Wednesday, February 16, 2005

Sempre tão óbvio e igual

Fui correr um pouco, correr pra ver se esse corpo e essa mente se cansam um pouco e desistem de pensar. Quero um sono de verdade desses que só as pessoas que trabalham possuem. Talvez seja só pra isso que exista o esporte, ou seja, proporcionar cansaço a quem não trabalha, e junto com o cansaço aquela sensação de que valeu o dia.
Estava sentado no banco da praça e tentava me convencer a fazer uns abdominais, sem muito sucesso, quando vi a cena. Uma cena tão óbvia e igual a todas as outras que a idéia de fazer abdominal sumiu de minha cabeça. Era uma cena, que se for descrita em letras não proporcionará a certeza que tive (do que acontecia ali) ao olhar. Pois digo que eram duas pessoas, um homem e uma mulher se abraçando. Estavam a 20 metros de distancia de uma pessoa normal, como sou míope, estavam eles a talvez 35 metros do meu ser. Mas não eram duas pessoas se abraçando e sim o seu contrário...Duas pessoas que abraçadas se separavam. Vi que elas estavam se separando de uma forma tão óbvia e clara que até assustei. Não durou mais de um segundo, entre ver a cena e perceber que aquele abraço era um abraço de despedida. Não sei, e talvez nunca saiba, como percebi isso de forma tão rápida. O resto do tempo que observei a cena, somente comprovou o que vi no primeiro momento. Uma separação tão óbvia, igual e dolorosa como a todas as outras na vida.
Um abraço forte, apertado...Um beijo na bochecha com pressão além da conta...Uma mão que bate nas costas como a consolar...Uma face que toca de lado a outra...Um olhar para o chão...Uma mão que espalha as lágrimas pelo rosto...
Esse abraço tão apertado, tão indisposto a deixar o outro organismo se ir. Esse beijo como a tentar marcar no corpo em uns segundos o que não marcara por anos. E essa mão nas costas, batendo, acariciando, da mesma forma como consolamos nossas crianças.
Essa força, que não houve quando juntos, vem agora na separação. Nesse contato facial, provavelmente as lágrimas se tocam, se misturam. Uma lágrima tão cínica quanto forçada se junta à outra sempre tão machucada, muda. E sempre é assim, não nos enganemos, se é a nossa lágrima a doída, saiba que a outra é cínica e atrasada.
Na cabeça dele o sábado que vem, a cerveja, o próximo carnaval compensando esse ultimo de tédio e preguiça. Nessa mesma mente já desponta uma provável menina, uma provável que seja tão fácil quanto tola. Na cabeça dela flutuam outros pensamentos...”o que fiz de errado, como consertar a situação”, “como reconquistar”. Mas podemos trocar a vontade, nesse parágrafo, “ele” por “ela”, ou “ela” por “ele”, e todas as combinações genéricas possíveis. Eu prefiro da forma como coloquei por razões biográficas. Que possamos ser menos hipócritas, pelo menos ao escrever. Mas tudo sempre igual. Relacionamentos heterossexuais, ou homo, de longa data ou curto; a separação entre maridos e mulheres ou mesmo entre maridos e amantes. Jovens e velhos ou velhos e jovens. Uma lágrima sempre tão falsa e a outra tão dolorosa. E se a falsa lágrima finge dor, assim o pede a lágrima que sofre. Pedimos tanta ilusão e falsidade na vida que a sinceridade nesses momentos seria a morte. E depois vamos ainda dizer a todos que a separação foi decidida pelos dois, pois ambos acharam que não estava dando mais. Diremos sempre de separações amistosas e que não houve um que quis, foi os dois que assim decidiram. Tão mentirosas palavras quanto necessárias. E nesses momentos, quando sabemos de separações, o que queremos saber, com todas as seguintes e indispensáveis letras é: “Quem deu o pé na bunda de quem?”, frase que se perde em uma longa cadeia de hipocrisia e eufemismo.

1 comment:

Prós said...

Oi, Rafael, muito bom esse texto! Gostei principalmente das frases "Esse beijo como a tentar marcar no corpo em uns segundos o que não marcara por anos.", "Eu prefiro da forma como coloquei por razões biográficas", “Quem deu o pé na bunda de quem?, frase que se perde em uma longa cadeia de hipocrisia e eufemismo."
Perfeito, mas no fundo discordo do argumento básico desse texto, acho que é possível terminar com ambos tristes e acabados. É claro, posso estar errado, mas acho que dá.
[]s
Chico Pros