Thursday, March 24, 2005

Nossos momentos

Lembro com muito carinho desses nossos momentos. São para mim os momentos mais doces ao seu lado. Pelo menos os momentos mais lindos de que me lembro. Dele comigo, ele: meu pai. Com certeza houve outros momentos de mais mistério e encanto, momentos de mais amor e carinho, de pura surpresa, de meninice, momentos de aprender a andar e de sorrir. Mas não me lembro desses dias, dessa meninice minha. Você deve se lembrar, talvez não, quem sabe. De minha memória tenho esses dias, há poucos anos, que nós sentávamos em um bar, cada um com sua respectiva tristeza, que talvez fosse a mesma, a angústia de existir, a saudade, a solidão, nada mesmo nunca foge muito disso. Sentávamos em um bar que prezava em continuar vazio, ficávamos nós e os garçons a beber cerveja, nós bebíamos e eles nos serviam. Ora ou outra, eles pediam uma música, ou contavam uma piada. Mas no mais era eu, você, o Lú e o violão. Éramos tristes alegres. Você se recolhia humildemente no bar todo dia depois de tais horas, não havia muita diferença de domingo e quarta-feira. Nós íamos quando dava pra ir. Tomávamos cerveja e você cantava todas as músicas que o universo te permitia cantar. Samba, rock’roll, tangos e boleros, sem ordem alguma, ou mesmo pudor, e tudo com a mesma paixão. A cerveja, a música, o clima que só um bom bar tem. A brisa do bar.
Às vezes tínhamos companhia, o Flavio, o Chico, o Bruno e o Lulu. Esses todos irmãos, todos sempre alegres e apaixonados pelo som da viola. Eu sem vergonha nem nada te pedia um “Ultimo Desejo”, mas que era sempre o primeiro, e depois pedia “Across the Universe”, sem a menor coerência. Na primeira música sempre cantávamos com paixão: “...e às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que o meu lar é um botequiiimmm!!!”
Cantávamos com tamanha ênfase nesse “botequim” que os mais desavisado deviam achar que de fato morávamos no botequim. Noel, Buarque, Beatles, Vinicius e Toquinho, The Doors, Cartola, e tinha sempre aquela música do Djavan que você não lembrava nunca, e o que eu achava uma pena. Era uma cantoria alegre e feliz, apesar de saber que estávamos ali, mais tristes e meio abandonados do que de fato felizes; sei que agora você anda mais feliz do que “naquele tempo”, mas eu, eu sinto meu “peito vazio”, sinto saudade de suas “cordas de aço”, que bem a tempo, sempre foram de nylon. Um violão, cerveja (mesmo que meio contada, ou talvez por isso), um carinho no ar, uma reunião, uma união, uma comunhão tal que, infelizmente só ocorria no bar. E foi assim que depois de 19, 20 anos eu comecei a conhecer meu pai. Sua incapacidade de terminar uma música, as suas manias, o copo sempre cheio (reclamando muito quando abaixava um dedo que fosse), sempre meio apressado, meio intranqüilo, querendo agradar às mesas simpáticas ao redor, e claramente desagradar a quem ali não gostasse do que fazia, falando alto, cantando alto, sem cobrar nada, uma grande figura. Foram nossos melhores momentos. A distancia nossa sempre foi encurtada pelo caminho da cerveja e do violão.

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