Monday, March 21, 2005

Semana

Rafa Prós
Uma dúvida me confunde nesse domingo de dor no joelho depois de praticar uma atividade que consiste em juntar 10 homens e manda-los correr atrás de uma bola, atividade que antes eu chamava de futebol, mas que no dia de hoje não ousaria tanto. São apenas 10 homens correndo atrás de uma bola. A dúvida é se esses pássaros que cantam nesse momento, cantam sempre, cantam todos os dias ou eles cantam apenas no domingo? Será que eles cantam na segunda-feira e acabo que eu não ouço, sempre muito preocupado em parecer sempre muito preocupado? Não sei a resposta. Mas acho que eles cantam todo os dias. Foi no pensar nessa questão que me convenci a erguer meu corpo contra a gravidade e tentar escrever. O joelho sempre doeu um pouco, mas pelo menos antes eu jogava futebol e não me somava a 9 homens atrás de uma bola. Hoje correr atrás da bola era a única regra existente, tanto que ninguém sabia muito o que fazer quando de posse da pequena.
Semana estranha. Uma segunda tão radiosa, tão cheia de decote e sorriso e depois esse definhamento gradual. Começo minha segunda indo de ônibus para a aula, e meu dia começa no decote daquela moça que deve ser meio feia (pois usava óculos escuros que tampava metade do seu rosto), mas que compensava com um artifício criminoso, a combinação perfeita para viagens de ônibus em plena segunda-feira: blusa decotada e marquinha de biquíni. Fica difícil o dia ser ruim com um início tão triunfante. O dia em plena alegria. Redescobri meu súbito prazer em andar de ônibus. E acabei me propondo a realizar essa tarefa com mais freqüência. Andei aceitando muito fácil, isso de andar de carro.
E a semana foi avançando sem dó de mim. A cada dia um novo problema, desses que não são bons. Problemas que mais me angustiam do que podem ser resolvidos. Vontade louca de ser pedreiro e construir uma casa. Pronto, acabou. A casa está em pé. Lembrei-me de sempre de viver o presente e não abusar absolutamente do futuro. Digo isso, pois na mesma segunda, ao ir para casa, andando distraidamente, ocorreu de parar mais um ônibus ao meu lado, a porta mecânica (ou seria mágica) se abrir e de lá aparecer uma dessas meninas que eu sempre olhei nos olhos e que nunca tive coragem de fazer muito mais. Uma dessas meninas que eu espero muito que venha a freqüentar minha casa fora dos horários civis. Eu a recebi nesse instante em que caminhava, e que seu ônibus parou ao meu lado, abrindo a porta (obrigado) da forma como recebia antigamente presentes no natal. Cheio de alegria e surpresa. Pensava muito nessa menina, pensava muito que talvez nunca mais a visse na vida. Havia descoberto que ela agora fazia pedagogia, o que eu achava lindo (ah...professoras...elas ainda têm tanto a me ensinar) e que continuava linda e existindo. Ela ia pra uma escolinha perto de minha casa então fomos caminhando juntos. Conversamos por 6 minutos e 43 segundos. Tempo suficiente para sobreviver mais uma semana. Como as meninas ralam tanto. Essa estuda de manhã uma coisa, trabalha a tarde e estuda outra coisa à noite. E eu pensando que ela devia se apaixonar por mim. Eu é que tenho que trabalhar mais, comer minha ração quieto e assistir televisão. Mas mamãe é muito boa pra mim e eu me permito ainda vadiar. Inclusive em pensamento.
Apesar de não ter esquecido da vontade de ser pedreiro. Eu esqueceria essa coisa de contingência e mandaria pro inferno, Nietzsche, Raul, Gonzaguinha e a Agnes Heller. Ficaria com o samba, a cerveja e o café. Acho que essa sempre foi minha grande vocação: a simplicidade. Sem demagogia. Seria um ótimo camponês, amaria muito satisfatoriamente a mulher feia e batalhadora que me fosse permitido amar, tomaria minha cachaça com mais resignação do que gosto. Seria um excelente chefe de família, mandão e carinhoso. Teria esse tato que me permite passar por bacana quando quero. Seria talvez prefeito, vereador com certeza. Faria cantoria lá em casa. Viveria uma vida de sossego, lembrando sempre de uma menina que havia visto há 40 anos atrás e achado a coisa mais linda que vi na vida, e pensaria nela até morrer, mas sem arrependimento. Pensaria dessa forma, que as pessoas que vivem porque as coisas são assim porque são, conseguem fazer. Os senhores filósofos existencialistas niilistas não haveriam de saber meu endereço e continuariam a não incomodar o mundo lá da França. Eu seria um sujeito simples formidável. Agora desse jeito não dá mesmo. Fico a vagar por aí sem saber se sou doido mesmo, ou se sou mais um neurótico culpado da existência sem graça da vida. Fico aí sem saber se sou mané fantasiado de malandro ou só mane mesmo. Fico puto com esse merda, normatizador, que acaba com as diferenças culturais da humanidade que é o corretor do “Word” que não me deixa nem escrever mane decentemente e acaba apagando, com a maior arrogância, o acento no “é” de mane.
É a semana não foi boa. E olha que ainda teve um samba na quinta. E olha que tinha até uma mulher que tocava pandeiro e olhava pra parede. E olha que aquela “coroa” que eu solitariamente acho a maior graça, me perguntou se eu era amigo do Lúcio. E eu disse que não, achando lindo que ela precisasse de um pretexto pra trocar (num primeiro momento) letras comigo, já preparando pra falar e aí ela me foi embora meio mal-humorada, com uma clara indisposição pra me permitir cantá-la.
É, essa semana foi osso. E quem é esse Lucio porra!

1 comment:

Mari Pi said...
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