Thursday, March 10, 2005

Míope

Eu sou míope. Apesar disso, tenho dois olhos, que ficam mais abertos que fechados. Queria que eles se fechassem mais, e que na escuridão eu agarrasse com paixão os braços que me fossem dados. No medo de ficar só e no escuro, permaneceria agarrado a quem quer que fosse, talvez a vida. Mas se meus olhos ficam abertos, de que adianta desejar olhos fechados. Se bastasse estarem abertos, mas eles ainda ficam a olhar pros lados. Ficam a prestar atenção em tudo. Ó olho carente de estímulo. Retina que não quer se acostumar com uma única forma. Fico assim olhando pro lado, e nesse olhar pro lado sinto que não vejo o que está à frente de mim. Procuro estímulos mais fortes, sempre mais estímulos. E nisso de ficar procurando, nada faço enquanto não encontrar. Mas e se o encontro com a cor, já trás a idéia de que é possível que atrás daquela parede exista outro estímulo ainda mais colorido, e isso acaba por me fazer perceber que eu devo parar de hierarquizar estímulos pela dilatação da pupila, e buscar aqueles próximos a meus braços. Uma hierarquia geográfica. E não mais por tempo de duração do olhar, pelo brilho ou o delta de batimentos cardíacos. Por isso é bom ser eu míope, pelo menos limita a distancia do que meus olhos podem ver.

Por que sou assim, míope, de olhos abertos e com olhar vazante pro lado eu não sei. Meu primo vai um dia provar que esse seu primo é assim, pois há uma deformação no gene 18, versículo 9-12. Uma mulher simples vai dizer que isso é coisa de virginiano e provavelmente vai querer que eu consulte o seu astrólogo preferido. Penso que às vezes foi mamãe que me mostrou muita vida ao redor. Dizia ela, em uma praça, que havia passarinhos, árvores, doces, papagaios, e que o mundo era bonito e colorido, continuaria ela a falar. E eu devo ter ficado maravilhado com tanto estimulo, sentado em um carrinho de bebê, quieto, olhando pro lado, gozando desses pequenos prazeres. Às vezes foi papai, pois definitivamente não se é filho do Bacelar impunemente.
Queria eu talvez ser diferente e proporcionar a você, linda menina, toda a minha atenção e amor, mas se agora mesmo que estou a escrever isso, o que acho de extrema importância para a minha vida, não consigo ficar quieto, e me fui logo a esquentar um café que possivelmente me deixará ainda mais inquieto e agitado. Inquietação e agitação sim, mas dentro da calmaria que é minha existência. A minha existência para mim é calma, tediosa e coerente, é só na hora de sair da minha mente que ela, se torna para vocês outras, uma incoerência. Fonte de angustia. Penso que com essa característica vim à vida fazer sofrer, mas que seja sofrer de vida, e não de tédio e não posso me privar de fazer pessoas sofrerem, não posso levar uma vida medíocre e higiênica. Vida a qual acostumava meu corpo. Não posso querer ver em um estimulo mais luminosidade do que a que marca minha retina, e que dilata ou não minha pupila. Não posso apressar a vida. Não posso querer ser outro, até porque fui eu minha vida toda e de alguma forma, se não amo nada, é muito porque muito me amo. Espero um estímulo maior que minha solidão. Espero encontrar uma mulher que ao meu lado me faça esquecer de mim. Cansei de gostar de mim. Quero alguém para olhar fixamente nos olhos, não por preguiça, nem acomodação visual, nem mesmo porque não há estímulos, mas sim porque no meio da claridade, em um dia lindo e florido de primavera, não só um sol brilha, mas dois, um lá e outro cá e esse daqui não me permite virar o rosto, que a beleza dessa mulher seja o meu torcicolo, deixando meu pescoço duro, paralisado, incapaz de deixar de vê-la. Não porque assim querem todos, não porque devemos nos apaixonar obrigatoriamente, não porque assim mandam os bons costumes, mas sim porque na visão de seus olhos eu contemplasse toda a dimensão da vida, todo sentimento e toda a dor.

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