Sunday, October 30, 2005

Hannah Arendt a 40 graus Celsius, ou apenas uma carta atrasada pro Chico

Estava sentado estudando nesse quente feriado. Estudava com o prazer de quem faz algo que gosta. No meu caso procuro, na junção de palavras, conceitos que me permitem (presumo eu) entender a realidade social, política, psicológica. Faço isso com um imenso prazer como quem, nesse mesmo dia de feriado, colhe manga num sitio ou faz gol de letra. Faço essa busca por bons conceitos com um prazer que acaba anulando a sensação de trabalho, o que é uma pena, pois como bom cristão (que nunca quis ser e não sou por opção) aprendi (melhor: vivi) que trabalho= sofrer = ser humano. Ou seja, aprendi que não dá pra trabalhar sendo feliz (isso só pode ser coisa de jogador de futebol ou de comunista) o que hoje tem conseqüências, senão desastrosas, sem duvida algumas desgastantes. Como ando fazendo o que gosto todo dia, tenho um pressentimento de que sou um vagabundo. Será?
Sei que nesse feriado de calor e céu azul fui estudar um pouco da espinhosa teoria política de Hannah Arendt. Sentado, logo começo a suar. Esforço-me e acabo alguma coisa lendo e aos trancos e suores vou estudando. Acontece que uma “delas” (essas idéias que não tem permissão de pouso) me invade a cabeça e aí começo a divagar sobre aquelas teorias européias (daí donde você tá Chico) que relacionam a nossa provável e tropical estupidez à incidência perpendicular de raios solares. Suar não combina com estudar, combina com uma porção de coisas, algumas das quais nem poderiam aparecer nesse papel. É fácil imaginar Nietzsche, Kieerkgaard, Schopenhauer e outros senhores com nomes cheios de consoantes, durante um inverno, no velho continente, passando horas “a frio” a estudar e filosofar. Estudar combina com o frio da mesma forma que o frio combina com a angustia. O frio traz o acolhimento e retraimento necessário a qualquer estudo decente. A concentração nas letrinhas e nos numerozinhos, o que seja.
Agora... Aqui no Brasil, nesse calor, num dia de feriado, sentar e estudar, enquanto as células sudoríparas trabalham, é muita persistência. Ainda, sabendo que (como diria o Rubem) “há moças que passam lá fora” o que acaba desmoralizando toda a atividade intelectual. E que essas moças, nesse dia de calor utilizam parcos pedaços de tecidos o que transforma o esforço, de estudar filosofia política, em algo de extra-humano, o que, obviamente, para um filósofo niilista existencialista pseudo-atleticano, não existe.
A partir disso tudo eu então proporia um estudo da relação entre teorias filosóficas e cientificas e o clima (nada muito criativo, já sei Chico), assim como a comida, a estação do ano, a umidade, o jogo do Madureira, o sorriso da Flavia, e a proporção de marquinhas de biquíni na cidade. Penso que teríamos aí boas teorias filosóficas e cientificas. Não dessas que me dizem que eu me diferencio do Chimpanzé em 0,1%. E aí penso no Chico que ta lá na Inglaterra (analisando o que tem nesse 0,1 %). País esse que agora se encontra no outono. País que não tem marquinhas de biquíni. Não tem samba. E os sorrisos são raros e ainda há a inexistência de uma boa feijoada. Não que eu coma muita feijoada por aqui, mas é necessário saber que, a qualquer dia da semana, encontramos uma feijoada por aí, na esquina. Ela deve existir no imaginário, e bem, vez ou outra no estômago. Sei que o Chico ta lá nesse lugar inóspito à existência de alegria, sorriso, batuque e torresminho o que deve fazer dele (que já tinha todo um campo pré-preparado) um puta hiper super-filósofo tristonho. Ateu, cético, agora triste (afinal sem samba!!) penso que o Chico, que agora também escreve freneticamente, vai “dar para um bom intelectual”.
Aproveito pra mandar a critica inicial daquele seu conto do Casamento. Acho que ficou muito grande, a primeira parte da histórica ficou meio chata, mas pelo que vi da segunda parte, isso junto vai criar um fenômeno fantástico, igual ao que aconteceu comigo, num outro dia, quando fui ao Opção. Fui com um certo tédio do mundo e sem esperança de alegria no coração, e acabei encontrando em beijos, abraços e sorrisos uma mocinha de olhos amendoados (não queria ser tão estereotipado na descrição) e pele morena. Isso me lembrou de potencial único daquele lugar em transformar meus desleixos na relação com senhora vida, em amor e tesão. Sei que a diferença, nessa noite, da experiência pra esperança consistiu em um delta positivo. Pouca esperança e uma experiência maravilhosa. O que na verdade acontece ao contrário todos os dias nas sociedades ditas, pós-modernas, na qual a esperança, sempre gigante, não condiz com uma experiência medíocre o que nos leva a uma insatisfação generalizada, mas isso nem mesmo é Hannan Arendt, e sim Agnes Heller e definitivamente não sei o que eu falo mais. È o calor.
Boa noite Chico e que essa carta (email, assim como digitar, não tem o menor senso poético) leve um pouco do calor que tanto conheces daqui, um Fá e um Sol sonoro assim como um tapa no pandeiro (com carinho como se fosse um tapa na mulher amada) e um gole de Skol, ou quem sabe, até mesmo uma Brahma.

Monday, October 24, 2005

Série: Se ninguém leu Rubem Braga, Antonio Maria ou Sergio Porto, porque haveriam, afinal, de ler Rafael Prosdocimi

A estratégia do meu time
Francisco Prosdocimi - http://chicopros.blogspot.com
Creio que não traria prejuízo a este relato se começasse dizendo que também dou valor àqueles que jogam pelo resultado. Cada time tem a estratégia que lhe convém. No meu time, entretanto, temos a filosofia de que um zero-a-zero é mais digno do que um um-a-zero com gol de barriga. A gente perde sim, perde mais do que ganha, mas a vida é assim -- e o futebol nada mais é do que uma mera representação da vida. Nos acostumamos com a derrota; e por mais que isso possa parecer algo ruim, garanto-lhe que serve ao menos para dar às vitórias um aspecto mágico e único que gostamos de guardar. Apesar disso, eu evidentemente não diria que gosto de perder: claro que não! Ninguém gosta. Bom mesmo seria vencer todas as partidas, jogando bem e apresentando o futebol arte. Mas sei que a rapadura é doce apesar de não ser mole e dos jogos que participo, devo confessar que perco a maioria. Já perdi inclusive partidas em que tinha tudo para ganhar, que joguei bem, dei bons passes e meti bolas na trave. Fizesse um gol numa dessas ocasiões, ele certamente teria valido por dois e teria motivado o time de forma tão drástica que uma súbita goleada seria inevitável.Por vezes algum de nossos jogadores faz gol de barriga, de canela ou até de mão, mas ele sabe que não é isso que esperaríamos e já vai andando para o meio de campo com a cabeça baixa. Os companheiros sequer batem em suas costas: não há comemoração. É que tais gols algumas vezes acabam por acontecer, a despeito da vontade dos atletas quando, por exemplo, o goleiro está fora do lance e a bola chega rápida, bate no corpo do infeliz e desvia sua trajetória para o lado de lá da linha branca. A torcida até gosta, comemora, mas a gente mesmo se sente humilhado e dá vontade de voltar no tempo para fazer com que não estivéssemos ali naquele instante, que conseguíssemos nos desviar. Definitamente nosso time gosta é de fazer golaço, gostamos de esperar a gorduchinha chegar redonda para que dominemos, driblemos com classe o líbero, passemos pelos troncudos zagueiros e, com uma finta de categoria, obriguemos o goleiro a pular para o lado errado, depois de ter dado aquele toque de classe que faz a pelota correr só o suficiente pra encontrar as redes do lado de lá da linha e levar a multidão à loucura. São dessas jogadas que realmente gostamos.Além do mais, o forte do nosso time jamais foi o ataque. Dessa forma, nunca nos sentimos na obrigação de fazer gols, apenas de fazermos uma bela apresentação. Gostamos de jogar pelo meio de campo, às vezes até no campo de defesa. Mas apesar de não sentirmos aquela forte obrigação de atingir a meta, temos muita vontade de fazer nossas apresentações artísticas dentro da área do adversário, com o claro intuíto de balançar as redes, mas com a paciência necessária para garantir um gol bonito, de classe. Nos imaginamos recebendo aquela bola perfeita, que vem exatamente na direção da cabeça, para que a peguemos no ar e miremos no chão, de forma a enganar o goleiro e balançar o filó com vigor. E apesar de que às vezes nossos jogadores se desanimam por passarem tantos jogos sem marcar, estamos sempre esperando nosso grande momento. Mesmo nesses casos, quando acontecem várias derrotas seguidas, ainda somos fortes o suficiente para não esquecermos nossa filosofia e continuarmos a esperar aquele bom passe que nos coloque frente a frente com o goleiro para que possamos pegar a bola de voleio ou de bicicleta. Se ela vier mesmo redondinha, talvez nosso atleta ainda a mate no peito e complete com um chute que vá atingir justamente o lugar reservado à coruja que, com seus enormes olhos, verá a bola entrando e voará sem rumo conhecido, mas que jamais esquecerá aquele lance sublime.Por vezes ensaiamos jogadas que funcionam muito bem nos treinos, mas que dificilmente conseguimos reproduzir durante as partidas, dentro das quatro linhas, quando o juiz apita. É que nas jogadas ensaiadas não conseguimos prever ao certo o comportamento do adversário, que normalmente está com a zaga em melhor forma do que imaginamos.De fato, meu time gosta mesmo é do futebol arte. E, mais do que isso, não poderíamos sequer dizer que isso seja de fato um gosto. No fundo achamos que temos um dom, que nascemos para jogar assim. Eu até entendo e valorizo o estilo do Parreira, o jogo pelo resultado, mas no meu time jogamos diferente. Não ganhamos campeonatos nem competições ou copas do mundo, perdemos grande parte dos jogos. Mas felizmente há também aquelas partidas que ganhamos. Ah, e quando vencemos as partidas são sempre vitórias memoráveis que ficarão eternamente na memória da torcida, do adversário e na nossa própria. Gostamos de mostrar aquela perfeita troca de passes; eu mesmo gosto de dominar a bola e seguir com ela no pé, gosto de driblar um ou dois dos zagueiros e chutar ali no ângulo, sem chance para o goleiro. Por vezes, em meu time, os atacantes gostam também de arriscar um pouco e, ao invés de dominar a bola, pegam-na de primeira e dão aquele bicudo. Pode ser que a bola vá para fora e às vezes ela realmente passa longe do gol. Mas quando eles pegam de jeito... Ah, aí é gol de placa. Incluvise podemos ganhar pouco, mas ao menos temos várias placas comemorativas e somos responsáveis pelos mais bonitos gols já realizados nos mais diversos estádios, em diferentes situações e climas. E são essas placas, marcadas na eternidade de nossas memórias, que nos motivam a continuar acreditando e tentando e apostando sempre, e mais uma vez, nessa maravilha que é o futebol arte.

Thursday, October 20, 2005

Presente para um Amigo.

Estava passeando por Mangueira, no chão, muitas folhas verdes caídas me fizeram sentir que pisava num (01Chão de Esmeraldas), (02Sei lá, Mangueira) me faz sentir um rei, e faz de tudo ao redor pedra preciosa. Aí fui procurar meu compadre: (03Zeca, Cadê você), meu irmão, quéde tu. Tô precisando trocar uma idéia com esse meu irmão. Eu, que até bem pouco tempo atrás, era apenas um (04Moleque Atrevido) que olhava no (05Espelho) e só via um (06Malandro), um pegador de senhoritas, sem coração, e destemido. Depois que cresci, sofri e estudei matemática, aí entendi a tal (07Regra Três) onde menos vale mais. Meu coração então se apaixonou, endoidou e ficou numa (08Disritmia) do cacete. E lá fui eu viver o meu (09Samba Do Grande Amor), sabe como é, (10Deixar Acontecer), porque (11Amar é Bom). Era. E depois começa os problemas e aí só dá (12Briga de Casal) , e quando eu juntava a rapaziada e fazia lá em casa aquela (13Feijoada... Completa) estava a confusão e tudo isso reforçava essa nossa (14 Incompatibilidade Gênios), e aí descobri a sua (15Falsa Consideração) por tudo o que me importa na vida, samba, cerveja e amizade. Eta (16Insensato Destino) que me colocou no caminho um amor, uma mulher, que nunca poderia ser (17Minha), porque de tudo éramos ao contrário. Os amigos sempre diziam: “(18Deixe a Menina)”, e eu deixei, depois teve aquela fase que eu ligava pra ela e dizia, quase todo dia, (19Volta Meu Amor), lembrava sozinho, sentado no bar, ouvindo nossa música e (20Esta Melodia) me dava uma tristeza daquelas. Mas como dizem por aí (21O Show tem Que Continuar) e o único remédio pra (22Tristeza...pé no chão), pandeiro e cerva gelada.

Saturday, October 15, 2005

NOTAS DE UM SAMBA, QUALQUER UM...

Ela rodava com uma saia branca que subia naquele tanto que apenas estimulava a fantasia da visão pura de seu corpo. Aquele sujeito que a rodava, achando que com ela dançava, pegava em sua cintura com descuido, mas nesse pegar, sua blusa subia e a pele, a carne da barriga, da cintura, ficava à mostra e ela rodava e rodava, e ria...e nesse fenômeno de uma linda moça rodando, eu vi algo que tem gente que olha pra uma tela, uma escultura, uma obra de arte e vê... Mas ali era a própria vida, que sorria e dançava, e não comigo. Sempre não.

Papai! Papai, quando eu crescer eu quero uma menina igual àquela com o pandeiro ali ,e a quero sentada na minha sala a tocar pandeiro e olhar pra parede, mas a quero o dia inteiro.

E essa aqui...Ela vem pro meu lado e finge um charme que eu traduzo rapidamente em desespero, e jogo com essa moça que não só é feia, mas, sobretudo, desinteressante e que deve gostar de Maria Rita e fazer faculdade de direito.

O samba é um bom substituto da religião. É um fenômeno de salvação. Eu sambo como quem reza, o que significa que acredito muito que o samba pode tudo, e faz dessa vida uma possibilidade.

Ela e a irmã estavam ao lado e eu não saberia dizer por qual batia meu coração. As duas funcionavam no mesmo comprimento de onda do samba, como eu, o que só significa que nossos corpos eram só a continuação da batida e que todos estávamos materialmente ligados ao pandeiro, que é o mais charmoso e fino instrumento do samba. O rei. Já que é o que menos fala e o que mais define o andamento do resto. Eu proporia a alguém, mais gabaritado filosoficamente, um tratado sobre o assunto. A saber, a responsabilidade do pandeiro, sobre o meu, o nosso coração, a nossa vida, pois o pandeiro é quieto, calmo e repetitivo e totalmente necessário. Elas dançavam e riam e dava pena desse euzinho aqui que ficou olhando, e participando da vida assim, sem pudor e nem vontade de que qualquer coisa fosse diferente.

Thursday, October 13, 2005

Apenas um Bar


“Aquela puta não tinha nada que mandar esse convite”. Eu pensava nisso enquanto queimava a merda do papel. Sentado no balcão de um bar qualquer, lembrava dessa mulher que quase me fez querer casar, ter filhos e levá-los todos domingo ao zoológico, o que, pensando hoje me dá uma desagradável sensação de tédio e aborrecimento. E um pouquinho de nojo também. Como matar baratas descalço.
Como eu fazia antigamente, com relação a suas ações sempre tão estranhas, irracionais e tolas (ou seja: femininas), pensava nos motivos dela me convidar para o seu casamento. Algumas possibilidades: diria ela, talvez, que se esquecia de mim de vez, mas que continuava me achando um cara “legal e bacana” e materializava tudo isso nesse papel caro, fino com seu nome ao lado do nome daquele filíádaputa e endereçado a mim; diria nesse papel, que fazia questão da minha presença no seu casamento, e me convidava do tanto que eu havia me tornado inofensivo. Ou estaria ela pedindo que eu chegasse lá e impedisse toda aquela bobagem, interrompesse aquela festa babaca, a levasse pro um quarto qualquer e acabasse com ela, daquele jeito. Como naquele apartamento do qual ela sempre me dizia, após a cena (em todos os seus atos)... “Ai...Ai... será que tem jeito de ser melhor”. Que bosta ser um romântico, tudo tão fantasiado e floreado que às vezes a gente até acha graça na vida e não se mata de beber.
E esse merda aqui na minha frente que fica olhando torto, que droga de barman. Não se pode mais beber decentemente e queimar convites de casamentos de paixões antigas, mas nunca apagadas, tranqüilamente? Que paradoxo, queimar o convite para apagar a paixão. Em que país vivemos. Ele me olha torto, com essa cara de mau, de valente, camisa sem manga, braço mais gordo que forte, com tatuagem típica de presidiário de filme americano, mas que deve, no fundo, viver com a mamãe e tomar café da manhã com sucrilhos. Não sei se peço a décima cerveja ou se quebro a cara dele. Talvez pedirei primeiro a cerveja e depois, se ele encrencar, quebrarei o cara.
Peço a cerveja que vem sem problemas, o que é bom, porque talvez esse barman fosse mal mesmo, o que em nada ajudaria na minha dor de corno. O que ajudaria mesmo, nesse momento, seria uma boa trepada. Uma dessas com carinho. Mas sem amanhã. As mulheres confundem carinho com amor. E confundem amor, como “monopólio afetivo”. E estendem essa forma de domínio e controle a toda eternidade. Qualquer demonstração de carinho, da minha pessoa, pode então ser entendida como uma proposta de “monopólio afetivo eterno”, e não tem nada disso. Como aconteceu com essa puta que se casa amanhã. Encheu meu saco, cobrando casa, casamento, filhos, jardim. Não que eu não gostasse dela, só não fazia sentido com uma vida apenas, gastá-la todinha com essa moça com cerca branca, contas e fralda suja. Se bem...Se bem o caralho.
Um dia fodido de trabalho, funcionário público, bêbado, abandonado (por opção), ex-amor da vida inteira com casamento pra daqui a 24 horas, só uma boa mulher me faria um bem agora. Elas que sempre me atordoam, nos olhos, ombros e carnes. E aquela puta ali atrás que fica me olhando, não desgruda o olho de mim. Ah, mulher.
Putas profissionais são boas porque elas vão embora, apesar de cobrarem, o que me dá nos nervos. Inclusive penso que pagamos apenas para elas irem embora. Eu sempre acho que o que gastamos com prostitutas é menos do que se gasta com as outras, ditas, amadoras. Sabe como é a piada: “a diferença de sexo pago e sexo de grátis é que o primeiro sempre sai mais barato”. Mais isso de pagar explicitamente pra dar prazer a uma mulher, onde já se viu. Olha essa aí: Ancas largas, cabelos desgrenhados (mas que podem ficar ainda mais) uma cara de safada. Só mais umas cervejas e vou lá.
Peço mais uma cerveja pro barman que diz que “é hora de fechar amigão”. Odeio esses caras que dizem, amigão, como se isso impedisse, que eu, a qualquer hora, ficasse puto com ele e o mandasse a merda, de punho cerrado. Olho ao redor e realmente o bar está fechando, além de mim estão a puta que me espera, um velho pianista negro toca ao fundo, totalmente chapado, e acompanhado de uma velha que já não se agüenta em pé. O papel do convite queima lentamente em cima de um cinzeiro. Visto meu chapéu, pago a conta e vou embora. Olho pra puta que vem na minha direção. E você que seja feliz por toda eternidade, porque felicidade a vida toda deve ser uma merda, além do quê deve dá muito sono.

Monday, October 10, 2005

Série: Se ninguém leu Rubem Braga, Antonio Maria ou Sergio Porto porque haveriam, afinal, de ler Rafael Prosdocimi...

A LIRA CONTRA O MURO-----RUBEM BRAGA


Meu poeta, pois então vamos falar sobre mulheres. Garanto que é um belo assunto. De um certo modo reconheço que isso é um pouco humilhante, quando se é moço. Basta pensar isto: enquanto estou escrevendo, lá fora, na rua, passam mulheres. Minha obrigação era descer as escadas e ir vê-las. É um verdadeiro crime um homem ficar dentro de uma sala escrevendo, sob a luz artificial, quando lá fora a tarde ainda está clara e há mulheres andando. É aflitivo pensar que a vida está correndo e nós estamos aqui conversando. Confesso que as vezes acho qualquer coisa de humilhante na literatura...Mas o certo é que vivemos um mundo assim. É espantoso como este mundo em que vivemos não presta. Dizem que não adianta bater com a cabeça contra o muro. Bato freqüentemente. É possível que qualquer dia a minha cabeça arrebente. Mas lá fora, do outro lado, deve chegar um som qualquer de minha cabeça.
Lá fora...Certamente nem eu nem você saberíamos viver lá fora. Seria como se nos tirassem da cabeça o peso da atmosfera ou como se, de repente acabasse a força da gravidade. Morreríamos afogados no ar. Conheci, há pouco tempo, um homem que passou vinte e cinco anos na cadeia. Mas não quero falar daquele homem. Sinto que se o muro caísse, eu seria como aquele homem. Cuspiria no chão a horas certas, para ter a gloriosa certeza de que não é proibido cuspir no chão. Bem, mas é preciso não esquecer de que lá fora não existe. Isso é um segredo tão terrível que você pode contar a todo mundo. Ninguém acreditará. Todos os homens farão um sinal com a cabeça. “Sim, já sabíamos há muito tempo”.Mas no fundo do coração ninguém acreditará.
Na verdade, estamos todos presos, e precisamos ter uma aguda consciência disso. Você, poeta não tem consciência de classe. Tem coragem de dizer que ama tudo o que é lindo e humano, a beleza em gera, as mulheres, os sentimentos delicados, a poesia essas coisas- e detesta política. Você sabe, poeta que há mulheres que são como flores empoeiradas? Se você encontrasse uma pequena flor coberta de poeira, jogaria gotas de água sobre aquela flor. As pétalas poderiam, então, sentir a caricia fresca do vento- suponhamos-, da brisa terral. Seriam assim umas onze horas da noite. A brisa terral vindo lá de dentro, do meio do grande país, indo para o mar lá longe, o mar aberto, o grande mar. E a brisa terral beijaria aquela flor, e aquela flor seria mais linda. Você ficaria comovido e se sentiria bom. Pois, meu poeta, ali estão as mulheres empoeiradas. Há mãos de lírios limpando panelas engorduradas. Mãos que poderiam ser de lírios e estão grossas e vermelhas. Há moças em massa, há moças em massa ficando feias, metodicamente feias, ficando feias. Há mulheres em massa, belas mulheres murchando, murchando, murchando depressa. Há mocinhas, surpreendentes mocinhas que ficarão doentes antes de florescer. Há crianças que jamais serão mocinhas. Morrem muitas crianças, e na maioria não morrem de propósito para virar anjinho; morrem devido a moléstias intestinais.
Mas estamos falando de mulheres. É extraordinário notar que elas não são simplesmente mulheres, e não existem apenas quando passam por nós ou são beijadas, ou suspiram. É extraordinário saber que elas vivem. E grande número são subalimentadas, e precisam de educação e higiene duas coisas caríssimas. Naquela noite aquela pequena não foi se encontrar com você porque a meia esquerda desfiou e o outro par estava molhado. Aquela outra não sorriu para você porque só pode pagar a um péssimo dentista. Aquela outra está com a pele ruim porque alguma coisa dentro dela não está funcionando direito, e ela não pode procurar um especialista. Não pense que a filha daquele funcionário dos correios ficou tuberculosa para imitar a Greta Garbo da Dama das Camélias. Acontece que um litro de leite custa mil e duzentos. Não sei de quem é a culpa, mas seguramente não é das vacas, nem de Margueritte Gauthier. Muitas mulheres amariam os seus versos se elas soubessem ler, ou se não soubessem apenas ler.
Não, poeta, eu não levarei o meu mau-gosto a ponto de falar das operárias- dessas estranhas mulheres que não tem o direito se ser bonitas nem saudáveis- ou das mulheres da roça que vivem para trabalhar e parir. Não quero magoar você, poeta. Apenas quero que você pense nesse formidável capital de beleza e, portanto, de lirismo, que este mundo aí está massacra sistematicamente.
As flores empoeiradas...Há flores cobertas de poeira, flores que murcham sufocadas pela poeira. Que as mulheres trabalhem. Mas que elas vivam, possam respirar bem, florescer em beleza, crescer debaixo do sol, amar sem doenças e dar à luz filhos fortes e livres. Que a vida, poeta, a grande vida cheia de sentimentos e de mistérios dos humanos, possa ser vivida um pouco por todos. Você vai me chamar de materialista e reclama o “primado do espiritual”: mas eu quero que nos lugares onde faz frio haja um chuveiro quente em cada casa para que as mulheres que não podem tomar banho firo possam tomar banho todo dia, com facilidade. Elas não perderão a poesia: perderão apenas a poeira. Perante este povo imenso de tantas mulheres sujas eu pergunto: por que não há mais chuveiros quentes? Ou simplesmente: chuveiros? Temos enormes quedas d’água para despejar eletricidade sobre o país; eletricidade e água, água muita água...Mas, poeta, não quero convidar você a lutar contra o imperialismo e contra toda a exploração. No fundo este nosso povo pobre é tão espiritual. Sofrer é belo, enobrece as almas. Mas as flores estão cobertas de poeira. Elas estão murchando. Já nascem murchas. Você acha que uma vida mais limpa e mais livre poderia matar a poesia? Não, poeta, você sabe que o lirismo não é o lixo da vida, e que a poesia não morre, que a poesia é eterna e infinita no peito humano. Meu poeta, você está convidado a bater a com a cabeça no muro. Pode bater com a lira também. Se ela quebrar, não faz mal. Soltará um belo som, e esse som será uma profunda poesia.
São Paulo, 1937

Thursday, October 06, 2005

Apenas um hábito

Ainda conservo um último hábito prazeroso, um último movimento que prende algo de libido às horas, aos dias, à vida. Um último refúgio no qual me prendo a esse mundo sem saber de um outro possível. Deito-me e, independente da temperatura, me coloco dentro das cobertas, de preferência usando meias. Nesse momento as tiro. Tirar meia em dia de calor = beber água em dia de ressaca. Voltando. Tirando a meia ponho em contato meu corpo quente ao frio do tecido. Dentro da cama passo a movimentar os pés, as pernas, espreguiço ligeiro e repetidas vezes. Fico assim meio bobo como a me aventurar sexualmente com a minha cama. Como se fossemos dois jovens a se beijar, abraçar e colar os corpos para se sentirem melhores, para se conhecerem fisicamente, como aconteceu aquela outra imprevisível noite, que, afinal, não deu em nada.
Antes eu já parava o mundo no copo de café. Um copo que apesar de plástico me fazia sentir um rei, um rei que do mundo, que da vida, tirava apenas um café e secretamente, até pra mim mesmo, imaginava o mundo inteiro esperando uma decisão minha, e nessa pressa, desses outros, estaria eu tomando meu café, respirando dentro do copo, esquentando minhas narinas. E pensando qual seria a solução para o meu reino. Pouco depois o café precisava vir acompanhado de um pedaço de queijo. O café e o queijo, em comunhão, produziam um sentido. Já fora o tempo do prazer de descobrir palavras escondidas no mundo, palavras escondidas à minha espera. Encontros com Rubem Braga e Sergio Porto (principalmente o ultimo), cuja raridade dos achados, e o trabalho da busca, transformavam-me num pirata ou mesmo num arqueólogo da frase perfeita (como a autodefinição de Rubem Braga, enquanto peladeiro: “um meia-direita medíocre, mas furioso”). Esses dois buscavam as mulheres mais tentadoras que seriam descritas de uma forma, que de tão banal, virava até poesia. Poesia de verdade sem nada de musica das estrelas, ou mesmo alusões às flores ou algo assim. Esses homens que falam das mulheres as descrevendo pelos ombros, cotovelos e canelas merecem essas que eles tiveram. Ah, naquele tempo vivia-se o que se escrevia, pelo menos é o que eu quero crer.
Aí veio o samba, veio o Chico Buarque o Gonzaguinha o Raul Seixas, os Beatles esses que possuem as músicas mais lindas, as que permanecem desconhecidas, à minha espera.
Até mesmo Led Zeppelin, meu deus! O quão confortável foi ouvi-los depois de tanto tempo, até pensei uma coisa meio tola, mas bonitinha, que foi a capacidade de “Stairway to Heaven” de decorar os mais inóspitos ambientes e transformá-los em casa. Conforto. Duvido que uma decoradora entenderia o que digo.
Rememoro épocas em que dormir não consistia apenas em descansar pra que amanhã nos cansemos de novo. Mas o quanto sonhava coisas, moças que pareciam tão reais e ainda na cama sentia um perfume, seios que são diabolicamente transformados em um travesseiro feio. Acordava apesar de tudo feliz, e contava as horas pra de novo voltar à cama. Apesar disso tudo se estivesse em Matrix, provavelmente escolheria a pílula azul, sairia de Matrix (um bravo) e me arrependeria silenciosamente o resto da vida, ansiando por imagens cerebrais belas, sensações agradáveis. É preciso acatar nossa mais tenra mediocridade, tratá-la bem, pois é ela que nos une. Nós todos. E de tudo da vida, que tem graça ultimamente, passo o dia esperando a cama e nela deito a roçar as canelas. É claro que tudo isso é mentira, pois tenho minha pequena que me olha muito pra mim e sonha qualquer coisa dela na qual eu devo aparecer, mas achei mais uma vez bonito não ter muitos prazeres na vida (o que é verdade) e se grudar a relar a perna na cama como a desprezar a vida, pois se dissesse da felicidade, do gozo e da pizza, anteontem, vocês provavelmente teriam um pouco de nojo dessa alegria...Eu teria.

Sunday, October 02, 2005

O Encontro Marcado

Acho que todos temos que nos encontrar de vez em quando por aí. Às vezes, andamos meio perdidos, ou perdidos e meio, sem saber muito quem somos, onde é melhor pra tomar uma cerveja, de qual moça derramamos mais suspiros, qual tom de castanho feminino combina mais com o mel de meus olhos, ficar aqui ou sair da cidade, para sempre talvez. Andamos assim um pouco chorosos cansados de todas essas perguntas, dos dias cinzas, da chuva, da falta inclusive de medo. É aí, é nessas horas que precisamos encontrar com a gente pela esquina, que seja lá na Amazonas com Paracatu, e então a gente se vê vindo do outro lado, sorri um pouco e diz - necessário ser dito em voz alta- “ah..aquele ali é que sou eu”. E de repente fica sabendo muito bem qual sundae do Mc Donalds é melhor e que o melhor ano futebolístico de nossa vida foi mesmo, 1997, e que isso é muito importante assim como aquela discussão com um amigo (desses poucos), sobre toddy ou nescau. E pensar que eu preferia nescau. O que é bom, inclusive pra saber que nós mudamos. E foi tudo isso que me aconteceu ontem.
Andava não só triste, triste é até bom, mas cansado de uma monótona tristeza sem samba no coração (e também sem permissão de entrada) e sem cerveja no sangue. Nesses dias que agente sai da cama e volta 4 vezes, com a certeza absoluta de que é o único lugar do mundo. Um dia que não dá pra ver borboleta, passarinho, sol, lua, menina bonita, sorriso, passe do Zidane. Nada disso, nesses dias, faz da vida, algo que não só dá pra digerir como é inclusive bom, ainda mais com um cafezinho e um pedaço de queijo minas. Eu andava triste, amargurado. E ontem tive esse feliz encontro comigo mesmo, encontro no qual nenhum de nós dois faltou.
Logo de manhã, voltava da aula, voltava de uma prova na qual tinha a feliz certeza de dizer algo que precisa ser dito, mesmo usando o espaço alheio da chatice e da objetividade de toda a prova, algo que foi dito e nesse dizer valia, inclusive, os pontos que perdia na questão seguinte. Voltava satisfeito com uma missão cumprida, depois de tantas abortadas. Voltava de ônibus e foi aí que ela entrou. Ela que se há 10 anos entrasse nesses ônibus, ocorreria pela primeira vez um infarto de um moleque de 13 anos. Essa “ela”, ontem, encontrou um coração, não apenas controlado, mas certo de que ela passou. E a moça de nome mais que lindo, nome que não pode ser dito assim, aqui agora, sentou ao meu lado. Ela usava um grande óculos e acho sempre uma pena moças bonitas de óculos escuros. Óculos de grau pode e deve. Ela me viu, sentou ao meu lado e fomos conversando. Eu estava tranquilo, calmo e voltava no tempo e me via naquele menino tão profundamente apaixonado por essa menina, tão sábia na arte de ser mulher, quando ambos tínhamos nossos 9 anos de idade. Tão mais mulher que essas de hoje que pensam saber dizer “não sorrindo”, quando um “não sorrindo” é ação do mais alto porte que podem elas realizar em vida. E eu fiquei falando amenidades e lembrando desse outro tempo. Ela também falou futilidade quanto teria sido lindo se só calada estivesse ficado. Dá algum ódio da vida, quando descobrimos que algumas mulheres falam. Bonito seria o silencio, silencio que é sempre não só inteligente como profundo, fico eu aí só nos olhos, nesse lugar indecifrável sem verbo ou objeto. E nós fomos juntos, ela falando e se perdendo na minha alma, talvez pra sempre.
À tarde andava em direção ao estágio e vi aquele senhor tão velho e igual aquele outro que ele era há 15 ou 20 anos atrás. Esse pediatra tão clássico quanto é preciso um pediatra ser. Velhinho, com olhos ternos, piadinhas de criança sempre prontas, mas de voz e ação decisiva. O que mais acontece nessa relação é a confiança. E eu lembrava do consultório dele que tinha todos os bichos do mundo do Mogli pintados na parede. E tinha cadeiras pequenas e sofás de gente grande. E dentro do consultório havia outras salas e corredores ao qual era vedada nossa entrada, na qual viajava a imaginação em território impróprio e impossível, território com seus lugares secretos, espaços da imaginação que fazem tanto falta em 2005. O lugar onde as coisas são diferentes e senão melhores pelos menos especiais. Um consultório que apesar de sempre ir doente, volta à minha cabeça com uma alegria silenciosa e boba. Um tempo no qual quase nada de mim obedecia a meus comandos, o que era bom. Eu o vi meio atordoado, acho que nem me reconheceu, também com esse mundo de crianças que esse senhor via todos os dias. Crianças sempre iguais pras quais aquele senhor era sempre tão especial.
E no fim do dia encontrei mais duas colegas desse outro tempo no qual também era moleque. Uma muito chata e a outra muito impassível, quieta. Dessas pessoas que são necessárias para compor um filme. As coadjuvantes de minha vida, que são absolutamente necessárias. Mas só um pouco. E para as quais sem dúvida sou eu um mero figurante. É bom saber que agente figura o filme dos outros, e apenas isso.