Sunday, February 20, 2005

De sair e ter medo

Rafael Prosdocimi

Ontem, antes de sair de casa, eu me olhei no espelho 43 vezes. Verifiquei se estava com a chave do carro 12, passei 5 vezes o desodorante, despedi-me de mamãe umas 4 vezes e quase cheguei a blasfêmia de rezar. Isso porque eu estava com medo. Não ia de encontro com a morte, o perigo, ou ao meu casamento. Ia ao encontro de colegas que não via há mais de uma década.
Eu cheguei na casa da reunião muito rápido, pensei, queria ter me perdido no caminho e ter demorado mais, que é pro espírito se acostumar com a idéia desse reencontro com tanta gente de um tempo que eu era menos rígido, menos estúpido, menos medíocre, um eterno tornar a ser qualquer coisa. Meditei um pouco, vi que não havia nada a fazer, eu estava ali. Foi aí que entrei...e vi de cara um rosto conhecido...Ufa!
O melhor desse dia não foi ter visto rostos que marcaram tanto a minha vida (apesar dela não ter ido); de lembrar que “éramos felizes e sabíamos”, só não se sabia, ou não se entendia, que isso tudo passava; de relembrar casos que pareciam dormidos em minha mente. O melhor foi sem dúvida o cheiro, o gosto, a possibilidade de vida nesse encontro. O cheiro de infância, o cheiro de algo que está por vir, a idéia, nesse encontro, de que a vida é uma possibilidade linda e futura, de que há um mundo tão belo e encantado por vir. Época na qual ir a uma festa, sair de casa, uma caminhada, era um evento que tomava proporções de monopólio da conversa com todas as pessoas de casa, no café da manhã. Não esse, agora, sentimento de eterna repetição que todas as festas, todos os encontros me causam. Com suas rodas de papo já definidas, seres estáticos e modorrentos, chatice em todos os níveis. Festas que cansam mais do que fazem iluminar, surgir algo novo. Festa não dos seres humanos, mas da vida mesquinha e medíocre, com suas bebidas contadas, suas horas de acabar, a vontade de ordem imperando. Festa e ordem, palavras inimigas. Há alguns meses eu matei sábado a noite. Matei essas noites tão iguais e tão sem graça. Nunca mais havia sentido esse medo de chegar em algum lugar, encontrar pessoas que não via há 13 anos, saber de quem vou me lembrar e de quem se lembrará de mim. Perceber como eu nunca tinha visto essa tão linda menina, tão singela, charmosa, cativante. Esse nervosismo, que não sentia há muito tempo, talvez desde quando recebi o “sim” dela outra quando esperava um “não”, e nem mesmo quando aquela baixinha queria que eu a levasse ao motel e eu muito metido a menino, hesitei e fiquei nervoso. Mas foi de uma qualidade diferente. Um nervosismo menos especial.
Tenho certeza que defini com esses colegas todos os meus amigos futuros, defini todas as formas de me apaixonar, defini como levaria foras pelo resto de minha vida. Não tenho dúvidas de que algo foi ali cristalizado, naquela escola, com aquelas pessoas ao redor. Para vocês que pensam ser isso bobagem, ou seja, que pensam que as pessoas mudam a toda hora. Pessoas que não acreditam que uma fase seja mais importante que outra, eu digo que dos meus 4 aos 10 anos eu defini que largaria física, que faria psicologia, que seria um apaixonado por professoras e que elas se apaixonariam por mim. Foi ali, naquele prédio, que comecei a adiar prazeres, comecei a me arruinar com meus êxitos. E se você, não acredita nisso que digo agora, tudo bem, porque eu aposto que você crê em Deus, e até não crer em Deus já estava em minha cabeça ali no Balão. Não digo de forma alguma que a vida lá fora nada significou, só que foi naquele tempo, naquele tempo brincando, ali quando se levava a vida de forma atemporal, mágica, sem preocupações, foi ali que eu defini como lidaria com minhas preocupações. É por isso talvez, que esse retorno me seja tão nostálgico, tão lindo, pois foi ali que a ação realmente aconteceu, foi ali entre “Comandos em Ação” e argila, que eu construí a vontade de conhecer o mundo e de tentar mexer na vida. Foi ali que percebi como sempre me apaixonaria por mulheres caladas, quietas, mas inteligentes e fundamentalmente solitárias.

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