Thursday, February 24, 2005

quem sabe amanhã

Rafael Prosdocimi

Eu queria vê-la amanhã. E queria que logo de cara eu dissesse algo bonito para ela. “Ei”, diria eu, e esperaria que ela voltasse algo do tipo, mas que nessas duas letras como resposta, houvesse toda a malícia do mundo. Queria que nessa fala, tudo o que não tivemos, por obra de babaquice de quem vos fala e do cruel acaso, fosse possível. Queria que nesse “Ei”, ela olhasse para os meus olhos, e esse contato a deixaria sem-graça, e então ela pousaria os olhos no chão, e tentaria esconder um lindo sorriso, desses bem bobos. O que deixaria tudo ainda mais singelo. Ficaríamos talvez numa utopia distante a ficar olhando um pro outro e somente diríamos coisas em olhar, cada um pensando, sem pressa, em palavras para expressar a satisfação, não encontrando as danadas, mas tendo o prazer de ter encontrado retorno a um olhar já perdido, já sem esperança. Depois de uns minutos a convidaria para tomar um café na cantina, ela provavelmente teria alguma aula importante, dessas que não se pode perder, mas iria comigo. Eu já, nessa mania idiota de viver de sensações e possibilidades, me perdia, e já pensava que meu dia não poderia ficar melhor. Há algum tempo esperava uma retribuição ocular.
Sentíamos que seria difícil deixarmos ir embora.
Na cantina sentaríamos e tomaríamos nosso café. Ela seria uma futura socióloga, valente menina, inteligente e risonha, com uma risada muito debochada, muito ácida. Eu, que nunca gostei muito de mulheres debochadas e barulhentas demais, mas admirava pessoas ácidas, sentia que até aquela risada estrondosa me fazia sentir tranqüilo. Tentaríamos nos olhar, mas algumas pessoas tentariam nos atrapalhar e interromper com palavras o que acontecia em silencio. Penso que seria inveja dessa gente que precisa falar. Aquisição recente da evolução humana. Dizem uns que é a linguagem que caracteriza o ser humano. Penso que são os gemidos que caracterizam o ser humano. E quão rico não seria alguém que decodificasse os gemidos. Não é à toa que nos momentos de prazer e dor gememos. A linguagem serve apenas como intervalo entre a cama e a lama. Reduto da vida. Gemendo e chorando é assim que vejo o homem e a mulher. Sem isso não somos seres humanos. Se assim o fosse, diriam alguns, não seríamos diferentes dos ratos. Penso que os ratos não querem se diferenciar de minhocas. E sei o que me faz humano.
Eu perguntaria se poderia ligar para ela. Ela diria que sim. Mas, de novo o sim importaria nada em nossos gestos no ar. E ficaríamos assim em silencio, por algum tempo, sem incômodo algum. Talvez alguém de longe acharia estranho. Um amigo chegaria fazendo barulho. Dizendo, falando. E eu aí lembraria de uma musica do Luis Melodia...”se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais...”.

1 comment:

Prós said...

Pra ser chato: a primeira frase tem muito 'eu', dá pra suprimir vários. Umas frases ficaram muito esquisitas, do tipo: "Eu já, nessa mania idiota de viver de sensações e possibilidades, me perdia, e já pensava que meu dia não poderia ficar melhor.", se tivesse escrito o 'eu já me perdia' junto ficaria melhor.
Algumas pérolas selecionadas:
"Há algum tempo esperava uma retribuição ocular."
"Penso que são os gemidos que caracterizam o ser humano. E quão rico não seria alguém que decodificasse os gemidos. Não é à toa que nos momentos de prazer e dor gememos. A linguagem serve apenas como intervalo entre a cama e a lama."
Doido demais!