Thursday, March 31, 2005

O único final feliz possivel.

Rafael Prosdocimi

Na verdade quero falar sobre o final dos romances. O final de um grande amor seja no cinema, nos livros ou mesmo na vida real. Não há final feliz possível em um relacionamento, essa é a tese. Os filmes românticos, que terminam com casais apaixonados, no fundo são apenas histórias precipitadas, terminadas antes da hora. Ah sim, eu sou pessimista. Os relacionamentos acabam amargamente. Sempre, pelo menos os bons, vivos, ardentes. E sempre acabam. Tem um ditado, ou dito popular, não sei a diferença, que diz: “No final tudo acaba bem, senão está bem é porque ainda não acabou”. Ditadozinho medíocre. Não pela mensagem babada de pieguice, mas sim pela hipótese de que algo pode acabar na vida real. Claro, quando morremos acaba, mas bem... aí importa pouco se acabou bem ou não, pois, e é bom lembrar sempre aos mais desavisados, a vida é uma só, e se ela foi, se acabou de fato, acabou. A única coisa que acaba um dia é a nossa vida. E, pelo menos pra quem morre, ela nunca acaba bem.
Na verdade, no amor, um sempre gosta mais do que o outro, uma sempre é no fundo apenas carente e não muito inteligente e o outro é só muito narcisista, arrogante. Olha que relação perfeita, uma mulher não muito inteligente e um sujeito narcisista, digo isso sem hipocrisia. A fórmula fechada e perfeita do amor romântico. Ah, se as mães soubessem disso. Devíamos criar bajuladoras tolas em potencial e homens narcisistas, arrogantes e é claro, sempre menos inteligente do que pensam. Penso que assim os relacionamentos durariam mais. E todos seríamos mais felizes. A verdade é que o tempo arruína tudo, como vi num filme francês que é muito antipático. Os cafés da manhã, os dias, o discutir a relação. E aqueles hábitos, gostos que todas as pessoas têm, e que na suas respectivas subjetividades “acham bacana”, mas que nunca interagem satisfatoriamente com o hábito de um outro ser vivo, ainda mais compartilhando cama, mesa e banho. Um gosta de tomar banho quente, e gosta de fechar as janelas do banheiro, gosta do vapor e o outro acha isso meio nojento, o ar preso, fechado. No inicio pensam ser bobagem. Quem pensa ser o amor duradouro, vivendo juntos, dividindo aqueles momentos mais íntimos, nunca dividiu o quarto com um ser humano. Há momentos que precisamos nos concentrar em nosso ser e que a presença de outro, mesmo que outra, mesmo que linda e nua, acaba por prejudicar a união nossa “introspectiva”, do “eu” com o cosmos. Lembro de um filme com o Jack Nicholson no qual, logo ao inicio do filme, ele olha pra simpática e gordinha “sua patroa” e pergunta, como quem vasculha a alma: “Que velha é essa? Que mulher é essa que mora aqui em casa?”.
Os filmes mostram seus finais felizes e nós saímos mais uma vez iludidos, não que oferecemos normalmente resistência à ilusão, de que a vida é boa, e mais do que isso que é bom a vida ser boa. E que existe um amor no fim do túnel, ou mesmo no inicio, e que nós vamos encontra-lo. Lembro do final do livro “O amor nos tempos do cólera”. Ao fim da história o sujeito que esperava pela mulher há algo do tipo 60 anos a reencontra, ela, agora viúva, e ele apesar de ter feito sexo com outras mulheres, mantinha-se impassivelmente apaixonado pela moça, que obviamente se tornara uma octogenária. Durante décadas ele a esperava, esperando a morte do marido de sua amada. O marido morre e eles finalmente se juntam. Os dois embarcam em uma viagem de navio (tipo uma lua-de-mel) e quando chegam ao destino, voltam para onde tinham saído e assim repetidas vezes, sendo que assim acaba essa história de amor. Ou seja, o homem esperou uma vida pela mulher, a reencontra, obviamente velha e decrépita, vive seus momentos de amor, ou o que a imagem de dois octogenários transando pode representar, e nunca mais abandona a lua de mel. Acaba a história, mas sabemos que ela não acabou. Sabemos que um dos velhinhos morre antes, talvez tendo um orgasmo, o que seria um final feliz para o defunto, mas não para o outro. Prolongada nossa angústia. Pois um morreu feliz, mas o outro não, e isso não pode ser um final romântico feliz. Continuando essa história, com a permissão do senhor Garcia Márquez, o sobrevivente, agora solitário enterra seu amor. Sabendo-se velho, sabendo da morte eminente, quem sobreviveu fica feliz, pois reencontrará sua alma gêmea no além. Agora sim um final feliz, o outro velhinho morre e reencontra seu grande amor no céu ou no inferno. O final feliz é, dessa forma, em ultima instância, uma ilusão religiosa. Isso não é um final, pois deveríamos nos voltar para o além. Quem disse que o marido da mulher não a espera, contando os minutos pela chegada de seu (amarga ilusão) eterno amor. Sendo que o marido, em vida, pensava ser a alma gêmea da mulher, aí poderemos pensar numa disputa por amores no além, almas gêmeas sendo separadas, uma indo pro céu e a outra por inferno e tudo o que o mito e a imaginação permitir.
A questão é bem mais simples. Não há final feliz possível, pois não é o final que importa. Há uma velha máxima, talvez budista, xintoísta, judaica, ou só baranga mesmo de que não importa para onde se vai, mais como vai ser a viagem. Haverá risos, gozos, choros, lamentos, música, sorriso de graça? Acho que o final do livro quer dizer isso, quando eles não desembarcam, não há razão alguma para sair do barco, já que temos o que se precisa no barco. O problema é que sempre há algo nos chamando lá fora. Não fomos feitos para a felicidade. Freud diria sobre a transitoriedade, diria que depois do verão vem sempre o outono e depois o inverno, Nietzsche diria que os homens não foram dispostos para serem felizes, mas sim para “momentos felizes” e que pensar que há uma felicidade acima do arco-iris é romantismo piegas. Sartre diria sobre a contingência, sobre a liberdade. Vinicius diria que “tristeza não tem fim, felicidade sim”. É por isso que todo final feliz é tão enjoativo. Pois tenta encucar em nossa mente a idéia inverossímil de que se é feliz eternamente, com todas manhãs ensolaradas, gaivotas no céu, mar azul, café na cama e calcinha preta.
Mas há um final feliz possível...Que é a morte do casal por acidente de avião, ou algo do gênero, algo que mate o casal apaixonado sem que estes percebam. Que mate rapidamente, que mate num momento de leve alegria, com ausência de pensamento, com falta de culpa; que a morte seja rápida o bastante para que a mulher não lembre de qualquer olhar enviesado trocado com um moço de óculos antes de ontem; que a morte seja rápida o bastante para que não haja tempo para rever as equações, para que não se perceba a ilusão, para que não se queira ir por ali. Que a mentira continue parecendo verdade. Que a palavra seja contida a tempo, que a mente não tenha tempo de se arrepender, que se continue apaixonado antes da morte. Esse seria o único final feliz possível.

1 comment:

Anonymous said...

Andei lendo as sua crônicas e realmente gostei. É bom saber que existem outras pessoas que sentem e vivem como nós.
Grande abraço.
Estrela-do-mar