Saturday, February 12, 2005

Uma sexta-feira.

Era uma sexta feira normal. Fui a um bar que prima pela cerveja gelada, o calor humano e o samba de qualidade. Tudo a um preço que chega a dar esperança ao capitalismo. Tanta vida, tanta cerveja, e o samba que traz cantoria e sorrisos gratuitos, custando algumas folhas de papel fedorento me soa um grande negócio. Foi nessa sexta, há muitos meses atrás, que a encontrei. Foi a primeira mulher que vi na casa, marcou algo em minha mente, alugou um espaço no meu campo cerebral. Não sei explicar o quê, pois digo, que nesse primeiro momento, ela era dessas que se diz que há outras mais lindas. Penso que o fato de ser magrela e branca demais ajudou na gravação de sua imagem em minha mente. Gosto de mulheres magras. Era bela sem dúvida, parecia uma princesa européia de um país tipo Romênia, mas uma beleza que se forjava em minha mente. Nada pronto, por favor. Um certo olhar triste que é fundamental, algo que não posso definir aqui, mas que convém dizer e abrir parênteses, sem de fato escrever parênteses, que tristeza não é diferente de alegria. Assim como “Quem disse que sorrir é ser feliz”, não é, pelo menos não necessariamente. Gosto da metáfora do palhaço que depois da apresentação chora de tristeza.
Ela passou por mim e incomodou. Pensava na velha ladainha que andava me levando a ação: “Eu sou um bosta... eu sou um bosta... eu sou um bosta”. Bem, mas ela passou, depois voltou e depois de pensar 17 vezes que era um bosta, ao invés de negar a afirmativa, acabei acreditando na mesma e nada fazendo. Como um bosta que acreditei ser, não possuía características morais para encarar uma mulher triste.
Ela continuou lá. Eu, aqui, esboçava olhares enviesados e meio petulantes que não encontravam muita atenção do lado de lá. Em alguns momentos peguei seus olhos de encontro aos meus. Já se preparava para acabar o show, o show de samba, lembro que olhava pra ela, da mesma forma - só pra reforçar a idéia - que um goleiro olha pra bola na hora do pênalti. Com um gesto arrogante com a mão, chamei-a para perto de mim. Ela, por sua vez, chamou-me para o seu lado, resisti e não fui, pois ela estava coberta por seres humanos, e ir lá me deixaria sem graça. Sou tímido. Ela veio. Lembro que havia pensado uma cantada e que a achava genial. Só o tempo comprova a babaquice de algo que no passado “era genial”. Quão idiota. Eu simplesmente diria a ela uma frase que li de Mario Quintana e que até não concordo muito. Diria eu: “Sabe que tem uma frase de um poeta que diz que quem não compreende um breve olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação”, para arrematar e completar o quadro do conquistador barato, diria que não estava disposto a dar longas explicações. Olharia em seus olhos por um breve instante e lhe daria um beijo. Ela me salvou de tamanho fracasso e de uma grande demonstração de estupidez.
Logo ao chegar perto de mim, e antes que eu começasse a patética cena, a moça falou que me conhecia da faculdade, “eu já te vi na FAFICH”. Ao ouvir isso, fiquei surpreso e feliz. Conversamos muito, ela, uma futura socióloga que não queria formar para dar aula; e eu um estudante de psicologia metido a conhecer os assuntos das ciências sociais. O mundo desistiu de nós. Conversamos muito. Um muito que não foi demais. Fosse um filme ou uma peça de teatro, diria que aquele momento de minha vida fora digno de uma grande cena. Os críticos diriam que nunca houve tanta química entre dois atores, que os diálogos eram dignos de Tarantino, o figurino, o som, e a trilha sonora...Que primor! A casa estaria lotada por muitos fins de semana, seriam quebrados recordes de bilheteria. Habitando uma realidade paralela, peguei em sua mão lentamente, sem nervosismo e afetação, sem demora ou pressa, sem pudor, mas calmamente e o beijo, não digo que chegou a ser um beijo, foi algo diferente. Uma espécie de continuação da palavra. Continuamos a sentir na carne o que era óbvio na nossa conversa. Ficamos juntos pouco tempo, disse a ela que ligaria no dia seguinte. Peguei seu telefone. Demoramos para conseguir despedir, eu não queria que ela fosse embora. Ela pegou meu telefone, o que achei lindo, apesar de até agora estar esperando seu telefonema que nunca veio. Nos vimos algumas vezes, mas agora o filme mudou. Os críticos diriam que depois de um inicio triunfal, o filme se perde em um enredo enfadonho. Mas a vida não é um filme, talvez sejam muitos. E na imensa transitoriedade e efemeridade da vida, quero guardar aquele momento como um auge de minha existência, não pela sensação de futuro, não pela vontade de vê-la sempre, não pela sensação de conforto que ela me deu, mas sim pela palpitação em meu peito quando de seu aproximar, e da sensação, estranha nesses tempos, de que eu não sou um robô, e nada mais.

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