligente como profundo, fico eu aí só nos olhos, nesse lugar indecifrável sem verbo ou objeto. E nós fomos juntos, ela falando e se perdendo na minha alma, talvez pra sempre.
À tarde andava em direção ao estágio e vi aquele senhor tão velho e igual aquele outro que ele era há 15 ou 20 anos atrás. Esse pediatra tão clássico quanto é preciso um pediatra ser. Velhinho, com olhos ternos, piadinhas de criança sempre prontas, mas de voz e ação decisiva. O que mais acontece nessa relação é a confiança. E eu lembrava do consultório dele que tinha todos os bichos do mundo do Mogli pintados na parede. E tinha cadeiras pequenas e sofás de gente grande. E dentro do consultório havia outras salas e corredores ao qual era vedada nossa entrada, na qual viajava a imaginação em território impróprio e impossível, território com seus lugares secretos, espaços da imaginação que fazem tanto falta em 2005. O lugar onde as coisas são diferentes e senão melhores pelos menos especiais. Um consultório que apesar de sempre ir doente, volta à minha cabeça com uma alegria silenciosa e boba. Um tempo no qual quase nada de mim obedecia a meus comandos, o que era bom. Eu o vi meio atordoado, acho que nem me reconheceu, também com esse mundo de crianças que esse senhor via todos os dias. Crianças sempre iguais pras quais aquele senhor era sempre tão especial.
E no fim do dia encontrei mais duas colegas desse outro tempo no qual também era moleque. Uma muito chata e a outra muito impassível, quieta. Dessas pessoas que são necessárias para compor um filme. As coadjuvantes de minha vida, que são absolutamente necessárias. Mas só um pouco. E para as quais sem dúvida sou eu um mero figurante. É bom saber que agente figura o filme dos outros, e apenas isso.

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