Tuesday, January 10, 2006

IDÉIA SIMPLES E ANÁRQUICA



Há três semanas uma colega me contou uma história. E lembrei dela (da história) agora num congresso. Esse congresso era realizado no campus da UFMG, em diferentes prédios de um campus que não poderia, nunca, ser chamado de pequeno. Dessa forma, as pessoas tinham que se deslocar pela universidade. Estamos em novembro e chovia. Sendo assim, havia a aventura de fugir da lama (não a metafórica), e das águas celestes, e com tudo isso as pessoas estavam se tornando um pouco irritadas, e começavam a reparar em um outro problema que era a desorganização do congresso (do qual eu fazia parte, enquanto desorganizador). E reparavam em tudo mais, em todas as coisas que reparamos quando estamos tristes e irritados, na fila do restaurante, no atraso de palestrantes, na falta de sinalização indicando onde aconteceriam os eventos... Isso tudo acabava criando um clima não muito propenso a trocas intelectuais, e também a outras trocas, o que nunca foi bom para o avanço do conhecimento cientifico universal.
Enquanto psicólogo medíocre, mestre do bem-estar entre as pessoas, esse clima humano- que refletia bem aquele do céu acima de nós, o cinza - se espalhava e contaminava todos. Foi aí que eu lembrei da tal história que venho enrolando em contar, a que me foi contada por uma boa amiga, lá na primeira linha. Na Holanda, na década de 60 um grupo de anarquistas (os chamados PROVOS) colocou em prática uma idéia muito linda, que é simplesmente a de abolir, momentaneamente, a propriedade privada. Ao que me parece (anarquistas de plantão me ajudem...) essa ação consistiu em se deixar uma bicicleta branca na cidade, uma bicicleta para o uso de todos, mas que não fosse de ninguém. A bicicleta era usada por quem precisasse e então era deixada em qualquer lugar público, e dessa forma outro vinha e também andava, e assim por diante. A bicicleta era de todos e de ninguém. Se funcionou, funciona ou funcionaria, minha pessimista intuição me diz pra não perguntar, com a finalidade de manter o principio e a beleza da idéia, o que às vezes se sustenta por si. E foi então (lembrando da bicicleta e da lama, da chuva, do campus enorme e das pessoas tendo que atravessá-lo), que pensei que deveríamos comprar guarda-chuvas brancos para esse congresso, visto que as pessoas precisavam dos guarda chuvas pra se deslocar entre os prédios, e aí os deixariam nas portas dos prédios e assim sucessivamente. Colocaríamos em evidência tal ação, o que, num congresso de Psicologia Social, poderia ser entendido como uma intervenção psicossocial, pois provavelmente contribuiria pra criar um sentimento de pertença, de algo que nos une. Achei a idéia genial, e que daria um colorido poético ao cinza de algumas linhas atrás.
Era só comprar guarda-chuvas grandes, uns 20, fazer uma etiqueta plastificada explicando a idéia, colocar um porta guarda-chuvas nas portas dos prédios e tal. Não chegava a ser complicado.
Acontece que resolvi manter essa idéia lá naquele plano paralelo das idéias lindas, como me é de costume. Só tive a idéia, a concebi, gozei um pouco com essa minha criatividade e daí tomei um café e comi um pão de queijo. Mas foi uma boa idéia, porque um guarda-chuva assim como a tal bicicleta são objetos específicos para essas situações, pois a única essência de suas existências, a única coisa que importa é existirem quando se precisa, e que funcionem corretamente. Uma tem a função de transportar pessoas e a outra de impedir que elas se molhem. Nada de fetichismo da mercadoria. Pois já acho que os próximos telefones celulares virão com alma.
Nem fiquei me sentindo tão culpado por mais uma vez nada ter feito, mas isso só porque não choveu mais no congresso, e daí não se precisou mais de guarda-chuvas brancos... e nem pretos.

2 comments:

Anonymous said...

Rafa. . .Apesar d ter adorado a idéia, pra mim nd foi mais charmoso do q pegar e dar krona d guarda-chuva para pessoas dos quatro cantos do país. A chuva deu um clima ao evento e promoveu uma "socialização" maior dos participantes, fato que, conforme ouvi d alguém q respeito mto, é td q precisamos na vida...Sorte d qm soube aproveitar...Bjnhos pra ti!!!

Prós said...

Pois é, por isso que cada vez mais entendo pq isso aqui é primeiro mundo. No Sanger existe isso! No alojamento para visitantes daqui existe *exatamente* isso, vc não foi o primeiro a ter essa idéia. Existe nas portas dos apartamentos um bacião onde guardam guardas-chuvas. E aí a pessoa pega, usa e deve devolver pro mesmo lugar. Outro dia recebi um e-mail do centro do Sanger falando que muitos tinha sumido e pedindo pras pessoas devolverem. Aposto que devolveram.
Fora isso muitos colleges daqui têm bibliotecas que funcionam sem gerenciamento. Simplesmente elas existem e vc pode pegar qualquer livro que tenha lá e devolver quando quiser. Em algumas existe um controle de VC escrever seu nome na lista pra que alguém que queira um livro saiba que ele existe ou está com outra pessoa. Dizem as más línguas que essa biblioteca aí cada vez tem mais (não menos) livros. As pessoas vão deixando livros lá tbm.
Mais espanto ainda. Aqui no Tesco, supermercado da rede extra, existe um caixa self-service. Você chega, passa vc mesmo suas compras no leitor de código de barra, paga para a máquina e vai embora. Rola até de receber troco e tal. Primeiro pensei que tinha câmera marcando, mas dei uma olhada e não vi não... acho até que deve ter, mas realmente duvido que olhem todas as pessoas.
Primeiro mundo, meu amigo, é isso! Dá até vergonha de pensar em roubar alguma coisa.
No mais, acho que é uma mistura de covardia com sadismo ficar mandando tanto post anônimo assim. :^)