Monday, February 28, 2005

O travesseiro e eu, uma história.

Rafael Prosdocimi

Eu não sou do tipo que coleciona nada, não tenho amor por nenhum objeto, e se uma vez namorei uma menina há algum tempo, foi mais por curiosidade mesmo. Dessa forma, eu nunca tive um brinquedo predileto, um bichinho de estimação, algo, sem vida, no qual prolongamos nossa existência. Quando moleque isso me incomodava, não ter um brinquedo predileto é quase como não ser criança. Como bom psicanalista, que nunca serei, acho que esse fenômeno deve ter algo a ver com o investimento libidinal. Todos elegemos nossos pedaços de tecido e plástico para amar, principalmente na ausência de tecido humano, calor, caricias que vêm e vão.
Acho que foi por isso que escolhi meu travesseiro, velho, pequeno, manchado e sem espuma como objeto favorito. Havia uma ausência de algo mais térmico e gorduroso, e bem, o travesseiro sempre esteve lá, sempre no seu lugar. O travesseiro nunca vai te trair com seu melhor amigo, nem preferir novela das oito aos meus abraços e carinhos. Os que fazem sexo com seus travesseiros, me perdoem, mas eu não sou maluco, louco ou biruta, nossa relação é puramente platônica. O único mal do travesseiro é ser substantivo masculino, nunca pega bem dizer : “eu o amo...”. O travesseiro é o substituto daquela que não existe, ainda...É aquela que está por vir. É bem verdade que (se Freud soubesse disso!) investir no travesseiro é muito mais saudável do que em um ser de seios. O travesseiro está nos esperando na outra noite, guardando um cheirinho de sono, cheiro de banho tomado, cheiro de paz. Nada de dores de cabeça, de futilidades, não há intrigas com o travesseiro. A almofada nunca vai contar para o travesseiro que te viu com outra em uma festa.
Foi assim que descobri que finalmente eu tinha um objeto preferido, ele era o meu travesseiro. É bem verdade que não era das escolhas mais criativas, eu que sempre penei para ser diferente, tive que contentar com o amor que o destino me mandou. É impressionante a capacidade que as coisas velhas tem de nos provocar carinho e doçura. No fundo eu amo meu travesseiro como quem ama uma vovozinha. Mirrado, sujo, e ainda sem espuma. Quando viajei no carnaval, levei comigo meu travesseiro, e mais uma vez na falta de um corpo (vivo, de preferência) para abraçar me contentei com ele. Foi a partir daí que se deu o pior.
Acho que se há muito não invisto em uma moça, é mais por causa da trabalheira de ter que dizer “não” em determinado momento, do que qualquer outra coisa. Não é nem tanto sentimento, tristeza, é mais chateação mesmo; afinal ter que dizer a uma mulher (já que invariavelmente é isso que se diz) que eu não estou mais a fim de dormir com ela (eu digo dormir, no sentido de ter sonhos) não é das coisas mais fáceis de se fazer na vida. É uma dessas coisas que nunca serão ensinadas a ninguém. É como espantar um cachorro que te segue. Ninguém te ensina como fazer essas coisas (Não estou a dizer que a mulher é um cachorro). Dizer para ela que foi bom enquanto durou, dizer que você vai continuar gostando dela, dizer que ela foi muito importante para você, e outras bobagens mais, não é muito agradável. Mas o pior é quando se percebe que ela está acreditando naquilo, e vai continuar no seu pé por algum tempo. Talvez seja melhor o bom e velho: “Eu estou apaixonado por sua melhor amiga”.Bem...Voltemos ao travesseiro.
O que me aconteceu foi que eu estava gripado e peguei um travesseiro mais alto, rechonchudo, novo, para deitar com a cabeça mais alta e aí desentupir meu nariz. Depois que melhorei da gripe tentei a reconciliação, mas não deu, o gordinho veio para ficar. Eu que tanto amava meu travesseiro o troquei sem maiores considerações. Esse é o problema, eu realmente amava aquela coisinha sem-graça, e bem, eu acabei me sentindo o maior dos cachorros quando percebi que o troquei por um outro só porque ele era mais gordinho. A vida é mesmo triste, quando se encontra algo que realmente amamos, acabamos sendo seduzidos por outros travesseiros. Só porque ele tem mais enchimento (Silicone), é mais novo (Ninfetinha) e mais bonita (Gatissima). É por essa e por outras que eu desisti de ser monogâmico. E no mais acabei de perceber que eu sou um babaca. Traí a única coisa que se deitou comigo pelos últimos 10 anos. Estou na fossa.

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