Tuesday, February 15, 2005

A moça do ombro.

Rafael Prosdocimi Bacelar

Hoje foi apenas mais um dia na minha vida, nesse veloz ano de 2003. Depois dizem que os anos não andam passando mais depressa. Ainda me lembro da minha ultima passagem de ano, eu junto com Jack Nicholson e o índio gigante que se fingia de doido e de surdo-mudo, passamos juntos; apesar dos dois ficarem todo tempo do outro lado da televisão (é... a televisão tem um lado de lá). Fiquei nesse reveillon, sensivelmente o pior de minha breve existência, tomando coca-cola light (sem gás), que havia sobrado do Natal, e comendo um strogonoff de frango, que se recusava terminantemente a se acabar. Todos fora de casa, todos os amigos viajando, sendo assim, esse ano-novo foi apenas a preliminar de meu ano, que pode ser resumido em um grande copo de coca-cola light (sem gás).
Hoje eu voltava de ônibus para casa, já que na aula iria passar o filme “Meu pé-esquerdo”, e de deprimido eu já chego de mim mesmo. Além disso, ver um filme em uma sala lotada de gente que respira, esse ar abafado, vendo em uma tela de 14 polegadas, a 5 metros de distancia, me soa um (com o perdão da palavra) puta amadorismo. É como só tomar cerveja no sábado à tarde, ou almoçar no domingo ao meio dia.
Esperava tranqüilamente meu ônibus, ou o que quer que seja essa geringonça azul, que às vezes me lembra mais uma sauna de pobre ou mesmo uma criação particular de bactérias ao ar preso . De qualquer forma eu gosto de ônibus, já que nele podemos ver a vida em seu estado mais puro, sujo, puto e simples. Foi nessa algazarra que ela entrou. Era uma dessas típicas moças mais simples, que se disfarçam de madames, visto que a vistosa plumagem, e as formas anato-morfo-geograficas acabam ajudando. Essa era linda. Uma pele num tom moreno claro, o cabelo castanho com mechas louras, e uma cara de mulher decidida, decidida a casar com alguém que tome todas as decisões pra ela, deixando-a a curtir. Usava uma calça jeans que era justa (ou parecia muito justa, pra falar a verdade era justíssima) e uma blusa que em qualquer outro ser de ovários ficaria muito barango, mas nela parecia um manto sacerdotal, de alguma deusa-rainha-princesa do Egito, ou da Índia. Era um tecido meio de seda (sintético) colorido, lembrando uma tigresa. Essa mulher , talvez ela mesmo não sabia, me torturou violentamente , por exatos 37 minutos (no relógio) , infindáveis horas em minha mente, já que a mesma deixou um de seus ombros a mostra, impunemente. Seus ombros eram perfeitos , sem serem ossudos e sem que apareçam pelancas, ombros que eu queria para mim, nesse natal. Faltava algumas pintinhas nesse ombro, mas a verdade é que a vida as vezes é assim mesmo, linda, delicada, mesmo sem pintinhas, porque afinal “rapadura é doce, mas não é mole, não”, já diria um monge budista no sertão nordestino.
De qualquer forma essa mulher contrastava violentamente com esse ônibus. Intrigado com esse contraste eu pensei em algumas medidas que tomaria, caso fosse vereador, prefeito, governador ou só muito rico mesmo. Eu baixaria uma lei proibindo mulheres dessa estirpe a andarem de ônibus, carros seriam destinados a leva-las onde bem entenderem. Um motorista ficaria parado em cada ponto de ônibus, com um outro sujeito (devidamente treinado) como“Selecionador de beldades, cheirosas e maquiadas que não podem se sujeitar às imundícies de um ônibus suado e sujo”. Ou então eu proporia uma outra lei, ainda melhor, que pagaria às moças como essa, para andarem de ônibus, visto que as mesmas fazem a alegria da rapaziada, e tem um importante papel na coerção e manutenção social.
Ainda havia um singelo lenço de papel, que a mesma passava no rosto suado, mas esse assunto eu deixo pro pessoal da filosofia.

No comments: